‘Moonage Daydream’ é um bombardeio audiovisual ao ritmo de David Bowie ‘Moonage Daydream’ é um bombardeio audiovisual ao ritmo de David Bowie

‘Moonage Daydream’ é um bombardeio audiovisual ao ritmo de David Bowie

‘Moonage Daydream’, primeiro documentário sobre David Bowie autorizado por seus herdeiros, é mais uma exploração da essência do artista do que apenas de sua carreira

Lalo Ortega   |  
15 de setembro de 2022 18:11
- Atualizado em 16 de setembro de 2022 17:21

Dirigido pelo documentarista Brett Morgen, ‘Moonage Daydream’ – que estreou nos cinemas brasileiros nesta quinta, 15 de setembro – começa citando David Bowie, que, por sua vez, está citando Nietzsche. O artista refletiu sobre a humanidade do século XX, que havia sido libertada de Deus como bússola moral pela ciência, apenas para permanecer, ao mesmo tempo, desprovida de direção e vazia de propósito.

A ideia de que somos um rebanho sem um pastor e deuses próprios é tão central para o pensamento pós-moderno quanto foi para Bowie. Se não houver propósito, vale tudo: podemos nomear nossos profetas particulares e forjar nossos respectivos destinos. Se algo fica evidente com este documentário, é que as reflexões sobre o assunto foram a espinha dorsal da vida e da obra do artista.

Embora também deva ser dito que a designação de “documentário” é tão pequena para este longa quanto “cantor” é para David Bowie. ‘Moonage Daydream’ excede os padrões de qualquer documentário biográfico convencional ou filme sobre músicos (por mais que também há algo disso aqui).

'Moonage Daydream': o retrato de um homem que era a pós-modernidade
‘Moonage Daydream’ está longe de ser um documentário convencional (Crédito: Divulgação/Universal Pictures)

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O que Morgen oferece é difícil de definir em poucas palavras. Sim, há algo semelhante a um relato mais ou menos cronológico da ascensão, carreira e vida pessoal de seu protagonista. E sim, também há imagens inéditas de seus shows mais icônicos – Morgen teve acesso privilegiado aos arquivos dos herdeiros de Bowie, bem como ao seu catálogo musical – que por si só será um deleite para seus fãs mais fiéis.

Ainda que dizer que Moonage Daydream é “uma experiência audiovisual” seja o mais rude (e indigno) dos lugares-comuns, não seria totalmente errado. Mas uma maneira mais precisa de descrevê-lo seria como uma representação da própria linha de pensamento de Bowie, se ele próprio tivesse retornado do cosmos para nos contar sua história, suas motivações, preocupações e contradições.

Mas, novamente, este também não é um documentário que apenas joga imagens na tela. É algo mais próximo de uma colagem caleidoscópica de músicas, entrevistas, clipes de filmes clássicos como ‘Nosferatu’ ou ‘Metrópolis’, sessões de fotos, pinturas e esboços, shows e imagens pessoais. Tudo girando em coerência por fragmentos de gravações de Bowie, apresentados como algo no meio caminho entre uma narrativa e pensamentos em um vazio cósmico. A experiência pode ser mentalmente desgastante, mas uma vez que o ‘Moonage Daydream’ o agarra, ele não o solta.

'Moonage Daydream': o retrato de um homem que era a pós-modernidade
Em ‘Moonage Daydream’ conhecemos Bowie como homem, músico e artista (Crédito: Divulgação/Universal Pictures)

É, em outras palavras, um bombardeio audiovisual cuja lógica narrativa está longe de qualquer convenção, tão mutável em tom, ritmo e espírito quanto Ziggy Stardust, Aladdin Sane ou simplesmente David Bowie. Um feito de montagem que, curiosamente, não revela nada que os fãs mais apaixonados do artista já não saibam, mas que consegue, possivelmente, seu retrato mais confiável e, portanto, poderoso.

‘Moonage Daydream’ tem algo a dizer sobre Bowie… e sobre nós

“É tudo bobagem e toda bobagem é maravilhosa”, a voz de David Bowie nos diz em um ponto de ‘Moonage Daydream’. Uma paráfrase da verdade pós-moderna libertadora: nada importa, então somos livres para encontrar o propósito que quisermos.

Uma verdade evidentemente abraçada tanto pelo homem quanto pelo artista. Da ascensão e queda de Ziggy Stardust a ‘The Blind Prophet’, ele nunca deixou de se reinventar e se submeter ao julgamento de sua própria curiosidade intelectual (“Isso importa? Isso importa para mim?”, ele se pergunta).

Morgen tem o cuidado de deixar Bowie contar suas origens e inspirações quando jovem, mostrado por seu irmão mais velho as possibilidades que o mundo tinha a oferecer. Um homem mortal, como tantos.

Mortal e susceptível de se contradizer. Morgen aponta sem rodeios que os melhores anos do artista terminaram com Ziggy, e que Bowie chegou perigosamente perto do tédio quando se entregou aos anos 1980 (coincidentemente, essa é a parte mais convencional da filmagem e, portanto, também a mais tediosa).

'Moonage Daydream': o retrato de um homem que era a pós-modernidade
Retrato de um homem que caiu na Terra (Crédito: Divulgação/Universal Pictures)

No entanto, o documentarista também sugere que seu protagonista, por meio de sua arte e sua imagem, ascendeu (ou foi exaltado por nós) para se tornar algo além do mortal. Uma espécie de deus pós-moderno e da mídia, um artista total, a estrela do rock definitiva para preencher esse vazio existencial.

Na cultura popular, é comum se referir, de maneira clichê, a David Bowie como o artista “à frente de seu tempo”, um homem que caiu das estrelas para desafiar o gênero, ou um alienígena que sabia coisas sobre a vida que nós não sabemos. “Ele voltou ao seu planeta natal”, dissemos sobre sua morte em 2016.

Talvez essa nossa idolatria tenha nascido porque Bowie se deixou levar pela vida de uma forma que poucos ousam imitar: abraçando a violenta inevitabilidade da mudança – “Time may change me, but I can’t trace time” (“O tempo pode me mudar, mas não consigo traçar o tempo”, em tradução literal). Bowie era mudança. A direção não importava.

E assim, ‘Moonage Daydream’ se torna mais do que apenas uma celebração de David Bowie e sua música, para se tornar uma homenagem ao artista e seu modo de vida. Talvez ele fosse o deus que nossos tempos precisavam. Louve-o onde quer que o cosmos o leve.

‘Moonage Daydream’ está em cartaz nos cinemas. Se você quiser saber mais sobre o filme ou encontrar o link para comprar ingressos, clique aqui.

Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

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