Fim da festa? Streaming se distancia de lançamentos simultâneos com os cinemas Fim da festa? Streaming se distancia de lançamentos simultâneos com os cinemas

Fim da festa? Streaming se distancia de lançamentos simultâneos com os cinemas

WarnerMedia e ViacomCBS já garantiram uma janela de exclusividade de 45 dias para as salas de cinema em 2022, enquanto a Disney parece ir para o mesmo caminho

10 de agosto de 2021 17:30
- Atualizado em 11 de agosto de 2021 14:11

O HBO Max não terá mais, nos Estados Unidos, lançamentos simultâneos com os cinemas em 2022. A informação, divulgada inicialmente no final de julho, foi reafirmada ontem (9) por uma das maiores redes de cinema daquele país, a AMC.

O anúncio revela – ao menos por enquanto – o fim de uma estratégia que foi colocada em prática em meio à pandemia da covid-19 e causou muita polêmica na indústria de cinema.

“Estamos especialmente satisfeitos em anunciar que a Warner Bros. resolveu deixar de lado o lançamento simultâneo [no streaming por assinatura]”, contou Adam Aron, CEO da AMC, em uma conferência com investidores. “Nós estamos com diálogos ativos [para o mesmo tipo de acordo] com todos os grandes estúdios”, garantiu.

Agora, a rede de cinemas terá 45 dias de exclusividade nos filmes do estúdio. De acordo com The Hollywood Reporter, tal acordo foi firmado em março passado.

A estátua do Pernalonga que recepciona os visitantes nos estúdios da Warner Bros., em Burbank, Califórnia (Crédito: Renan Martins Frade)

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Além do negócio com a AMC, a Warner Bros. já garantiu os 45 dias de exclusividade com a Cinemaworld (dona da Regal Cinemas). Ainda que não sejam públicos, outros contratos do tipo já devem estar assinados – e garantem que esses exibidores deem espaço (ou seja, mais salas) para as produções dos Irmãos Warner.

Em troca, esses exibidores ganham uma porcentagem maior da receita, considerando o tempo mais curto de exclusividade.

Tais declarações se somam ao que disse Jason Kilar, CEO da WarnerMedia, na última conferência com investidores da AT&T, grupo do qual a empresa (ainda) faz parte.

No dia 22 de julho, o executivo afirmou que deixariam de lado o lançamento simultâneo, mas que não voltariam ao modelo anterior, de 90 dias de exclusividade nos cinemas. “[Em 2022] Vamos diminuir a janela [dos cinemas] para parte dos nossos lançamentos, para especificamente 45 dias”, disse Kilar – que, em seguida, afirmou que o HBO Max terá dez filmes exclusivos no próximo ano.

Vale ressaltar que Kilar não afirmou que a janela de 45 dias será para o HBO Max ou se o serviço entrará depois de um outro período de exclusividade em plataformas de aluguel ou compra, como Apple TV e Google Play.

É possível, dentro desse novo modelo, que a empresa faça uma estreia ao mesmo tempo dentro dos dois tipos de VOD, o de assinatura e o transacional – como já vem ocorrendo no Brasil.

Enquanto isso, na Disney e na Paramount

Outro bastião do lançamento simultâneo, a Disney também começou a recuar da estratégia. ‘Eternos’, próximo longa da Marvel Studios, não chegará ao Disney+ no mesmo dia que aos cinemas. O estúdio, ainda que seja um subsidiária do grupo, é outro que não estaria contente com a estratégia adotada na pandemia.

No entanto, ainda não sabemos qual será a estratégia adotada pela empresa do Mickey dentro deste novo panorama. Há dúvidas sobre a continuidade do Premier Access (que gerou uma receita de US$ 60 milhões no lançamento de ‘Viúva Negra’, por exemplo) ou qual será o tempo de exclusividade para a tela grande.

A Paramount Pictures, outro grande concorrente – e que nunca investiu no lançamento simultâneo -, garantiu que terá os 45 dias de exclusividade nos cinemas antes da estreia no Paramount+. No entanto, nada está escrito em pedra.

O famoso Bronson Gate da Paramount Pictures em Hollywood – o estúdio é parte da ViacomCBS (Crédito: Renan Martins Frade)

“A situação é um pouco fluída”, disse Bob Bakish, CEO da ViacomCBS, ao revelar o último relatório financeiro do grupo. “É para essa direção [dos 45 dias] que queremos ir com o tempo. Mas temos que olhar para cada título e nesta pandemia e descobrir a melhor estratégia”.

Como chegamos até aqui?

Tudo começou com a pandemia da covid-19, que levou ao fechamento de cinemas em todo o mundo. Para contornar o problema e impulsionar os serviços de streaming por assinatura de seus grupos, Disney e Warner Bros. anunciaram que os longas-metragens de 2020 e, principalmente, 2021 teriam lançamentos simultâneos na tela grande e video on demand.

A grande diferença é que o Disney+ investiu em uma estreia mundial no streaming, em alguns casos por um custo adicional (o Premier Access). Já o HBO Max trouxe a estreia simultânea apenas nos EUA, sem qualquer cobrança além da assinatura mensal.

