“É apaixonante. Todo homofóbico tem que ver esse negócio”, diz Seu Jorge sobre ‘Manhãs de Setembro’ “É apaixonante. Todo homofóbico tem que ver esse negócio”, diz Seu Jorge sobre ‘Manhãs de Setembro’

“É apaixonante. Todo homofóbico tem que ver esse negócio”, diz Seu Jorge sobre ‘Manhãs de Setembro’

A série do Prime Video, que estreia a segunda temporada nesta sexta-feira (23), retratada aqueles que criam relações de amor e afeto enquanto lutam para sobreviver

23 de setembro de 2022 15:27
- Atualizado em 24 de setembro de 2022 15:03

É noite. Duas amigas – Cassandra (Liniker) e Leide (Karine Teles) – vão até a loja de conveniência de um posto de gasolina no interior do Paraná, onde compram algumas bebidas. Lá, são abordadas por um antigo colega de escola de Cassandra, de antes da transição de gênero, chamado Carluxo. Acontece, então, uma grande violência verbal, daquelas que machuca tanto a protagonista quanto o espectador – e, por isso, não será reproduzida aqui. Irritadas, elas xingam, jogam cerveja no agressor e partem, de carro, acelerando para deixar todo aquele ódio para trás.

A cena descrita no parágrafo anterior é uma das mais fortes (e chocantes) da segunda temporada da série brasileira ‘Manhãs de Setembro’, que estreia nesta sexta (23) no Prime Video. Estrelada por Liniker, a produção usa o dia a dia de uma mulher trans na São Paulo atual para não só apresentar a miríade de acontecimentos e sentimentos no cotidiano dessa grande cidade, mas também para dar voz e rosto para essas populações que lutam para sobreviver – e mostrar que há, sim, afeto.

Se na primeira temporada (lançada em 2021) Cassandra ia em busca da liberdade com a qual havia sonhado toda a vida, até ser abordada por um filho pré-adolescente que não sabia que existia, esta segunda se aprofunda na criação dessas relações de carinho. Mais do que isso: revela que a família é sim a base da sociedade. Não aquela de “comercial de margarina”, mas daquela família possível, criada a partir de laços que vão além dos de sangue.

Manhãs de Setembro: Quando finalmente havia encontrado a liberdade de ser quem é, Cassandra descobre que é a mãe de Gersinho (crédito: divulgação / Amazon Studios)
Quando finalmente havia encontrado a liberdade de ser quem é, Cassandra descobre que é a mãe de Gersinho (crédito: divulgação / Amazon Studios)

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“A Cassandra parte de um ponto de vista que se diz impossível, se tratando de uma mulher trans e de toda a violência que a gente enfrenta no nosso dia a dia apenas para tentar existir”, conta Liniker, em entrevista coletiva. “Aí quando vem o ‘plus’ de um filho procurando pelo pai e encontrando uma mãe, eu acho que é onde o negócio se transforma.” 

“É o grande dilema dessa série: a independência da Cassandra ao mesmo tempo do reconhecimento dessa criança que chega, com o reconhecimento da Cassandra criança que foi abandonada pela mãe, que foi criada pelo pai e que precisou sair para se encontrar”, continua a atriz e cantora.

Sombras do passado

Extremamente urbana em seu primeiro ano, a nova fase abre com Cassandra, Leide e o filho delas, Gersinho (Gustavo Coelho), presas em uma estradinha no interior do Paraná. Nesse momento, elas precisam recorrer ao pai da personagem de Liniker, Lourenço (Seu Jorge), para conseguir voltar para casa. Cassandra, dessa forma, tem que lidar novamente com tudo aquilo que deixou para trás.

“A chegada do Seu Jorge traz uma tensão interessante, no ponto de vista das personagens que estão ali no movimento de viajar com o Gersinho e, de repente, esse encontro com o pai. Pra mim, enquanto atriz, trabalhar com os dois foi muito bonito”, explica Liniker.

Uma das cenas mais bonitas da temporada é quanto Lourenço (Seu Jorge) e Cassandra (Liniker), pai e filha, se unem pelo amor à música (crédito: divulgação / Amazon Studios)
Uma das cenas mais bonitas da temporada é quanto Lourenço (Seu Jorge) e Cassandra (Liniker), pai e filha, se unem pelo amor à música (crédito: divulgação / Amazon Studios)

É aqui que entra a cena descrita na abertura desse texto. Quando Cassandra, tentando se reerguer em um ambiente que lhe fora hostil no passado, se vê mais uma vez violentada.

