‘The Humans’: Quando a família vira filme de terror ‘The Humans’: Quando a família vira filme de terror

‘The Humans’: Quando a família vira filme de terror

Adaptado da peça homônima de Stephen Karam, ‘The Humans’ cria uma atmosfera tensa a partir de homens e mulheres quebrados pelos traumas do passado

Lalo Ortega   |  
16 de agosto de 2022 12:22
- Atualizado em 17 de agosto de 2022 18:53

É uma piada comum que as reuniões em família podem se transformar em pesadelo. O motivo: porque é verdade. O que pode começar como uma refeição tranquila com pais, irmãos e filhos pode trazer à tona lembranças e ressentimentos inerentes a outra verdade: que são aqueles que mais te amam que podem te machucar mais.

‘The Humans’, lançado no streaming pela MUBI na última sexta (12), é um filme construído sobre essa máxima, habilmente expresso em ambientes que são uma alegoria da psique de uma família inteira, cujos membros são verdadeiros feixes de amor, esperanças, humor, medos, rancores e arrependimentos.

Adaptado da peça homônima vencedora do Tony Award, escrita e dirigida por Stephen Karam (também fazendo sua estreia no cinema com esta produção), o filme segue a família Blake enquanto eles se reúnem para celebrar o Dia de Ação de Graças.

'The Humans': quando a família vira filme de terror
É tudo risos e diversão… até que os medos começam a aflorar (Crédito: Divulgação/MUBI)

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Brigid (Beanie Feldstein) e seu parceiro, Richard (Steven Yeun), se mudaram para um velho apartamento decadente em Nova York e agora recebem sua família: seu pai, Erik (Richard Jenkins); sua mãe, Deirdre (Jayne Houdyshell); sua irmã, Aimee (Amy Schumer); e a mãe senil de Erik, “Momo” (June Squibb).

O roteiro de Karam se desenrola com diálogos bem naturais, como a conversa que qualquer um de nós pode ter em uma reunião familiar casual. Erik imediatamente desaprova o novo apartamento de sua filha, devido às instalações em ruínas, sua localização tão perto do Marco Zero e o barulho. Brigid só responde com humor: eles estão em Nova York, uma das cidades mais barulhentas do mundo.

À medida que a noite avança, é com esses diálogos que ‘The Humans’ começa a revelar, pouco a pouco, a frustração e a animosidade que estão por baixo. As diferenças de gerações vêm à tona quando os pais questionam a filha do motivo dela dividir um apartamento com seu parceiro sem ao menos se casar, por que ela não mora em um lugar melhor e até mesmo fazem perguntas a respeito da instabilidade do emprego de Richard.

Ao revelar que a razão foi uma crise depressiva, Erik ressalta que “na nossa família não temos esse tipo de depressão”. “Não, só temos muita tristeza estóica”, brinca Aimee, que está lidando com uma separação e uma doença crônica.

Os fatores citados acima apenas arranha a superfície, então não é preciso dizer que cada um dos Blakes está lidando com muitas coisas. É o que os torna relacionáveis: todos eles podem ser pessoas amorosas em um momento e dizer ou fazer algo digno de um verdadeiro idiota no próximo (uma imperfeição encapsulada pelo título sucinto de ‘The Humans’).

É uma economia narrativa importada das raízes teatrais da produção: há um punhado de atores entregando diálogos precisos e reveladores, com apenas um local em praticamente toda a filmagem.

'The Humans': quando a família vira filme de terror
95% da história de ‘The Humans’ se passa no apartamento de Brigid e Richard (Crédito: Divulgação/MUBI)

Quando uma produção teatral é transferida para a tela, ela tende a cair no vício do “teatro filmado”: ​​atores que apenas transitam pelo quadro entregando seus diálogos, seguindo o roteiro da obra original quase ao pé da letra. Essa adaptação consegue evitar quase todos esses problemas (ênfase no “quase”) graças ao seu design de produção e ao uso de seus espaços.

‘The Humans’: apenas teatro filmado?

Em vez de cair no clichê de dizer que “o apartamento de ‘The Humans’ é mais um personagem da história”, diremos que é uma ótima representação visual do estado mental de seus personagens. Karam faz excelente uso de espaços fechados, dilapidados e sufocantes, criando uma atmosfera que, como as próprias paredes do edifício, parece que pode desabar a qualquer momento.

Há uma tensão constante nos diálogos entre os personagens, sugerindo verdades escondidas por trás da fachada, como a umidade se infiltrando impotente nas paredes, inchando-as e distorcendo-as. Karam torna a metáfora um tanto óbvia: enquanto Richard ouve Erik falar sobre seus planos de construir uma casa de verão, Erik fica nervoso, seus olhos desviando para (o que mais?) uma parede úmida e inchada.

‘The Humans’ vêem o apartamento mudar à medida que a noite avança: lâmpadas velhas e outros estragos fazem o seu trabalho, causando ruídos estranhos e deixando os quartos na escuridão total. As composições e movimentos do fotógrafo Lol Crawley (‘O Diabo de Cada Dia‘) aproveitam o claro e o escuro, os pilares, os longos e estreitos corredores, para mostrar as divisões entre seus personagens: estão no mesmo espaço, mas não estão realmente juntos.

'The Humans': quando a família vira filme de terror
Em ‘The Humans’, os espaços se contraem, sufocam e refletem o estado de seus habitantes (Crédito: Divulgação/MUBI)

Essa construção meticulosa da atmosfera é tão tensa que, complementada por choques sonoros repentinos e seus temas cada vez mais sombrios, fazem de ‘The Humans’ um filme que beira o terror. É uma dimensão curiosa para uma história que não tem fantasmas ou monstros no sentido literal (exceto aquele que habita os pesadelos descritos por um personagem), e que nunca chega à violência física.

Isso porque os fantasmas que a família Blake carrega são da mente e do coração: homens e mulheres quebrados pelos traumas do passado e um futuro sombrio. Quebrado pelo espectro da infidelidade. Da insatisfação. Da incerteza econômica, desgosto e do alto custo de dar uma vida digna a um parente senil (“Você não acha que deveria custar menos estar vivo?”, pergunta Erik). Deprimente? Pode ser. De uma verdade inerentemente bela? Também.

Talvez o único grande problema para a estreia de Stephen Karam no cinema seja o ritmo. Às vezes, os diálogos de ‘The Humans’ se estendem tanto quanto os planos que o diretor e o fotógrafo decidem segurar por longos períodos de tempo, sem cortes. Mas este é um filme que premia a paciência, mesmo que a recompensa no final seja uma pesada revelação existencial.

‘The Humans’ está disponível na MUBI. Se você quiser saber mais sobre o filme, assistir ao trailer ou encontrar o link para assistir online, clique aqui.

Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

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