O dia em que conheci o dublê de Tom Cruise O dia em que conheci o dublê de Tom Cruise

O dia em que conheci o dublê de Tom Cruise

Apesar de se gabar de fazer as mais insanas cenas de ação, Tom Cruise já teve, ao menos uma vez, o auxílio de um dublê – e eu o conheci da forma mais improvável possível

26 de maio de 2022 17:03
- Atualizado em 27 de maio de 2022 19:50

Tom Cruise faz tudo. Essa frase não é uma hipérbole: o astro ficou famoso por ele mesmo atuar nas cenas mais perigosas de seus filmes sem trocar de lugar com dublês – incluindo escalar montanhas, pilotar caças e prender a respiração por seis minutos. Porém, nem sempre foi assim. O ator já teve, sim, um dublê – e eu conheci o homem que pode provar isso. Afinal, ele próprio assumiu a função.

Um encontro que aconteceu da forma mais improvável possível.

O ano era 2019, quando, após cobrir a San Diego Comic-Con, resolvi visitar o USS Midway – um porta-aviões que navegou pelo mundo entre 1943 e 1992 para depois se transformar em um museu, para sempre ancorado na costa da Califórnia.

O USS Midway, agora para sempre ancorado em San Diego e transformado em um museu (foto: Renan Martins Frade)
O USS Midway, agora para sempre ancorado em San Diego e transformado em um museu (foto: Renan Martins Frade)

San Diego, aliás, respira ‘Top Gun: Ases Indomáveis‘. A cidade possui uma base da Marinha no bairro de Miramar, local esse que é a sede da Escola de Armas de Caças da Marinha – popularmente conhecida como TOPGUN. O longa-metragem de 1986 teve diversas cenas filmadas por lá, incluindo na própria base, no bairro de Oceanside e no Kansas City Barbeque, onde acontece a famosa cena com o elenco tocando e cantando ‘Great Balls of Fire’.

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Dica rápida: vá ao bar pelo filme e pela bebida – a comida é péssima, assim como o atendimento.

Como fã do filme, eu já tinha visitado boa parte dessas locações em viagens anteriores, mas faltava o porta-aviões. O USS Midway não foi utilizado nas filmagens (que aconteceram no USS Enterprise e no USS Ranger), mas a embarcação é contemporânea daquela época e preserva todo o visual da Marinha dos anos 1980.

Até por isso, lá dentro, você tem a oportunidade de sentar na cabine e se sentir pilotando um F-14 igualzinho aos do filme, incluindo as inscrições “Maverick” (o personagem de Cruise) e “Goose” na carenagem. No final do passeio há uma lojinha com o devido licenciamento da Paramount Pictures, onde é possível comprar bugigangas como chaveiros, canecas e até um boné idêntico aos utilizados pelos instrutores de ‘Top Gun’.

Adivinha quem eu comprou uma caneca e um boné? Pois é. “I feel the need. The need for speed”.

Calma, vamos chegar ao dublê em breve.

Esse sou eu - perfeitamente "topgunizado" ainda a bordo do USS Midway (crédito: Renan Martins Frade)
Esse sou eu – perfeitamente “topgunizado” ainda a bordo do USS Midway (crédito: Renan Martins Frade)

Dias depois, já na segunda perna da viagem, em Los Angeles, fui caminhar do píer de Santa Monica (onde termina a famosa Rota 66, vale a visita) até Venice Beach, praia famosa por suas lojinhas, hipsters, grafites, artistas, fisiculturistas e, bom, pela maconha. Cenas de filmes como ‘Caçadores de Emoção’ (o original de 1991) foram filmadas lá – sem mencionar que o bairro foi o berço de bandas como ‘The Doors’, ‘Red Hot Chili Peppers’ e ‘Jane’s Addiction’.

Todo o passeio, claro, usando o boné de ‘Top Gun’ recém-adquirido, que complementava o visual com os óculos escuros Aviator, da Ray-Ban. Estava me sentindo o próprio Tom Cruise naquele dia.

