Crítica de ‘La Chimera’: o coração no tempo Crítica de ‘La Chimera’: o coração no tempo

Crítica de ‘La Chimera’: o coração no tempo

Com um belo realismo mágico, Alice Rohrwacher apresenta em ‘La Chimera’ um melancólico relato de amor e perda

Lalo Ortega   |  
23 de abril de 2024 09:20

Dadas suas frequentes fugas para sequências que não se pode afirmar se são lembranças, sonhos ou imaginação – ou um pouco de tudo ao mesmo tempo, por que não? –, pode ser confuso entender o sentido de La Chimera, novo longa-metragem da italiana Alice Rohrwacher (Lazzaro Felice), que chega nos cinemas em 25 de abril.

Uma definição de dicionário nos diz que uma quimera é algo impossível que acreditamos ser possível. Ou, nas palavras da própria Rohrwacher, é algo que queremos alcançar mas que não podemos. Uma ideia que existe em um lugar entre a impossibilidade e a contradição, tão paradoxal quanto inviável.

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Porque La Chimera começa em 1980 com nosso herói, um jovem arqueólogo inglês chamado Arthur (Jack O’Connor, The Crown), que retorna de trem para sua casa na Toscana depois de ter estado longe por um tempo. Parece culto e fascinante para suas companheiras de vagão, mas logo é revelado como um ex-condenado. De repente, ele é um marginalizado.

Não demoramos muito para entender o motivo: Arthur pertencia a um grupo de tombaroli, ladrões que sobrevivem saqueando tumbas etruscas para vender as joias e antiguidades que encontram lá.

A princípio, ele não quer saber mais deles. Só quer ver sua sogra, Flora (Isabella Rossellini, Veludo Azul), a mãe de sua amada Beniamina. É assim que ele conhece a Itália (a brasileira Carol Duarte), a nova cuidadora da idosa, que esconde seus filhos na casa.

Mas mais cedo do que tarde, Arthur volta a se juntar aos cínicos e alegres tombaroli, que estão felizes por tê-lo de volta por seu talento único para localizar tumbas. Embora ele não volte porque se interesse pelas riquezas ou pelo dinheiro (que disso, há bastante em La Chimera). Ele busca uma mítica forma de estar novamente com Beniamina, que já não está mais.

Arthur e o simpático tombaroli de La Chimera (Crédito: Filmes da Mostra)
Arthur e o simpático tombaroli de La Chimera (Crédito: Filmes da Mostra)

La Chimera: tempo, mudança e coração

Por falta de um adjetivo melhor para evitar a óbvia adequação, o mundo que Alice Rohrwacher nos apresenta é quimérico. E sob suas leis, todos os personagens também o são.

A Toscana que nos é apresentada é tão quimérica quanto o ser mitológico que combina leão, cabra e dragão. Arthur e os tombaroli vivem mergulhando em buracos na terra que levam a vestígios de um passado. Recente ou distante? Isso é o de menos: lá fora, a modernidade urbana e implacável esmaga o horizonte, onde coexistem os espaços marginais e populares. O que o tempo consumiu – os mortos, sua arte e os altares para homenageá-los – não é mais que negócio.

Mentes e corações também tendem a vagar no passado. A memória senil de Flora a motiva a perguntar constantemente sobre sua filha: seu lembrança desapareceu, mas sua mente é incapaz de evocá-la.

Arthur consegue fazer isso porque sua conexão com Beniamina, como o fio vermelho do destino, persiste apesar do tempo. É sua âncora ao passado, num tempo que Rohrwacher consegue representar em La Chimera de forma circular, com uma beleza e elegância que Christopher Nolan só poderia sonhar. No coração coexistem passado e presente em onírica e impossível contradição. Mas o cinema torna isso possível.

O passado em La Chimera é sempre distante, fragmentado, indescritível, onírico (Crédito: Filmes da Mostra)

Só o presente nos pertence

As saudades, no entanto, são a mortal e trágica contradição dos personagens de Rohrwacher. Arthur, por exemplo, conhece a Itália (pense no nome da personagem por um momento) e começa a se apaixonar por ela. Seu coração, qual viajante do tempo, está com Beniamina no passado. Seu presente não está com Itália, mas no crime que poderia trazer sua amada de volta, mas que a afastou dela em primeiro lugar.

Com seus enquadramentos pastel, nostálgicos e prolongados – enfatizando o tempo presente –, La Chimera em si mesma existe nesta impossibilidade contraditória. A diretora e roteirista nos confronta com o fato de que, no incontrolável transitar do tempo e no inevitável ciclo de vida e morte, nada perdura e nada nos pertence. Forças fora de controle hão de levar nossas existências como folhas ao vento, e a beleza será matéria efêmera. Ninguém poderá – nem deverá – se apegar a ela, nem pôr-lhe um preço.

A quimérica paradoxa final é que os sonhos e lembranças nos formam, mas deixaram de existir ou ainda não existem. Fios vermelhos para o nada que, ao mesmo tempo, são tudo. Desde que, claro, não nos distraiam de viver no presente.

La Chimera estreia em 25 de abril. Compre seus ingressos para assistir nos cinemas.

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