Crítica: 'Rivais' dialoga sobre a complexidade do sexo e poder

Longa-metragem de Luca Guadagnino é brilhante ao mostrar a complexidade das relações, ainda mais quando trata de poder

Matheus Mans | 23/04/2024 às 15:42 - Atualizado em: 24/04/2024 às 13:03


É ingênuo dizer que um esporte é apenas o desejo pela vitória momentânea. A busca por um ponto também diz muito sobre você – sobre seus anseios, seus medos, suas fraquezas. Até mesmo sobre seus relacionamentos. E é justamente sobre isso que se debruça Rivais, novo longa-metragem de Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome), o mais americano dos cineastas italianos, e que estreia nos cinemas brasileiros já nesta quinta-feira, 25. 

Trabalho de estreia do roteirista Justin Kuritzkes, casado com a diretora Celine Song (Vidas Passadas), o filme começa com uma partida de tênis entre Patrick Zweig (Josh O'Connor) e Art Donaldson (Mike Faist). Em um primeiro momento, pode até parecer que os dois nem se conhecem, mas as reações de Tashi (Zendaya), esposa e treinadora de Patrick, entregam que aquela não é uma simples partida de tênis – tudo ali fala sobre o relacionamento do trio.

Rivais: um filme entrecortado

Para revelar o que há por trás das emoções que envolvem esses três personagens, o texto do filme se vale do recurso de flashbacks o tempo todo: ainda que o porto seguro do espectador seja a partida de tênis com os dois mais velhos, e com Tashi fora de quadra, o longa-metragem vai e vem a toda hora, brincando com a noção temporal do espectador.

Pode parecer relativamente confuso no início, mas rapidamente Rivais encontra sentido dentro desse seu caos temporal. As relações vão se estreitando, se enrolando, se expandindo. Kuritzkes usa o tempo como seu aliado, quase como um protagonista, colocando os personagens que salpicam a narrativa imersos nesse caldeirão em que nada é realmente certo ou exato. Quando as coisas entram em ordem, o filme se agiganta.

Afinal, mais do que falar sobre jogadores de tênis com egos feridos, Rivais é um filme sobre relações de poder. “Tudo nesse mundo é sobre sexo exceto sexo. Sexo é sobre poder”, teria dito Oscar Wilde, autor de O Retrato de Dorian Gray, ainda que sem comprovação de que essa frase é do britânico. Sexo, poder e desejo se misturam com ganância, frustração e estrelato, com esses personagens servindo como marionetes – ora do tempo, ora de Tashi.

Há algo bem marcante aqui de E Sua Mãe Também, filme de Alfonso Cuarón -- os dois são filmes sobre sexo e relacionamento como forma de poder. Muda apenas o cenário da história que, aqui, ganha esse contorno erótico do esporte.

Há erotismo em Rivais, mas a finalidade é sempre para falar de poder -- até nessa já famosa cena acima (Crédito: Warner Bros. Discovery)
Há erotismo em Rivais, mas a finalidade é sempre para falar de poder -- até nessa já famosa cena acima (Crédito: Warner Bros. Discovery)

E enquanto o roteiro brilha, com esses personagens mergulhados na imprevisibilidade temporal, Guadagnino encontra espaço para estilizar a narrativa. A câmera nunca traz aquela passividade de filmes sobre jogos de tênis, como o moroso A Guerra dos Sexos ou o excessivamente emocional King Richard, e aproveita para encontrar possibilidades.

Além disso, o cineasta sobre brincar com o erotismo dos corpos no esporte -- ainda que já tenha falado que não é só isso que o atrai nesse tipo de história. "O erotismo nada tem a ver com a noção de perfeição. E o oposto é verdadeiro: o esporte tem tudo a ver com a busca pela perfeição. Acho que a beleza dos corpos não precisa ser apenas erótica. A beleza dos corpos pode ser humana; pode ser sobre a pura excitação e as possibilidades de movimento", disse Little White Lies.

Por isso, não é exatamente a beleza que encanta o cineasta -- tampouco o público. É a excitação, seja do jogo ou dos relacionamentos.

O sexo e o poder

Em alguns momentos, a visão do espectador é colocada dentro da quadra de tênis. Depois, não precisamos mais ver a bolinha verde-limão rolando pra lá e pra cá – o italiano nos coloca de frente para o público, acompanhando o ir e vir das cabeças. Ainda não satisfeito, Guadagnino volta a ousar quando coloca a câmera como se fosse a própria bola de tênis.

Pode parecer perfumaria, como se fosse algo excessivo sem razão de ser, mas Rivais tem esse charme estético que ajuda a fixar ainda mais as raízes de poder daquela relação tumultuosa que foi construída. A câmera de uma história assim nunca poderia seguir aquele bê-à-bá cansativo. O visual e o ritmo da edição ajudam a marcar a violência das relações.

Zendaya parece até controlar o tempo em Rivais (Crédito: Warner Bros. Discovery)
Zendaya parece até controlar o tempo em Rivais (Crédito: Warner Bros. Discovery)

Por fim, há o elenco – uma marca forte de Luca Guadagnino em seus filmes, depois de extrair boas atuações de Timothée Chalamet (Me Chame pelo Seu Nome), Mia Goth (Suspiria) e até Dakota Johnson (A Bigger Splash). Aqui, o trio Zendaya (Euphoria), O'Connor (Emma.) e Faist (Amor, Sublime Amor) solta faíscas, seja na quadra ou nos gramados, convencendo o espectador que nada em cena é simples de ser resolvido.

Rivais, assim, não só é um dos filmes mais eficazes quando falamos no retrato do tênis nos cinemas, mas também em filmes que falam sobre relações de poder – sem aquelas simplificações políticas que estamos cansados de ver por aí. A explosão final, quando todos os assuntos são colocados em quadra com um último grito, resume tudo que o filme quis dizer: não importa o tempo ou o lugar, tudo é sobre sexo. E sexo será sempre sobre poder.

Rivais estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 25 de abril. Clique aqui para comprar ingressos.

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Matheus Mans
Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

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