‘O Mal Que Nos Habita’: o terror deve ser “rebelde” e “honesto”, diz o diretor Demián Rugna ‘O Mal Que Nos Habita’: o terror deve ser “rebelde” e “honesto”, diz o diretor Demián Rugna

‘O Mal Que Nos Habita’: o terror deve ser “rebelde” e “honesto”, diz o diretor Demián Rugna

Conversamos com Demián Rugna, diretor do filme de terror argentino ‘O Mal Que Nos Habita’, que causou sensação em todo o mundo

Lalo Ortega   |  
25 de janeiro de 2024 23:26

“Fico feliz por ter te perturbado”, diz o cineasta argentino Demián Rugna com um sorriso tímido de satisfação contida quando confesso que, apesar da minha afinidade diária com filmes de terror, O Mal Que Nos Habita me deixou particularmente impactado.

Não devo estar sozinho na minha apreciação. A produção argentina, que estreia nos cinemas brasileiros em 1 de fevereiro, conquistou o prêmio principal no último Festival de Sitges, tornando-se o primeiro filme de origem latino-americana a realizar essa façanha no prestigiado festival de cinema de gênero.

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Portais internacionais como IndieWire e Variety colocam O Mal Que Nos Habita entre os melhores filmes de terror de 2023. Outros, como Collider e Polygon, a rotulam como a mais “depravada” e “aterrorizante”. Onde já foi lançado, o público parece concordar: O Mal Que Nos Habita é, segundo a rede social Letterboxd, o segundo filme de terror mais bem avaliado do ano pelos usuários.

“Como um cineasta que dedicou sua carreira a fazer filmes de terror e de cinema fantástico, alcançar este ponto é o auge que se pode aspirar em seu próprio país e cinematografia”, conta Rugna em entrevista ao Filmelier. E acrescenta: “Porque se você faz um filme para uma indústria como a dos Estados Unidos, você sabe quais coisas são mais normais e podem acontecer”.

É talvez por essa origem e essa distância das convenções do terror comercial de Hollywood que O Mal Que Nos Habita é tão impactante. É um terror apocalíptico, que não economiza para construir uma atmosfera sufocante de desespero, e que não tem piedade de nenhum de seus personagens.

O Mal Que Nos Habita não é mais outro filme típico de exorcismos

O filme do argentino se passa em uma remota e isolada cidade rural da Argentina. Há uma constante atmosfera de tensão: dois irmãos (Ezequiel Rodríguez e Demián Salomón) encontram um cadáver, e a investigação os leva a uma descoberta desoladora: na casa de alguns vizinhos, há um “encarnado” ou “bichado”, uma pessoa contaminada por um ser maligno que, como um parasita, se alimenta de seu corpo até nascer.

A presença dos grotescos “encarnados” desencadeia uma onda de pânico em uma pequena cidade argentina (Crédito: Paris Filmes)
A presença dos grotescos “encarnados” desencadeia uma onda de pânico em uma pequena cidade argentina (Crédito: Paris Filmes)

São, essencialmente, possessões demoníacas. No entanto, neste mundo, nunca são chamadas assim, muito menos entram em questões como fé ou um deus.

“Busquei fazer um filme de possessão, que não é um filme de exorcismos”, explica Demián Rugna. “Quando pensei nisso, foi matar os exorcistas, matar a religião, e fazer dos exorcistas apenas algumas pessoas, e de uma forma muito complicada. E, ao mesmo tempo, essas possessões não são mentais, mas físicas”.

“Comecei a elaborar a ideia de que o demônio está se incubando dentro de uma pessoa, procurando a maneira de nascer. Queria mudar as regras do jogo do que já conhecemos como possessões demoníacas”, acrescenta o diretor.

O Mal Que Nos Habita se insere assim em um terror universal (histórias de exorcismos foram exploradas desde o contexto mexicano até o indiano), mas Demián Rugna desenvolveu sua história a partir de situações que ele viu na Argentina.

“A história se alimenta de várias observações que tenho ao meu redor como latino-americano e argentino, sobre o que são cidades pulverizadas por pesticidas, sobre o avanço do neofascismo na cabeça das pessoas através dos meios de comunicação”, destaca o cineasta.

Parece que os “encarnados” de O Mal Que Nos Habita são muito contagiosos. O conhecimento de sua presença, por exemplo, desperta primeiro o desprezo do dono das terras onde vivem os irmãos e seus vizinhos. Quando a situação sai de controle, ocorre um pânico generalizado. Será que é o “encarnado” ou é o medo o que realmente é infeccioso?

A pergunta é uma das muitas ideias que o filme semeia na mente do espectador. Rugna não se preocupa tanto em apresentar seu mundo e suas regras “pré-digeridas”, mas sim em prender o público em suas incógnitas e, sobretudo, arrastá-lo para a desesperação através de uma violência que desafia a cada momento.

“Um filme de terror não precisa ser politicamente correto”

Não é à toa dizer que O Mal Que Nos Habita é impiedoso em seus níveis de violência. A questão não diz respeito apenas à sua natureza gráfica (e é preciso coragem para lidar com várias de suas imagens), mas sim às circunstâncias que a originam e quem são suas vítimas.

Sem dar detalhes, digamos que são ultrapassadas linhas com as quais o típico terror comercial de Hollywood costuma ser tímido. E Demián Rugna, mais do que se conter, parecia feliz em esticar os limites do que é representado na tela a cada oportunidade.

Ninguém está realmente seguro em O Mal que nos Habita (Crédito: Paris Filmes)
Ninguém está realmente seguro em O Mal que nos Habita (Crédito: Paris Filmes)

“Em nenhum momento pensei que estávamos indo longe demais. Aqui, certamente, tudo foi mais gráfico e explícito [em comparação com seu filme anterior, Aterrorizados]. Mas me assumo como diretor de filmes de terror, e aqueles que vão ver meus filmes gostam do gênero e não quero decepcioná-los”, explica Rugna.

“Assumo muitos riscos quando proponho isso e quero que o espectador também os assuma ao assistir meus filmes. O que fiz foi o mais honesto como diretor e escritor em relação ao público do gênero”, continua. “Quis ir contra a corrente do que geralmente se vê em filmes comerciais”.

Como dito, um dos aspectos mais surpreendentes de O Mal Que Nos Habita é que ninguém parece estar realmente seguro. Para Demián Rugna, mudando de cadeira para diretor, é uma busca básica como espectador. Segundo ele, o cinema de terror deve ser imprevisível. “E isso é algo em que os filmes de terror, geralmente, falham”, conclui.

É assim que Rugna decide esticar os limites da violência – e de suas vítimas – na tela. “Um filme de terror não precisa ser politicamente correto. Se você vai assistir a um filme de terror, algo não está certo ali. Deve-se ser perturbado. Devemos respeitar certos cânones, mas o terror deve ter uma rebeldia”.

Com O Mal Que Nos Habita, Demián Rugna espera deixar ao público, acima de tudo, uma boa história. “Além das cenas espetaculares e situações emocionantes, o mais importante para mim é que se envolvam do início ao fim e desfrutem do roteiro”, comenta o diretor.

O Mal que Nos Habita estreia em 1 de fevereiro nos cinemas brasileiros. Clique aqui para comprar ingressos.

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