Você pode até não ter ouvido falar tanto quanto ‘Marte Um‘ ou ‘Carvão‘, mas o drama nacional ‘Regra 34’ foi uma das produções brasileiras mais premiadas em 2022. Afinal, venceu o prêmio máximo de Locarno, além de outros dois festivais menores. É uma boa trajetória para um filme pequeno, mas que traz algumas discussões espinhosas. No Brasil, está em cartaz nos cinemas brasileiros desde a última quinta-feira, 19. Você pode comprar ingressos do filme aqui.
Dirigido por Júlia Murat (‘Pendular’), o longa-metragem fala sobre a história de Simone, uma estudante de direito penal que defende os direitos das mulheres e, à noite se apresenta em frente a uma câmera de sexo ao vivo. Porém, ela começa a entrar num profundo conflito quando começa a experimentar sadomasoquismo e ir contra suas crenças. Sol Miranda é a protagonista de ‘Regra 34’: entre as violências (Crédito: Imovision)
Essa é, basicamente, toda a tônica do filme. Uma mulher em conflito que, durante o dia, defende as mulheres dos mais diversos tipos de abusos, enquanto entre quatro paredes sente prazer ao sentir a violência em sua pele. É um filme que busca questionar não só a violência contra o corpo da mulher, como também levar um olhar de independência à elas. “‘Regra 34’ começou como um filme de sexualidade, sobre uma mulher descobrindo seus desejos. Quando começo a roteirizar a história, percebo que é muito delicado falar sobre isso, no Brasil, sem contextualizar as consequências do desejo pela violência no corpo dessa mulher”, diz a diretora do filme ao Filmelier. “É complicado falar sobre desejo no corpo da mulher, ainda mais um desejo de violência em um dos países que mais registra violência contra a mulher”.
‘Regra 34’: Entre dois tabus
Com isso, mais do que ser uma história sobre uma mulher com desejo pelo sadomasoquismo, o filme se vale desses conflitos para avançar. Funciona tudo de uma maneira bem similar, o tempo todo: Simone vai para a faculdade, participa de discussões sobre papel da mulher e outras coisas do tipo, depois vai pra casa. Nesse momento, às vezes ela transa com alguém, se apresenta em sites de camgirls ou, então, começa a experimentar o masoquismo.
É, infelizmente, uma história que fica andando em círculos. Vai pra lá e pra cá, sempre seguindo o mesmo caminho de tentar mostrar contradições, mas sempre apostando na mesmice. Acaba se tornando consideravelmente cansativo. Além disso, dá para questionar bastante essa dicotomia: será que realmente é algo a ser considerado, é algo que pode causar esse tipo de reflexão? Acaba caindo no vazio, perdendo um pouco a força da proposta da lógica narrativa. Pelo menos ‘Regra 34’ tem um ponto positivo que não dá pra discutir: a atuação marcante de Sol Miranda. A atriz faz sua estreia nos cinemas com o longa e entrega uma performance que chama a atenção: mergulha e se entrega. “É o meu primeiro projeto. Saí de casa aos 17 anos para ser atriz e ter agora, esse reconhecimento, é uma honra”, diz a protagonista de ‘Regra 34’ ao Filmelier. “A forma como esse filme foi conduzido ressalta a importância desse filme. Vai além do reconhecimento individual, inclusive, mas também como um projeto político. É um produto audiovisual que está falando sobre a potência do audiovisual brasileiro e falamos sobre algo muito maior: as artes brasileiras”.
Lugar de fala
Outro ponto que exige atenção no longa-metragem tem a ver com um termo usado cada vez mais, muitas vezes gratuitamente, mas que aqui faz sentido: lugar de fala. Júlia Murat, como admitiu na coletiva de ‘Regra 34’, é privilegiada. Branca, de classe média, filha de cineasta. O filme, porém, fala sobre o corpo preto no meio de uma situação de violência em que questiona, também, outras questões de violência — algo que diz às mulheres pretas. Como, então, Júlia consegue compreender isso, se despir de preconceitos e dirigir uma história especificamente sobre o tema? “Pela questão da negritude, tive que ter um espaço de aprendizado. Não só com Sol e outra parte do elenco, mas também estudando. Era ler, sentar e entender. O filme é um processo de pensamento a partir de ‘Pendular’, em 2017”, disse Júlia, ao ser questionada sobre isso. “‘Regra 34’ é um espaço de diálogo. Não é um filme preto, tampouco branco. É uma tentativa de diálogo. Por isso não é só elenco negro ou branco. Ele é sobre o encontro de diálogos”.