Crítica de ‘Love Lies Bleeding: O Amor Sangra’: Romance tóxico Crítica de ‘Love Lies Bleeding: O Amor Sangra’: Romance tóxico

Crítica de ‘Love Lies Bleeding: O Amor Sangra’: Romance tóxico

A diretora Rose Glass entrega com ‘Love Lies Bleeding: O Amor Sangra’ um delicioso delírio febril de romance e violência

Lalo Ortega   |  
17 de abril de 2024 18:32
- Atualizado em 18 de abril de 2024 14:48

Algumas coisas ficam claras quando os créditos finais de Love Lies Bleeding: O Amor Sangra rolam – filme muito aguardado dirigido pela britânica Rose Glass que estreia nos cinemas brasileiros neste 1º de maio. A primeira delas é que a diretora tem um senso de humor deliciosamente irônico e macabro.

A sequência de abertura do filme dirige nossos olhares para o céu noturno e estrelado, aquele lugar romântico que costumamos olhar em busca de sossego, fuga, saudade. A câmera desce para o Novo México dos anos 80, e então conhecemos nossa protagonista: Lou (Kristen Stewart), até o cotovelo na merda enquanto tenta desentupir um vaso sanitário na academia onde trabalha. Ao mesmo tempo, uma ex desesperada (Anna Baryshnikov) implora por um encontro.

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É, talvez, a analogia perfeita para evocar o resto da metragem: a protagonista tenta fazer a merda desaparecer enquanto é perseguida por algo parecido com amor, sufocada pelo desejo de estar em qualquer outro lugar do mundo. Tal parece ser o caso, também, de Jackie (Katy O’Brian, de The Mandalorian), uma fisiculturista errante que fez parada no bairro, a caminho de uma competição em Las Vegas.

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Naturalmente, ela precisará ir a uma academia, o que a coloca em rota de colisão direta com Lou. Inevitavelmente, surgirá o amor, ou algo que confundirão com isso. Assim como dizia o início de (500) Dias com Ela

Esta não é uma história de amor

Mas também não é uma história sobre o amor. O que Rose Glass entrega em Love Lies Bleeding: O Amor Sangra tem mais a ver com sexo, atração, laços familiares e violência, ingredientes que formam um coquetel volátil quando misturados com o elemento criminal (o título também pode ser traduzido como “O Amor Jaz Sangrando”, mais em alusão à música de Elton John, embora também em referência à planta homônima, tão feia quanto bela, segundo Glass).

Pois um dos temas centrais no filme de Glass é a busca por poder, que todos os seus personagens empreendem de alguma forma. Lou, por exemplo, sofre a impotência de ver sua irmã, Beth (Jena Malone), sendo constantemente abusada por seu marido violento, JJ (Dave Franco). O pai de ambas, casualmente chamado Lou Sr. (Ed Harris), tem uma influência tão sutil e cínica quanto firme na vida criminal da cidade.

A história de Love Lies Bleeding começa muito romântica, mas logo se instala o caos (Crédito: Synapse Distribution)
A história de Love Lies Bleeding começa muito romântica, mas logo se instala o caos (Crédito: Synapse Distribution)

“Prefiro usar minha própria força”, diz Jackie quando, em busca de um emprego no campo de tiro de Lou Sr., é questionada sobre armas de fogo. A sua é uma busca por poder físico e autêntico, cujas razões são sucintamente sugeridas pelo roteiro: o desejo de proteger-se do abuso psicológico. E em seu caminho, o sexo é uma moeda de troca tão aceitável quanto socar na cara um fortão que insiste em seduzi-la.

É compreensível, portanto, que Lou se apaixone por Jackie quase imediatamente: a fisiculturista é alguém que, por sua própria força, conseguiu sair de suas circunstâncias e aspirar a mais do que tirar merda do vaso sanitário e viver à sombra de um pai controlador.

Mas esse enamoramento se transforma em pólvora quando entra em contato com a violência, a tragédia e uma ambição insalubre alimentada por esteroides. Os resultados, previsivelmente, são desastrosos. Em um momento, Love Lies Bleeding: O Amor Sangra parece moralizar os tipos de poder: um masculino, repressivo e até fálico, representado pelas armas de fogo; e um defensivo, sincero e justo, representado por Jackie e sua vocação protetora. Mas esse discurso é questionado mais cedo do que tarde: há alguma diferença quando todos — amados e inimigos — sofrem as consequências?

É aqui que Love Lies Bleeding: O Amor Sangra começa a abraçar seus elementos mais ambiciosos, e que certamente serão os mais polêmicos. Glass, especialista em borrar as linhas entre realidade objetiva e percepção subjetiva desde seu primeiro longa-metragem, Santa Maud, recorre a tudo desde o surrealismo até o horror corporal para representar a espiral de pesadelos e esteroides de Jackie, ou as memórias culpadas que Lou lutou tanto para reprimir. De thriller romântico criminal, seu filme, de repente, faz uma virada abrupta para um delírio febril por intoxicação simultânea de poder, culpa e desejo.

No entanto, a diretora consegue evitar os excessos, em geral, conseguindo conciliar a aparente contradição entre elegância e cinema série B. Com uma fotografia hiper estilizada e uma edição calculada, Ed Harris passa de ser um vilão criminal a um espectro da memória. A violência vem em explosões seletas — mas sim brutais — e talvez sejam os momentos de surrealismo alegórico que roçam perigosamente com a comédia. Mas esse é, talvez, todo o ponto.

Love Lies Bleeding: O Amor Sangra (e arrasta toda essa bagagem)

No cinema, muito se idealiza o amor como uma força capaz de superar — e perdoar — tudo, seja por meio de compaixão terna ou da violência mais sórdida e implacável. E, como Tom (Joseph Gordon-Levitt) em (500) Dias com Ela, muitas vezes isso se deve a interpretações erradas dos filmes (vamos, Tom, quem realmente pensou que Dustin Hoffman e Katharine Ross foram felizes no final de A Primeira Noite de um Homem?).

Kristen Stewart em Love Lies Bleeding - O Amor sangra
Os personagens de Love Lies Bleeding lutam contra a própria violência interna (Crédito: Synapse Distribution)

Em Love Lies Bleeding: O Amor Sangra, Rose Glass resgata seu humor sutil, mas ácido, para ironizar sobre esse ideal de romance. A diretora nos convida a confrontar o fato de que todos, absolutamente todos, trazemos bagagem para nossos vínculos românticos. Às vezes, essa bagagem é um pai traficante de armas, um cunhado abusador, uma irmã submissa e um passado criminal.

E às vezes, não resta mais do que limpar a bagunça que o ser amado deixa em seu rastro pela vida do outro. Mas quando é o suficiente? E ainda pior, quando é tarde demais para decidir que é o suficiente? Prova da habilidade de Glass é que, quando Lou reafirma seu amor por Jackie no ápice dos erros, provoca mais riso do que ternura.

Onde o amor e o desejo são concebidos sob o poder e o subjugamento, talvez sempre seja tarde demais. A merda, inevitavelmente, transborda novamente pelo vaso sanitário.

Love Lies Bleeding: O Amor Sangra estreia nos cinemas em 1º de maio, mas com sessões de pré-estreia antecipadas. Clique aqui para comprar ingressos

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