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‘Morte no Nilo’: O bom filme que evidencia a crise de criatividade em Hollywood
Apesar da vasta obra de Agatha Christie, estúdios insistem em adaptar as mesmas histórias para os cinemas
Uma das maiores escritoras da história, Agatha Christie é a autora de nada menos que 93 livros e 17 peças teatrais – além da vida interessante, até com um sumiço de vários dias, digno de seus romances. Só que toda sua versatilidade não aparece nos cinemas. São sempre as mesmas histórias adaptadas. É assim com o novo ‘Morte no Nilo’, estreia dos cinemas desta quinta-feira, 10.
Dirigido por Kenneth Branagh, o longa-metragem surge como uma espécie de continuação de ‘Assassinato no Expresso do Oriente’, filme que abriu os trabalhos do ator e diretor inglês como o detetive Hercule Poirot. Nesta história, o trem é substituído por um navio que atravessa o rio Nilo, no Egito. Dentro dele, um grupo de pessoas festeja um casamento.
E é no meio dessa celebração que uma mulher é morta. Poirot está lá. Começa assim a investigação. Quem matou? Ou quem mandou matar? São essas perguntas que circulam a mente do espectador e de Poirot. Do outro lado, os suspeitos formados por um elenco de peso: Gal Gadot, Armie Hammer, Tom Bateman, Annette Bening, Russell Brand e por aí vai.
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É um filme divertido, ainda que tenha envelhecido tão mal mesmo antes do lançamento – Hammer, afinal, foi acusado de abuso por uma antiga parceira e Letitia Wright, de ‘Pantera Negra’, ficou conhecida por ser contra a aplicação de vacinas. Ignorando esses fatos, dá para passar um bom tempo no cinema. Só que vem essa dúvida: por que essa história de novo?
Além de ‘Morte no Nilo’
Novamente, Christie escreveu mais de 90 histórias. Dessas, 40 são com o detetive Hercule Poirot. O restante se divide em personagens menos conhecidos da autora, como a simpática Miss Marple (14 histórias), Tommy e Tuppence (cinco histórias), Arthur Hastings (oito histórias) e Superintendente Battle (cinco livros), além de Parker Pyne e Mr. Harley Quin (com um livro cada). Pensando em Poirot, foco de Branagh, várias dessas 40 histórias são celebradas, mas parece que só existe ‘Assassinato no Expresso do Oriente’ e ‘Morte no Nilo’. O primeiro livro ganhou três adaptações: além da de 2017, tem a de Sidney Lumet, de 1974, e o filme de 2001, com Alfred Molina. Já ‘Morte no Nilo’ tem outra versão, de 1978, com Mia Farrow e Peter Ustinov. Isso sem falar que ‘Assassinato no Expresso do Oriente’ e ‘Morte no Nilo’ possuem enredos com semelhanças: os ambientes limitadores ao extremo, que reduzem demais as possibilidades de criminosos – ainda que a resolução do crime passado no trem seja bem mais ousada e criativa. Branagh apostou em histórias que já tinham sido imortalizadas no cinema – ainda que o ‘Morte no Nilo’ de 1978 não seja tão conhecido, Peter Ustinov se tornou um dos principais intérpretes de Poirot. Dentre outros sucessos, há ainda ‘Testemunha de Acusação’, de Billy Wilder, ‘Assassinato num Dia de Sol’ e ‘Encontro Marcado com a Morte’, ambos com Peter Ustinov.
Onde estão as boas adaptações sobre Poirot de histórias como a inaugural ‘O Misterioso Caso de Styles’, o inusitado ‘O Assassinato de Roger Ackroyd’, o querido ‘Os Crimes ABC’? Ou, ainda, o derradeiro ‘Cai o Pano’, o livro mais diferente protagonizado por Poirot, já que é seu último caso? São boas histórias, que dariam bons longas, mas foram deixadas de lado no cinema.
Hollywood em crise
Com isso, é evidenciada a crise que atravessa Hollywood. Uma mente criativa como Agatha Christie, com tantas histórias escritas e inúmeros sucessos nas prateleiras por aí, acabou entrando na roda da mesmice. Primeiramente, em uma época em que histórias com detetives estão em alta, parece não haver vontade para ir além das tramas com Poirot. Miss Marple é uma personagem mais simples e sem muitos atributos, mas que poderia render filmes leves e divertidos, por exemplo, quebrando um pouco a figura do detetive inteligente e bigodudo. Ou até mesmo poderiam apostar em suspenses sem um investigador central, como ‘E Não Sobrou Nenhum…’, o livro mais diferente e original de Agatha Christie. Hollywood não sai mais da caixinha. Os grandes estúdios não ousam, não provocam, não instigam. Até mesmo quando podem adaptar qualquer história da Rainha do Crime, saindo da mesmice, resolvem trazer à telona tramas que já ganharam adaptações definitivas – não duvido nada, cá entre nós, que o próximo de Branagh seria ‘Testemunha de Acusação’. Não faz mal vermos filmes divertidos, leves e sem pretensões nos cinemas, como é o caso de ‘Morte no Nilo’. Mas bate um certo cansaço e desânimo quando vemos que há boas histórias por aí – escritas há quase cem anos, neste caso – e que continuam sem as adaptações que merecem. Agatha Christie tem potencial para mais. Só basta Hollywood sair do marasmo.