Em ‘Tempo’, M. Night Shyamalan busca se reconectar às raízes de seu cinema Em ‘Tempo’, M. Night Shyamalan busca se reconectar às raízes de seu cinema

Em ‘Tempo’, M. Night Shyamalan busca se reconectar às raízes de seu cinema

Cineasta resgata temas como espiritualidade e natureza, ainda que apenas com pinceladas, no desenrolar de seu novo longa-metragem

Matheus Mans   |  
29 de julho de 2021 12:09
- Atualizado em 30 de julho de 2021 19:04

Quem passasse em uma banca de jornal em agosto de 2002, nos Estados Unidos, poderia se deparar com uma capa que entraria para a história: a revista Newsweek estampando o cineasta M. Night Shyamalan, com apenas 32 anos na época, e a previsão de que ele seria o “próximo Spielberg”. Uma honraria para qualquer diretor, ainda mais tão novato.

Naquela época, Shyamalan já tinha três sucessos consistentes em seu currículo (‘Sinais’, ‘Corpo Fechado’ e ‘O Sexto Sentido’), além de dois filmes independentes que mostravam o potencial do diretor com orçamentos enxutos (‘Praying with Anger’ e ‘Olhos Abertos’). Nenhum deles chegava perto do que fez ‘Tubarão’, de Steven Spielberg, mas já pavimentaram o caminho.

‘Tempo’, novo filme do cineasta M. Night Shyamalan, fala sobre vida e natureza (Crédito: Divulgação/Universal Pictures)

No entanto, depois disso, muita água rolou. Apesar do sucesso de ‘A Vila’, sua carreira começou rapidamente a decair. ‘A Dama da Água’ foi um fiasco, ainda que seja considerado cult hoje em dia. Mas ‘Fim dos Tempos’, ‘O Último Mestre do Ar’ e ‘Depois da Terra’ colocaram a qualidade de seus filmes em xeque. A Newsweek até fez piadas com a capa de 2002

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Para muitos críticos, o cineasta estava “sumindo” nessas novas produções. “Shyamalan é claramente um diretor contratado aqui”, escreveu Scott Foundas, da Variety, sobre ‘Depois da Terra’. “Em nenhum lugar se observa o talentoso diretor de ‘Sexto Sentido’, que trouxe roteiros intrinsecamente elaborados e prestidigitação cinematográfica para seus filmes”. 

Formação de M. Night Shyamalan

Shyamalan nasceu na Índia, em 6 de agosto de 1970, com o nome de Manoj Nelliattu Shyamalan. Ainda pequeno, porém, mudou-se com os pais para os Estados Unidos e lá se naturalizou norte-americano. Filho de médicos, demonstrou paixão pelo cinema desde que ganhou uma câmera quando tinha oito anos de idade, além de ser fã incondicional de Spielberg.

Na adolescência, começou a fazer filmes caseiros e a desenvolver seu olhar como cineasta — apesar dos protestos do pai, que queria o filho seguindo a carreira de médico. No entanto, com incentivos da mãe, chegou a fazer mais de 45 curtas até os 16 anos. Foi aí que ele entrou na Tisch School of the Arts da Universidade de Nova York para estudar cinema e se formar.

Rapidamente, foi possível encontrar temas e estilos em comum na carreira. Já em ‘Praying with Anger’, filme autobiográfico estrelado pelo próprio Shyamalan, foi possível notar temas como religião, morte e espiritualidade vindo à tona. Depois, isso se intensificou em produções como ‘O Sexto Sentido’, ‘Olhos Abertos’ e, de alguma forma, ‘Sinais’.

Depois, outro tema caro à Shyamalan começou a surgir: a natureza. Até mesmo em filmes que enxergamos pouco do cineasta, como ‘O Último Mestre do Ar’ e ‘Depois da Terra’, é perceptível uma atenção do diretor com meio-ambiente e sustentabilidade. ‘A Dama na Água’ e ‘Fim dos Tempos’ são os que mais tocam nesses assuntos, deixando a discussão à tona.

E é claro: não poderiam faltar as famosas reviravoltas do cineasta. Desde o famoso “eu vejo gente morta” em ‘O Sexto Sentido’, passando pelo choque temporal de ‘A Vila’ e até chegar na participação especial no finalzinho de ‘Fragmentado’. Shyamalan sempre encontra uma maneira de chocar o público, trazendo o fator “uau” com firmeza surpreendente e chocante.

‘Tempo’ e Shyamalan

Depois dessa onda de fracassos de Shyamalan com ‘O Último Mestre do Ar’ e ‘Depois da Terra’, o diretor resolveu baixar a bola e dar um tempo. Ficou dois anos sem lançamento até que, em 2015, apresentou ao mundo ‘A Visita’ — um filme de terror no estilo found footage de narrativa bem simples e com uma reviravolta forçada, mas divertida e bem encaixada.

Cena de Tempo, de M. Night Shyamalan
Família é outro tema importante no desenrolar de ‘Tempo’ (Crédito: Divulgação/Universal Pictures)

Depois, ele emplacou duas sequências (‘Fragmentado’ e ‘Vidro’), algo pouco usual em sua carreira, mas que trouxe de volta sua popularidade.

Agora, ‘Tempo’ tenta resgatar esses elementos que sedimentaram a carreira de Shyamalan. Estreia nos cinemas desta quinta, 29, o longa-metragem mostra uma família presa em uma praia em que o tempo corre mais rápido — anos passam em coisa de minutos. A partir daí, acompanhamos essa família e outras pessoas ali tentando escapar desesperadamente da praia.

É o típico Shyamalan. Fala sobre vida, morte e natureza. Ainda tem uma reviravolta no final. A única coisa que destoa dos “clássicos” do cineasta é o roteiro. Ao invés de ser original de Shyamalan, é apenas adaptado de uma história em quadrinhos (outra paixão do cineasta). Volta, de uma forma ou outra, fantasma de ‘O Último Mestre do Ar’, filme de ‘A Lenda de Aang’.

Veredito de ‘Tempo’

Com opiniões divididas da crítica internacional, ‘Tempo’ é daquelas produções que não se encaixam nem nos grandes filmes de Shyamalan, mas também dificilmente será colocado naquele limpo de ‘Depois da Terra’. Não terá indicações ao Oscar, como ‘O Sexto Sentido’, mas também não deve arrematar a Framboesa de Ouro como foi com ‘A Dama da Água’. 

Afinal, é um filme com uma ideia muito boa — o desespero de estar preso em uma praia que os anos avançam em minutos é palpável. Mas a execução é um tanto quanto sofrível. Os atores, por vezes, parecem deslocados do que está acontecendo na história apesar da qualidade de Gael García Bernal, Vicky Krieps, Alex Wolff e Thomasin McKenzie como protagonistas.

Além disso, falta ritmo e a reviravolta, ponto alto dos filmes do cineasta, é um tanto quanto óbvia. Mas, no final, uma dúvida surge: será que ‘Tempo’ não é uma reflexão mais profunda de Shyamalan? Aos 50 anos, ele não cumpriu a previsão da Newsweek. Não se tornou o novo Spielberg. O tempo passou como num piscar de olhos. Será que não é hora de se reconectar?

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