Quando a medida foi anunciada, ainda em 2020, houve controvérsia quase instantânea. As redes de cinema e os pequenos exibidores ficaram irritados. Afinal, além de fechados, não teriam mais exclusividade dos grandes filmes no momento da reabertura.

Na época, viralizou o vídeo de um dono de cinema destruindo o material de divulgação do filme ‘Mulan’ com um taco de baseball, por exemplo.

Também houve descontentamento dos envolvidos na produção dos longas. O diretor Christopher Nolan foi o primeiro grande nome a levantar a voz contra a atitude da WarnerMedia. O que se fala, no mercado, é que a gigante do entretenimento teve que pagar compensações aos envolvidos nas produções – em alguns casos, maiores até do que o potencial financeiro dos longas.

Mesmo dentro dos próprios grupos a estratégia causou divisão. As subsidiárias da Warner na América Latina, incluindo no Brasil, nunca adotaram o lançamento simultâneo no HBO Max. No nosso país, a janela entre a estreia na tela grande e no streaming está em 35 dias.

Christopher Nolan foi a primeira grande voz contrária aos lançamentos simultâneos (Crédito: divulgação / Warner Bros.)

Mais recentemente foi a vez de Scarlett Johansson entrar com processo contra a Disney, justamente por ver o pagamento que teria direito nos cinemas ser reduzida por conta da estreia simultânea no Premier Access – que continuou garantindo uma boa receita para o estúdio. Há relatos que outros astros, como Emma Stone, também estariam descontentes e estudando a possibilidade de irem à justiça.

Além disso, a disponibilidade no HBO Max ou no Disney+, no dia um, facilitou o caminho da pirataria. Afinal, os filmes em alta resolução ficaram também disponíveis quase que instantaneamente por meios ilegais – atrapalhando as receitas de cinemas, distribuidores, astros, produtores, plataformas…

Isso tudo – somado ao recrudescimento da pandemia nos EUA com a variante delta, nas últimas semanas – fez com que a bilheteria do recente lançamento ‘O Esquadrão Suicida’, da WB, fosse considerado decepcionante.

Para onde vamos?

Depois de 2020 e 2021 conturbados, a evolução da vacinação parece apontar para um 2022 com menos sobressaltos para o mercado tradicional de cinema. Isso, somado à problemas como pirataria, remuneração de produtores executivos e, claro, a pressão dos exibidores, deverá decretar o fim dos lançamentos simultâneos para os grandes filmes, os chamados blockbusters.

Isso, ao menos, no futuro próximo.

A tendência é que os grandes grupos de mídia dividam seus esforços entre filmes-evento para a tela grande e produções exclusivas para as plataformas de assinatura, buscando aumentar o número de membros pagantes nelas.

Porém, o período de 45 dias entre a estreia desses blockbusters e o lançamento em serviços como Paramount+, Disney+ e HBO Max deverá se tornar o padrão mesmo entre esses filmes-evento.

Para os pequenos e médios, claro, a história será outra – e o direto para video on demand ou até mesmo o lançamento simultâneo poderão ser o caminho para muitos.

Cinema da rede AMC ainda aguardando a estreia de ‘Mulher-Maravilha 1984’ – o filme seria novamente adiado para dezembro e lançado no mesmo dia no HBO Max (Crédito: divulgação / Warner Bros.)

Resta saber, agora, se o novo modelo dos estúdios é viável no longo-prazo. Barry Diller, ex-CEO da Paramount e Fox, afirmou ao podcast The Business que acredita que apenas 10% ou 15% das salas de cinema sobrevivam à mudança de paradigma. Quem continuar, na visão dele, será calcado nos filmes-evento e na experiência.

Já o produtor Jason Blum, fundador da Blumhouse (da franquia ‘Atividade Paranormal’), vê um cenário um pouco diferente. Para ele, em outra edição do mesmo podcast, os streamings como a Netflix ainda não conseguiram encontrar um cenário para criar fenômenos culturais sem a ajuda dos cinemas – e que a janela de exclusividade para os grandes filmes na tela grande, ainda que não para todos, pode ser a chave para contornar isso.

A Netflix, vale lembrar, já trouxe alguns longas para as salas de cinema antes de chegarem à plataforma – mas, em casos como os de ‘Roma’ e ‘O Irlandês’, sempre em um pequeno circuito de salas independentes. Falta, justamente, um acordo como o da Warner com a AMC.

Enquanto isso, fenômenos em vídeo totalmente digitais – como lives e vídeos curtos, ou até mesmo longos, em plataformas como YouTube, Twitch, Instagram e Facebook crescem em importância e em fenômeno cultural, tirando tempo de atenção do cinema tradicional. Sem falar nos games, para onde a Netflix está indo.

Mais do que uma briga por exclusividade e dinheiro, está em jogo a própria continuidade do cinema, enquanto “entidade”, e do formato do que conhecemos como filme. Por consequência, é o próprio destino do que convencionamos a chamar de Hollywood que está na balança.

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