“Essa é uma das cenas mais difíceis das duas temporadas, pra mim. E eu sou muito grata de ter a Karine nessa cena, porque a transfobia – para quem não vive, e para o meu corpo, que é atravessado por isso todo dia – é um lugar extremamente violento”.

“Eu sinto a Cassandra
se vingando”

Para Liniker, um agravante na situação, dentro do contexto de ‘Manhãs de Setembro’, é que Cassandra finalmente estava de alguma forma apaziguando a sua relação com o pai e com Leide, ainda que com muito a caminhar nesse sentido. “Sempre quando existe um dia de paz, tem sempre algum transfóbico, ou algum racista, ou algum misógino, que tenta atravessar a nossa estrutura, o nosso eixo”, afirma.

“Eu sinto a Cassandra se vingando um pouco [ao xingar e sair cantando pneu] – e a Liniker também, enquanto vítima de transfobia.”

Um filho, duas mães

A grande dinâmica da série é a relação de Gersinho com as duas mães. De um lado, Leide, a personagem de Karine Teles, é – do jeito dela – uma mãe apaixonada. Porém, o filho tem essa carência e essa necessidade de se conectar com o pai, mas acaba encontrando uma outra mãe.

“Na segunda temporada, o Gersinho quer conquistar a Cassandra mais ainda, usando todos os seus artifícios para isso”, revela Gustavo Coelho. Ele, no entanto, passa a enfrentar um outro problema nessa busca.

“O ciúmes da Cassandra que a Leide começa a sentir no final da primeira temporada dá uma pesada agora na segunda, porque, realmente, a relação da Cassandra com o Gersinho vai se estreitando”, explica Karine. “Mas o Gersinho é a parte mais bonita da Leide, é o melhor que ela tem.”

“Há tanto amor entre os personagens. A Leide pode ser uma maluca, mas tem um compromisso com esse filho, e na busca de fazer as coisas certas, do jeito dela”, aponta Seu Jorge.

Cassandra e Leide (Karine Teles) passam a viver uma "guerra fria" por causa de Gersinho (crédito: divulgação / Amazon Studios)
Cassandra e Leide (Karine Teles) passam a viver uma “guerra fria” por causa de Gersinho (crédito: divulgação / Amazon Studios)

Um amor, aliás, que transborda da ficção para a realidade. “Gustavo é um ator genial, um dos atores mais talentosos com quem eu já trabalhei. Tem uma consciência do trabalho, do ator, da profissão. Maravilhoso”, diz uma Karine Teles com os olhos cheios de orgulho.

“É um texto
maravilhoso”

Já a personagem de Samantha Schmütz, Ruth, chega nesse segundo ano para apaziguar essas relações. Casada com o pai de Cassandra, é ela quem traz esse olhar doce e estende a mão para, aqui e ali, ir ajustando os conflitos entre os protagonistas. É nítida a fascinação dela por essas pessoas que foram em busca de seus sonhos, ainda que com as atribulações da vida, tudo por meio de diálogos bem-escritos.

“É um texto maravilhoso, muito humano, delicado, muito sucinto e profundo ao mesmo tempo”, define Samantha.

Um personagem chamado São Paulo

Em ‘Manhãs de Setembro’, a cidade de São Paulo assume esse posto de “Pasárgada de Concreto”, um lugar onde Cassandra vai para, finalmente, ser ela mesma e encontrar a sua liberdade, mesmo que em um ambiente opressor – seja por sua arquitetura e urbanismo grandiosos, seja pelo fato de ser difícil ter a sua voz ouvida em meio a tanto ruído.

Por meio de sua fotografia, design de produção e direção de arte, a série destaca não só essa dialética, mas também a sua gigantomaquia – ou seja, dessa briga de nós, pretensos gigantes, contra as forças dos deuses, rasgando o horizonte com enormes construções feitas pelo homem.

