Filmes

A mescla de conto de fadas com angústias modernas em ‘What Do We See When We Look at the Sky?’

Lisa (Ani Karseladze) e Giorgi (Giorgi Bochorishvili) se encontram pela primeira vez na rua, por acaso. Vivendo uma versão única de um conto de fadas diferente e moderno, eles se esbarram novamente e se apaixonam. Porém, o destino tinha outros planos. Por conta de alguns eventos inusitados o casal é vítima de um feitiço que faz com que ambos acordem, no dia seguinte, em corpos diferentes e não se reconheçam mais.

Este é o ponto de partida de ‘What Do We See When We Look at the Sky?’, novo lançamento do cineasta Alexandre Koberidze, que chegou na MUBI ontem, 7. Em tradução livre, o título do longa é uma pergunta: “O que vemos quando olhamos para o céu?” – questionamento que martela na cabeça dos telespectadores do início ao fim.

“A ideia e o meu desejo era produzir um filme que contivesse um evento mágico”, afirma Koberidze em entrevista exclusiva ao Filmelier. “Minha intenção era criar um lugar, um tempo e espaço específico em que coisas consideradas impossíveis pudessem acontecer”.

O que vemos quando olhamos para o céu?

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O diretor lembra que, quando criança, era culturalmente comum que as pessoas tivessem que carregar uma pedra de azeviche na mão para se proteger do “mau-olhado”. “Hoje, quase ninguém está fazendo isso – mas eu gostaria de entender o porquê. O mau-olhado não existe mais ou é simplesmente porque ninguém acredita mais nisso?”, questiona. No entanto, ‘What Do We See When We Look at the Sky?’ não é unicamente sobre maldições e mundos mágicos. A figura de linguagem é mais complexa e se estende para uma curiosidade – talvez até universal? – sobre o “inexplicável” e qual o lugar desses fenômenos na vida cotidiana. “A metamorfose do filme para mim não é tanto uma alegoria ou uma metáfora, mas algo que acontece diante dos nossos olhos – tudo o mais é uma questão de interpretação.”
O lançamento do cineasta Alexandre Koberidze estreou na MUBI no dia 7 de janeiro (Crédito: Divulgação/MUBI)

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Gravado e ambientado em Kutaisi, uma das cidades mais antigas da Geórgia, a direção de arte chama atenção pelos momentos bucólicos e naturalistas, com uma paleta que se assemelha em alguns momentos com as cores únicas de ‘O Fabuloso Destino de Amélie Poulain’ (2001), do cineasta Jean-Pierre Jeunet.

“A metamorfose do filme para mim
não é tanto uma alegoria
ou uma metáfora,
mas algo que acontece
diante dos nossos olhos”

A influência da trilha sonora, com bastante sons de harpas e violinos, também auxiliam na criação da atmosfera fantástica. Seja por meio do dia a dia dos personagens, pelas crianças, os jogos de futebol e os cachorros, em ‘What Do We See When We Look at the Sky?’ percebemos a cada cena alguma surpresa que, provavelmente, a sociedade do cansaço não teria tido tempo hábil para notar. “[Durante a produção] éramos motivados pelo que a cidade tinha a oferecer, então rapidamente ficou claro que as crianças teriam um grande papel no filme – e de qualquer maneira, existe algo mais bonito do que filmar crianças? Talvez cachorros! Em tempos desolados como os nossos, a exemplar existência de cães com a sua dedicação, honra e dignidade é um verdadeiro consolo para mim sempre que os nossos caminhos se cruzam. E nos meus filmes sempre procuro para dar-lhes algum espaço em agradecimento.” ‘What Do We See When We Look at the Sky?’ adota uma certa calmaria nas cenas. Em diversos momentos, exibe lindas composições visuais que são deliberadamente lentas e sem cortes na edição, tornando a sonoridade uma grande aliada. “A música foi escrita por meu irmão Giorgi Koberidze. Foi uma longa colaboração, e fomos inspirados por uma série de fontes, desde ‘Tom e Jerry’, onde a música está diretamente ligada aos movimentos dos protagonistas, até as grandes trilhas sonoras onde a música é enorme, como uma ópera”, conta.
Georgi Bochorishvili é um dos protagonistas de ‘What Do We See When We Look at the Sky?’ (Crédito: Divulgaçã/MUBI)

‘What Do We See When We Look at the Sky?’ e os questionamentos da profissão cineasta

Apesar da história inicialmente parecer que vai embriagar-se no clichê dos limites do amor à primeira vista, Koberidze aborda diversos outros temas durante ‘What Do We See When We Look at the Sky?’. Em uma interlocução insistente com o público, o diretor vive em um estado de questionamento permanente e faz perguntas não só sobre o roteiro do próprio filme, mas também sobre a utilidade prática de seu trabalho como cineasta em um mundo tão brutal. “O cinema tem um grande poder de influenciar a maneira como vemos as coisas e cria padrões de comportamento que passam a fazer parte de nosso repertório diário. Para dar um exemplo, eu sou convencido de que a maneira como nos beijamos hoje é derivada do cinema. Tenho certeza que alguém poderia fazer alguma pesquisa empírica interessante sobre isso. E não é emocionante saber quem é o responsável pelos momentos mais bonitos de nossas vidas?”, reflete. Embora a maioria dos questionamentos existenciais não venham acompanhados de respostas, a mensagem que ‘What Do We See When We Look at the Sky?’ deixa é poderosa. Do mesmo jeito que não sabemos exatamente quais serão os desdobramentos do porvir, trazemos conosco o ensinamento das partidas de futebol retratadas no filme: “tudo acontecerá do jeito que tem que acontecer”.

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Laura Ferrazzano

Jornalista cultural e entusiasta das artes. Já fez parte da redação de grandes sites brasileiros como R7 e CARAS digital, além do portal internacional, Her Campus. Foi assistente de redação no Filmelier.

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