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Em ‘Luca’, discussão sobre homoafetividade surge nas entrelinhas em trama sobre aceitação
Animação da Pixar, disponível no Disney+, fala sobre a relação de dois meninos-monstros
Matheus Mans | 01/07/2021 às 10:44 - Atualizado em: 04/07/2021 às 12:33
Principal estreia do Disney+ em junho, ‘Luca’ já está no catálogo do streaming há algumas semanas. No entanto, uma discussão específica ainda acontece acerca da história da produção, assinada pelo estreante Enrico Casarosa. O longa-metragem é sobre amizade? Ou será que é uma fábula sobre aceitação com um comentário social sobre sexualidade?
- Leia também: ‘Luca’: o verão de uma criança (monstruosa)
Há espaço para as duas interpretações. Afinal, ‘Luca’ conta a história de um rapaz-monstro que mora no fundo do mar e vê a superfície como algo proibido. Até mesmo errado. No entanto, o assustado Luca acaba descobrindo espaço para ser ele no mundo real quando conhece Alberto, um outro menino-monstro que vive nas sombras e tenta se reencontrar.

Casarosa, que é heterossexual e se inspirou em uma amizade que fez na Riviera Italiana em sua infância, sempre deixa claro em entrevistas que a ideia é falar sobre relacionamentos entre crianças. Amizade pura e simples, sem qualquer contexto amoroso. Afinal, para o cineasta, os dois personagens estão em um momento anterior a qualquer contexto sexual.
“Estávamos bem cientes de que queríamos falar sobre aquela época da vida antes dos namorados e namoradas. Portanto, há uma inocência e um foco na amizade”, diz o cineasta para o site Screen Rant. E será que o filme seria outro com esse contexto? “Sinto que a história seria um pouco diferente, pois é um pouco mais complicada quando o romance chega”.
Luca e Alberto, afinal, nunca demonstram qualquer interesse amoroso. Há apenas sensibilidade, afeto e ciúmes -- algo que, com razão, precisa ser visto como algo existente na relação de dois rapazes, sem necessariamente entrar na discussão amorosa. Meninos e homens, claro, podem ser afetuosos e sensíveis sem, necessariamente, ter qualquer tipo de romance.
Sexualidade em ‘Luca’
Mas essa forte metáfora LGBTQIA+ insiste sempre em aparecer, inclusive em frases, diálogos e roteiros da dupla Jesse Andrews e Mike Jones. Em determinado momento, Alberto diz: “você me tirou da ilha, Luca. Estou bem”. Depois, o pai da simpática Giulia diz: “algumas pessoas nunca vão aceitá-lo, outras vão. E parece que ele sabe encontrar as pessoas certas”.
Isso sem falar das duas idosas, mais no final do filme, que também se revelam monstros marinhos, ali no meio da cidade. Casarosa diz que essa história é sobre “abraçar sua própria diferença, e como uma metáfora para qualquer coisa”. Mas será que é tão simples assim? Será que é fácil adicionar qualquer metáfora sobre diferenças sociais na história de ‘Luca’?
Alexandre Saadeh, psiquiatra e coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Núcleo de Psicologia e Psiquiatria Forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, aponta uma diferença na interpretação básica da produção: ‘Luca’ não é sobre homossexualidade, mas sim sobre homoafetividade.
“Homoafetividade seria mais coerente. É muito comum entre meninos e meninas na pré-puberdade. A figura do ‘melhor amigo’ e ‘melhor amiga’ entra nessa categoria”, diz ele. “Esse aprendizado afetivo é importante para o desempenho na vida adulta. E a animação consegue de maneira sutil, pura e ingênua, como na infância muita coisa é, mostrar isso tudo”.
Importância do tema
Até ‘Luca’, a Disney e a Pixar foram tímidas no retrato da diversidade sexual. Afinal, esbarram em uma resistência da sociedade em misturar a temática da orientação sexual com histórias para crianças. Até o momento, há citações breves de personagens com atração pelo mesmo sexo em filmes como ‘A Bela e a Fera’, ‘Zootopia’, ‘Toy Story 4’. Mas sem destaques.
A primeira produção assumidamente LGBTQIA+ foi o curta ‘Segredos Mágicos’, em que um homem homossexual não sabe como falar para a família sobre sua orientação sexual. Chama a atenção pelo ineditismo do tema em uma produção com a assinatura da Disney, mas que peca em uma história pouco inspirada e que não decolou entre crítica e público.

“Na minha pré-adolescência, comecei a ficar confuso com relação à minha sexualidade. Afinal, comecei a me descobrir como um homem homossexual e não tinha referências”, diz Júlio Ribeiro de Souza, psicólogo e ativista da causa LGBTQIA+. “Acho que é importante um filme como ‘Luca’ mostrar que essa afetividade pode ser algo normal e compreensível”.
Além disso, Alexandre Saadeh destaca a importância da relação de adultos com esses dois jovens. “A relação com os pais e a avó de Luca também nos fornece um tema muito atual que é a busca dos pais em compreender as novas gerações e suas descobertas. É uma animação sensível sem ser piegas e que mostra a realidade dos vínculos que podemos estabelecer”.
Mesmo com Casarosa negando, ‘Luca’ pode ser importante para que crianças, ao contrário do que aconteceu com Júlio, se vejam em histórias de fantasia. Afinal, elas podem nem entender em um primeiro momento o que estão sentindo em seu íntimo. Mas, mesmo assim, podem se sentir representadas e evitar, em algum momento, vergonha de ser quem são.
“Crianças não são telas em branco que vão absorver tudo o que queremos que sejam impregnadas. Elas têm poder de escolha, de afirmação e de dizer verdades sobre elas e sobre o mundo”, explica o psiquiatra ao Filmelier. “O cinema sempre foi e continua sendo uma ‘escola’ de vida, afetos e experiências emocionais. E essa animação é uma preciosidade em tempos de tanto ódio, mortes, exclusão e ignorância”.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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