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‘Santa Maud’: o debut de Rose Glass, diretora de ‘Love Lies Bleeding’

Desde sua estreia mundial no Festival de Sundance, Love Lies Bleeding: O Amor Sangra tem sido um dos filmes de 2024 que mais geraram comentários e expectativas. É difícil acreditar que se trata de um segundo longa-metragem e que sua diretora, Rose Glass, já havia impactado o público anteriormente com Santa Maud, seu perturbador filme de estreia.

Na superfície, as duas obras não poderiam ser mais distintas, nem parecerem ser da mesma diretora. Mas, como elas próprias demonstram, deixar-se levar pelas aparências é ficar com uma história incompleta.

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Para começar, basta dizer que, em sua estreia no Festival de Toronto de 2019, Santa Maud também impactou o público e gerou expectativa por seu lançamento comercial. E algo mais que ambas têm em comum é que usam elementos de terror para contar histórias sobre mulheres levadas a extremos psicológicos e sexuais, com consequências fatais.

Santa Maud: fé, culpa e doença mental

Love Lies Bleeding: O Amor Sangra não poderia ser mais sobre a expressão física e o desejo se tentasse. No centro estão Lou (Kristen Stewart) e Jackie (Katy O’Brian), mulheres abertamente lésbicas no mundo do fisiculturismo dos Estados Unidos nos anos 80. A carne, o toque, os fluidos estão sempre em destaque. A narrativa e estética de Santa Maud operam em sentido contrário: conduzem a mente para os obscuros terrenos da repressão sexual e sentimental, à sombra da fé fanática e outros problemas mais complexos. O primeiro filme de Rose Glass, segundo ela relata, bebe de fontes tão diversas quanto Bebê de Rosemary de Polanski e Persona de Bergman. É a história de uma jovem mulher devota da fé católica, que agora trabalha como enfermeira particular. Maud, como se faz chamar (interpretada por Morfydd Clark, eventualmente famosa por O Senhor dos Anéis da Prime Video) fica encarregada de Amanda (Jennifer Ehle), uma bailarina lésbica e ateia com câncer terminal.
Fé, culpa e humilhação, alguns dos temas centrais de Santa Maud (Crédito: A24)
Amanda afirma não acreditar na vida após a morte, e se refugia na companhia de sua amante, Carol (Lily Frazer). Maud, por outro lado, acredita sentir Deus em seu próprio corpo e adota como missão pessoal “salvar” a alma da enferma. A enfermeira parece se conectar com Amanda em um nível mais profundo e, justificada por sua fé, pede a Carol para não distrair sua paciente no processo de encontrar seu vínculo com Deus. As coisas, como é de se esperar, não são tão simples. Humilhada e demitida, Maud cai na solidão. Santa Maud nos revela a escuridão de um passado repleto de hedonismo, culpa, violência e instabilidade, que a levam a uma conexão mais profunda com seu Deus. Isso, claro, se é isso que realmente está acontecendo, em primeiro lugar.

De Santa Maud a Love Lies Bleeding: O Amor Sangra: entre a realidade e a subjetividade

Desde seu primeiro longa-metragem, Rose Glass tem demonstrado maestria para levar à tela a percepção subjetiva de seus personagens, borrando as linhas entre a realidade objetiva e a percepção, às vezes com efeitos tanto horríveis quanto irônicos. Sem adiantar detalhes sobre Love Lies Bleeding: O Amor Sangra, basta dizer que Glass não teme romper com o realismo percebido da realidade cinematográfica para entrar no terreno do surrealismo e do terror para trazer à frente a psique de seus personagens.
Rose Glass é especialista em representar a interioridade perturbadora de seus protagonistas (Crédito: A24)
Esta marca autoral também se percebe em Santa Maud. Maud, em sua existência reprimida, experimenta o que para ela são contatos divinos, e que para o espectador podem ser alucinações. Estão acontecendo de fato, ou são produto de sua imaginação? A resposta é o de menos. O primordial é representar o mundo interior de uma mulher reprimida por sua própria culpa, doutrinação e solidão, refletindo-se em um Deus martirizado. Maud pode ser muito diferente de Lou e Jackie, sexualmente liberadas e iracundas, mas compartilha com elas sua marginalidade e busca de controle sobre sua própria vida. Mesmo que seja em termos mal encaminhados, que as conduzam pelo caminho da fatalidade. Está por ver se Rose Glass seguirá as rotas temáticas traçadas por Santa Maud e Love Lies Bleeding: O Amor Sangra em seus futuros filmes. Por enquanto, ela demonstrou uma habilidade incomparável para retratar, nos termos mais viscerais e imaginativos, a interioridade de personagens tão fascinantes quanto repugnantes e imperfeitos.

Santa Maud, da diretora de Love Lies Bleeding: O Amor Sangra, está disponível em streaming. Confira onde assistir online.

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Lalo Ortega

Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.

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Lalo Ortega

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