“A gente sempre quis retratar uma São Paulo que não é vista nos cartões postais. Retratar uma São Paulo bem no centro, superpopulosa, onde tem um grande volume de imigrantes que acabaram de chegar, onde tem uma mistura muito forte e viva de culturas e de pessoas, de gente”, explica Luis Pinheiro, o diretor de ‘Manhãs de Setembro’, em resposta a uma pergunta feita pelo Filmelier.

São Paulo é um importante pano de fundo para a história de 'Manhãs de Setembro' (crédito: divulgação / Amazon Studios)
São Paulo é um importante pano de fundo para a história de ‘Manhãs de Setembro’ (crédito: divulgação / Amazon Studios)

Todos os dias, a cidade – com a maior população da América Latina – recebe pessoas de todo o Brasil e do mundo, todas em busca de seus sonhos e liberdades. Eu, inclusive, sou uma desses que veio de fora e adotou São Paulo como o seu lar, como a página em branco para escrever o nosso destino. São inúmeras as Cassandras em meio a esse mar de gente, pessoas que não quererem seguir sendo ignoradas.

“Desde a primeira temporada a gente retrata essa São Paulo multicultural, multirracial, multigênero, internacional, que tem ali no Centro, e que luta muito para sobreviver”, continua o diretor. “É uma São Paulo que tá aí. Que existe. Que luta para sobreviver. Que merece ser retratada. É uma camada da sociedade, principalmente nesses tempos sombrios que a gente vive, que tem anulada a força e a potência dessas pessoas. Eu acho que, se a gente quiser construir um país, a gente tem que olhar para as potencialidades e pro afeto de camadas, e de diferenças, muito presentes e muito importantes do nosso país.”

“É uma São Paulo
que luta para sobreviver”

Há, no entanto, uma curiosidade, que envolve a magia do audiovisual: cerca de 70% da produção foi rodada fora da cidade, com, em grande parte, o Uruguai servindo como intérprete da capital paulistana.

Quebra de preconceitos

Só que o Brasil é ainda maior que São Paulo – e, para muitos, mesmo aqueles que moram nesse grande centro urbano, é difícil olhar para fora de sua própria bolha. Nesse sentido, ‘Manhãs de Setembro’ transforma a tela (da TV, tablet ou celular) em uma janela para uma outra realidade, que revela um afeto que existe, mesmo que longe de nossos olhos.

“O mundo é diversificado. O ser humano é diversificado. Então tudo que a gente faz, se a gente está retratando com autenticidade o nosso país e a nossa realidade, já vai ser diverso”, diz Malu Miranda, head de Conteúdo Original Brasileiro da Amazon Studios. “A família, hoje em dia, é a família que a gente escolhe. Tem laços de sangue e também a família que a gente escolhe. Essa série é sobre afeto, amor e acolhimento.”

Destaque para a fotografia de 'Manhãs de Setembro', que, por do jogo de sombra e luz neon, traz a noite como reveladora da verdadeira beleza dos personagens (crédito: divulgação / Amazon Studios)
Destaque para a fotografia de ‘Manhãs de Setembro’, que, por do jogo de sombra e luz neon, traz a noite como reveladora da verdadeira beleza dos personagens (crédito: divulgação / Amazon Studios)

Diversas dessas instâncias do termo família são retratadas em ‘Manhãs de Setembro’. Há a das duas mães com o filho; a das amigas que se unem como unha e carne; do casal Ari (Gero Camilo) e Décio (Paulo Miklos), que transborda amor; do pai tentando se reconectar com a filha e com o neto; e do outro pai, Ivaldo (Thomas Aquino), que aceita o fim de seu casamento – e, ainda assim, busca estar presente na vida da filha.

A família, no final das contas, é acolhimento, afeto, compreensão, fraternidade. É o apoio. Amor. Sabe o que não cabe em uma família? Preconceito. LGBTQfobia. Julgamento. Ódio.

“É apaixonante. Todo homofóbico tem que ver esse negócio. Eles tem que ver”, define muito bem Seu Jorge. “Porque a unidade da família é tão forte. Esse tema da nova família, a família que na cabeça dos caretas conservadores é improvável, e ela tá ali, inteira. É muito bonito.”

As duas temporadas de ‘Manhãs de Setembro’ estão disponíveis no Prime Video. Clique aqui para assistir.

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