Passando a nova Muscle Beach (a original, de Santa Monica e frequentada nos tempos aéreos por Arnold Schwarzenegger, não existe mais – uma pena) há um píer para pescadores. Fui até a ponta dele, sentei em um banco e fiquei curtindo a calma brisa do meio de tarde do verão californiano enquanto admirava o Pacífico.

A vista de Venice Beach a partir do píer - não se engane: o Sol não está escondido apenas pelas nuvens, mas também pela fumaça das queimadas na Califórnia (crédito: Renan Martins Frade)
A vista de Venice Beach a partir do píer – não se engane: o Sol não está escondido apenas pelas nuvens, mas também pela fumaça das queimadas na Califórnia (crédito: Renan Martins Frade)

“Hey, você gosta de ‘Top Gun’?”, me disse, de supetão, um homem enquanto mexia no material de pesca na ponta do banco. Olhei com um olhar de surpresa.

“Sim, eu adoro”, respondi. Entendi rapidamente o que aconteceu: o look do dia havia me entregado.

“Eu trabalhei nesse filme. Eu fui o dublê do Tom Cruise”, replicou o pescador amador, que deveria ter quase o dobro do meu tamanho – isso que, na época, eu devia estar pesando uns 90 quilos.

Confesso que meu mundo caiu naquele momento. Como assim Tom Cruise teve um dublê? Bom, faz sentido: em 1986 ninguém concordaria em arriscar o pescoço de um astro ainda em ascensão – que, em caso de acidente, poderia na melhor das hipóteses atrasar todas as filmagens. Exatamente como ele faria, décadas depois, ao machucar o tornozelo durante a produção de ‘Missão: Impossível – Efeito Fallout‘.

“Meu nome é Steve. Eu fiz as cenas de moto do Tom Cruise nesse filme. Sou eu que piloto naquela cena em que ele corre com os jatos”, explicou o meu amigo instantâneo.

Eu não sabia, mas aquele homem, Steve Holladay, teve uma interessante carreira como dublê em Hollywood. De acordo com o IMDb, ele começou em 1980 no filme ‘O Atrevido Jogo da Burguesia’ – e atuou em produções como ‘Os Intocáveis‘, ‘Um Drink no Inferno‘, ‘Velozes e Furiosos‘ e ‘Homem de Ferro‘, entre outras. E em ‘Top Gun’, claro.

Tom Cruise na moto? Só nos closes: nas cenas mais distantes quem está pilotando é o Steve Holladay (crédito: divulgação / Paramount Pictures)
Tom Cruise na moto? Só nos closes: nas cenas mais distantes quem está pilotando é o Steve Holladay (crédito: divulgação / Paramount Pictures)

“Hoje eu estou aposentado”, complementou – o último crédito dele foi em 2014, por ‘O Abutre’. Enquanto falava, Steve seguia mexendo em suas coisas. Curtia, despretensiosamente, uma gostosa pesca em um tranquilo dia de semana.

Confesso que consegui encontrar algo curioso nessa história. Tom Cruise, literalmente, tornou dispensável (e aposentou) o próprio dublê. Não à toa, ‘Top Gun: Maverick’ – continuação do clássico oitentista que acaba de estrear nos cinemas brasileiros – traz o ator mais uma vez fazendo as próprias estripulias. Foi mais um emprego tornado obsoleto nesse mundo moderno, tal qual ascensoristas, telefonistas e leiteiros.

Conversamos mais um pouco. Steve, então, se sentou e tirou algo da bolsa. “Você fuma erva?”, ofereceu. Agradeci e respondi que não. O ex-dublê então foi fumar a sua maconha calmamente enquanto eu segui pelo meu passeio.

Ao menos uma certeza eu tirei daquele dia: ninguém está seguro em sua carreira. Que o diga o dublê do Tom Cruise.

Quer assistir a ‘Top Gun: Ases Indomáveis’ e curtir o trabalho de Cruise – e do Steve? Clique aqui e saiba onde assistir.

‘Top Gun: Maverick’ – sem dublês para Tom Cruise – está nos cinemas. Clique aqui para saber mais e para encontrar o link da compra de ingressos.

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