‘Encarcerados’ escancara dores e desafios das prisões ao redor do Brasil ‘Encarcerados’ escancara dores e desafios das prisões ao redor do Brasil

‘Encarcerados’ escancara dores e desafios das prisões ao redor do Brasil

Documentário inspirado em livro de Drauzio Varella mostra rotina de carcereiros e problemas do sistema prisional

Matheus Mans   |  
25 de agosto de 2021 11:32
- Atualizado em 26 de agosto de 2021 14:44

O que acontece em uma cadeia? Quais dores surgem da convivência entre presos e carcereiros? Tudo funciona bem ou há atritos ao longo do dia? Quais são os cuidados, os medos? Parte dessas perguntas, que surgem naturalmente quando pensamos no sistema prisional, são respondidas em ‘Encarcerados’, documentário que chega aos cinemas nesta quinta, 26.

Dirigido a seis mãos por Fernando Grostein Andrade, Pedro Bial e Claudia Calabi, o longa-metragem é mais um produto que surge a partir do premiado livro ‘Carcereiros’, de Drauzio Varella — além deste documentário, a obra também originou a série ‘Carcereiros’, na TV Globo, e o filme homônimo estrelado por Rodrigo Lombardi, Tony Tornado e Dan Stulbach.

No entanto, pode-se dizer que ‘Encarcerados’ é a produção que mais se aproxima do que pode ser lido no livro de Drauzio. É um mergulho profundo, atual e objetivo, como visto anteriormente no documentário ‘A Gente’, na rotina caótica dos presídios pela ótica dos carcereiros — quase tão presos quanto as pessoas atrás das grades. Algo pouco visto antes.

Filme mostra rotina de presidiários e, acima de tudo, dos carcereiros (Crédito: Divulgação/Gullane)

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Ao longo de pouco mais de 70 minutos, entendemos melhor a vida dos carcereiros, os problemas que enfrentam no trabalho e as limitações. Além disso, entendemos coisas que nem ao menos passam nos jornais, como as limitações impostas por uma facção que age dentro e fora dos presídios de São Paulo ou, ainda, cuidados que o carcereiro precisa ter até em casa.

“[Escrevi] ‘Carcereiros’ pela minha admiração por esses personagens. A sociedade joga essas pessoas lá dentro, por um salário razoavelmente medíocre, para resolver um problema, que é cuidar dessas pessoas indesejadas pela sociedade. Me interessei pelas contradições desse trabalho”, disse Drauzio, em entrevista coletiva. “Me sinto como aqueles que jogam na roleta, acertam de primeira e ganham 36 vezes o que apostaram”.

Desenvolvimento de ‘Carcereiros’

Segundo Drauzio, Bial o procurou para falar sobre a possibilidade do documentário. O médico deu sinal verde e decidiu não interferir no processo. “A direção, a narrativa, a forma como vai ser contada não é mais a de quem escreve. Quem escreve, está preocupado com as palavras e com as imagens criadas através das palavras”, justifica Drauzio.

Depois disso, Fernando, Pedro e Claudia começaram a jornada de conseguir as entrevistas com carcereiros e, ainda, adentrar nas cadeias. Foi toda uma questão de conquistar a confiança desses profissionais, já que eles são desconfiados por natureza — segundo Drauzio, não gostam da imprensa e ficam com um pé atrás para falar sobre rotina e trabalho.

No entanto, os três eram mais do que simples diretores querendo entrar nos presídios. Pedro Bial é jornalista reconhecido, com carreira de destaque. Fernando já tinha alguma relação com esse público por conta de ‘Na Quebrada’. Claudia fez o design de produção da série e filme ‘Carcereiros’. E ainda havia Drauzio Varella chancelando a produção.

“Muitas coisas fizeram a diferença para conquistar a confiança”, conta Claudia. “A gente empenhou a nossa palavra e fomos cuidadosos em todo o processo. Quando o filme estava pronto, mostramos para os agentes mais próximos, perguntamos se os textos estavam coerentes, se feria alguém. Fomos transparentes, deixando as nossas intenções com clareza”.

Para Bial, a experiência foi diferente. “Meu papel como jornalista ficou no bolso. Dirigir documentário é diferente na aproximação, na abordagem. É primordialmente autoral”, diz. “O documentário não quer só informar, como propiciar uma experiência para o público. Essa experiência do confinamento todos nós vivemos, ainda que em outras bases. Aqui, experimentamos um tiquinho do que vivem sentenciados e carcereiros”.

Desenrolar de ‘Encarcerados’

Quem tomou as rédeas para falar sobre os debates que surgem a partir do que é mostrado no filme foi Fernando Grostein Andrade. Diretor do recém-lançado ‘Abe’, o cineasta explorou temas controversos e de base polêmica em ‘Quebrando o Tabu’, sobre maconha. Além, é claro, da potência dramática em ‘Na Quebrada’, sobre a vida das classes baixas.

Agora, o diretor vê uma confluência de temas em ‘Encarcerados’. “Acho que jogar luz nos cantos escuros da sociedade é importante. Conhecimento e informação libertam. É importante que as pessoas entendam o que se passa nos presídios”, diz. “Cadeia não é só punição, é para reabilitar. O Estado precisa gastar mais em educação do que em detenção. Mostramos como não funciona o sistema. Prendem mais do que tem capacidade de prender”.

Encarcerados
Rotina das prisões, e seus limites, é apenas um dos temas tratados no documentário ‘Encarcerados’ (Crédito: Divulgação/Gullane)

Com isso, o diretor volta a cutucar um tema caro para ele: as drogas. “Moro na Califórnia há três anos e, aqui, você tem venda de maconha recreativa e medicinal em qualquer esquina. O tráfico de maconha praticamente desapareceu”, afirma. “A gente precisa largar a mão de ser hipócrita. Se eu, de classe média, for pego com um baseado na rua, vou levar uns tapas e ser liberado. Se for pobre, vai preso. A saída que vejo é legalizar as drogas”.

E será que isso não rende outro documentário, com um foco mais direcionado? Fabiano Gullane, produtor de toda a saga de ‘Carcereiros’, desconversa. “Achamos que esse conjunto cumpre bem a função de falar sobre o tema. A gente explorou tudo de um jeito muito amplo”, diz o sócio-diretor da Gullane. “Todas essas obras se retroalimentam”.

Mas, enquanto isso, Drauzio Varella escreve. Já prometeu um novo livro para 2021, sobre a evolução do sistema de saúde ao longo desses 50 anos em que trabalha com medicina. Vai dar sua visão sobre o que funciona e o que não funciona. Talvez, assim, em breve possamos mergulhar novamente nessa visão privilegiada de Drauzio transformada em cinema.

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