Crítica de ‘O Mal que Nos Habita’: o horror de perder a esperança Crítica de ‘O Mal que Nos Habita’: o horror de perder a esperança

Crítica de ‘O Mal que Nos Habita’: o horror de perder a esperança

‘O Mal que Nos Habita’ impacta com um nível de violência gráfica apenas superado pela psicológica

Lalo Ortega   |  
25 de janeiro de 2024 23:14

Quando um filme começa a soar como o “melhor” ou o “mais”, seguido do adjetivo que for, é aconselhável manter um pouco de ceticismo. O argentino O Mal que Nos Habita – que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 1 – foi rotulado como um dos melhores dentro do gênero de terror em 2023 e também como o mais “depravado“.

Esses qualificativos geralmente são ruído em torno do puro choque gratuito. Penso, por exemplo, em Terrifier, que se apoia em nossa afeição coletiva por palhaços assassinos para chocar, por meio de uma violência visual extrema (alcançada apesar de um orçamento muito baixo), uma narrativa mínima e um tema nulo. Pura exploração, portanto.

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Não é que o filme do diretor argentino Demián Rugna careça de argumentos para convencer no aspecto visual. O nível de violência gráfica alcançado por O Mal que Nos Habita é suficiente para desafiar até os fãs mais fervorosos do gênero. No entanto, seu verdadeiro poder reside em sua capacidade de perturbar não o olhar, mas o coração.

A arte de perturbar a alma

Situação em um remoto povoado rural da Argentina, a história começa quando dois irmãos, Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jimi (Demián Salomón), encontram um cadáver retalhado no campo. É o início de uma descoberta devastadora. Perto dali, na casa de alguns vizinhos, há um “encarnado”: uma pessoa cujo corpo foi dominado por um ente maligno e parasitário, que se alimentará dele até poder “nascer”.

Isso também alerta o fazendeiro (Luis Ziembrowski), que exige que o “encarnado” (também chamado de “bichado”) seja eliminado imediatamente, pois pode causar problemas em suas terras. Não é fácil: esses seres são, aparentemente, extremamente contagiosos. Executá-los a sangue frio com uma pistola também não é uma opção.

Diante da apatia das autoridades locais, que se desculpam em seus protocolos burocráticos, os irmãos decidem tomar as rédeas da situação e ajudar a se livrar do “bichado”. As coisas, como era de se esperar, não saem bem e parecem perdê-lo no caminho. Preocupados, mas com o patrão satisfeito, eles retornam para casa, ignorantes do caos ao qual condenaram a vila.

Quando o mal está à espreita, ele impacta devido à sua violência física. Mas perturba ainda mais através de outros métodos (Crédito: Paris Filmes)
Quando o mal está à espreita, ele impacta devido à sua violência física. Mas perturba ainda mais através de outros métodos (Crédito: Paris Filmes)

Com esse contexto, O Mal que Nos Habita estabelece um mundo de profundo vazio de lei, moral, compaixão. Prevalece um ar de angústia, cultivado por um ambiente onde quase todos os personagens buscam seus próprios interesses.

A autoridade está ausente, assim como a religião. Embora o filme parta dos convencionalismos do cinema de terror sobre possessões demoníacas, o diretor e roteirista tem o cuidado de não mencionar termos como “demônios” ou qualquer deus. Os “encarnados” se parecem mais, na verdade, com os piores de nossos medos pandêmicos.

No entanto, como o próprio Rugna comentou, suas ideias para O Mal que Nos Habita brotaram de um contexto social ainda mais específico. O cineasta argentino se refere aos envenenamentos por pesticidas nos campos de seu país, em nome das grandes empresas agrícolas. Ele também alude ao avanço do neofascismo na região, que na Argentina atingiu um ponto crítico.

Mas, independentemente das circunstâncias locais que deram origem a ele, o filme entende que essas são produtos de horrores universais. O que são a maldade, o egoísmo, a intolerância e a crueldade, senão as piores e mais infecciosas doenças do ser humano?

Um filme aterrorizante (no melhor dos sentidos)

Em O Mal que Nos Habita, Rugna mantém essa atmosfera de desolação por meio da imprevisibilidade narrativa, através de um perigo irrestrito para seus personagens. Onde outros filmes mais convencionais do gênero imporiam um limite à sua violência visual, o diretor pisa no acelerador. Diremos apenas que é melhor não se apegar demais a ninguém.

O Mal que nos Habita tem um ar sufocante de desesperança (Crédito: Paris Filmes)
O Mal que nos Habita tem um ar sufocante de desesperança (Crédito: Paris Filmes)

Além de um caráter explorador, isso parte de um espírito que o diretor descreve como honestidade para com o espectador: o terror está no fato de que ninguém está realmente a salvo. Qualquer um pode ser vítima e se tornar mais uma das imagens chocantes que habitam este filme, para infectar o coração com pesadelos eventuais.

Por isso, é um pouco decepcionante quando, em seu último ato, o filme tropeça consigo mesmo ao tentar explicar um pouco as regras em torno desse mal, que na realidade assusta mais quanto mais inexplicável se mantém. De repente, há métodos para matar os “encarnados”, cânones do folclore local sobre como eles se manifestam.

Mas é um inconveniente em algo que, de outra forma, é uma profunda perturbação da alma, mais do que do olhar. O Mal que Nos Habita é um dos filmes mais aterrorizantes que já vi, no melhor sentido. Neste mundo, não há um deus no qual perder a fé. Mas é ainda pior perdê-la na bondade e no poder do espírito humano.

Texto publicado originalmente na versão mexicana do Filmelier.

O Mal que Nos Habita estreia em 1 de fevereiro nos cinemas brasileiros. Clique aqui para comprar ingressos.

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