Crítica: ‘Priscilla’ e os castelos de cristal de Sofia Coppola Crítica: ‘Priscilla’ e os castelos de cristal de Sofia Coppola

Crítica: ‘Priscilla’ e os castelos de cristal de Sofia Coppola

Baseado nas memórias de Priscilla Presley, o filme de Sofia Coppola demonstra que não há cineasta melhor para adaptá-lo

Lalo Ortega   |  
3 de janeiro de 2024 16:57
- Atualizado em 4 de janeiro de 2024 12:44

Baseado nas memórias Elvis e Eu, da própria Priscilla Presley, o novo filme de Sofia Coppola, Priscilla – em cartaz nos cinemas brasileiros a partir de 4 de janeiro – parece fazer sua declaração de intenções a partir do título, especialmente se tivermos em mente que, apenas no ano passado, o diretor Baz Luhrmann entregou seu grandioso tributo cinematográfico a “O Rei”, sucintamente intitulado Elvis.

Fica claro que o filme de Luhrmann é mais um coquetel de excesso audiovisual com admiração pelo cantor que marcou gerações, deixando uma marca indelével na música e no destino do rock and roll. Sua idealização está bem documentada. A produção dirigida, escrita e coproduzida por Coppola, por sua própria natureza, apresenta o outro lado da moeda, muitas vezes omitido por ação ou omissão.

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O resultado é um filme que, embora não fuja do molde do que geralmente se espera da cineasta, também reafirma que talvez não haja uma cineasta mais adequada para capturar a essência desta história.

A menina Priscilla e o monstro por trás de “O Rei”

Fiel ao formato típico de uma biografia cinematográfica, Priscilla é extenso em seu alcance narrativo, abrangendo vários anos nas vidas de seus protagonistas. O filme aborda o relacionamento tumultuado da jovem protagonista homônima (interpretada brilhantemente por Cailee Spaeny) e o ícone musical (Jacob Elordi, Saltburn), desde o momento em que se conheceram até o divórcio em 1973.

Nesse sentido, não haverá muitas surpresas para quem estiver familiarizado com alguns detalhes da vida amorosa de uma das maiores estrelas da história do rock. Sofia Coppola, inclusive, narra a história com sua tranquilidade e candura habituais.

Sofia Coppola quer que nos lembremos, sempre, que se trata de uma menina (Crédito: MUBI/A24)

Se seguirmos a comparação com Elvis, de Luhrmann, Priscilla é seu perfeito oposto: o excesso e o espetáculo são reservados ao próprio Presley. “Ele não é como você imagina”, diz sua ainda jovem esposa em um ponto do filme de Coppola, relegada a espaços silenciosos, solitários e frios. Uma esposa-troféu, deixada em casa enquanto ele conquista o mundo, com hordas de fãs e mulheres aos seus pés.

A diretora enfatiza essa inocência inicial e seu despertar violento para a maturidade em cada decisão criativa do processo. As cores quentes e tons pastel do figurino e da cenografia, quase infantis no início, tendem a se tornar mais frios e apagados no final. A fotografia, com um leve desfoque inicial, sugere a atmosfera de sonho em que a jovem acredita estar entrando quando o cantor se apaixona por ela.

A disparidade entre os dois é exacerbada não apenas pela maquiagem, mas também pelo próprio elenco. Spaeny, de estatura baixa e cerca de 25 anos durante as filmagens, consegue dar a impressão de ter os 14 anos que Priscilla tinha quando Elvis a seduziu. Sua aura de inocência logo dá lugar à fria distância de uma jovem mulher desiludida precocemente, oprimida pela gigantesca figura de Elvis, interpretado por Elordi.

E embora Coppola não exagere nem submeta as qualidades mais repreensíveis do cantor idealizado a uma análise incisiva, também não é necessário fazê-lo. Em seu estilo tão contido, a câmera, os diálogos e os olhares expressam o que sempre fica em dúvida sobre a sedução e o abuso de uma menor, a cumplicidade e a conivência – isso, claro, quando a violência não é simplesmente cotidiana.

Priscilla enfatiza constantemente a solidão e o isolamento de sua protagonista (Crédito: MUBI/A24)

Não é apenas outro filme de Sofia Coppola?

Pode-se concluir, dado tudo isso, que Priscilla Presley não passa de uma protagonista perfeita para mais um filme de Sofia Coppola: uma mulher branca reprimida ou violentada, cansada no isolamento e na solidão do privilégio, sofrendo nos luxos de seu castelo de cristal. Necessariamente, isso cria uma distância difícil de superar no caminho para a empatia.

Também pode ser argumentado o contrário: que precisamente por isso, Coppola é a cineasta ideal para contar essa história. A cineasta não condena os privilégios de seus protagonistas, mas também não os trivializa. Pelo contrário, em casos como o de Priscilla, ela exacerba essa violência sistêmica, diante da qual os luxos e a fama não são necessariamente uma proteção.

Muitos outros cineastas não são tão criticados por fazer o mesmo filme repetidamente (claro, mantendo proporções). Independentemente da interseccionalidade, seria bom não perder de vista que histórias como as de Priscilla nem sempre são contadas… e que seria bom que ressoassem tão alto quanto os tributos idealizados a estrelas já falecidas.

Priscilla estreia em 4 de janeiro nos cinemas e chegará em breve à MUBI. Clique aqui para comprar seus ingressos.

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