“O filme me escolheu”, diz Charlotte Wells sobre ‘Aftersun’ “O filme me escolheu”, diz Charlotte Wells sobre ‘Aftersun’

“O filme me escolheu”, diz Charlotte Wells sobre ‘Aftersun’

Estrelado por Paul Mescal e dirigido por Wells, ‘Aftersun’ é uma mistura de fragmentos de memórias, silêncios, encontros e descobertas

5 de janeiro de 2023 19:00
- Atualizado em 6 de janeiro de 2023 11:29

A temporada de premiações está apenas se aproximando, ainda um pouco distante no horizonte, mas já podemos dizer que um dos queridinhos do cinema independente é ‘Aftersun‘. O filme de estreia da cineasta Charlotte Wells, que rodou os cinemas nos últimos meses e chega nesta sexta-feira, 6, ao catálogo global da MUBI, se mostrou como um daqueles competidores improváveis: é um filme singelo, sem qualquer pirotecnia e focado em falar de sentimentos.

Algo muito distante do que podemos ver em outros possíveis concorrentes da temporada, como ‘Avatar: O Caminho da Água‘, ‘Top Gun: Maverick‘ e até mesmo ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo‘ — um filme independente, mas com muito mais orçamento para queimar. Em ‘Aftersun’, a memória manda na história e, com isso, encontramos um filme que se preocupa em construir a beleza do detalhe. É um filme “para dentro”, como resume Charlotte ao Filmelier.

Cena de Aftersun, com Paul Mescal
Relação de pai e filha é o foco da história de ‘Aftersun’ (Crédito: MUBI’)

Na história, acompanhamos cenas, memórias e fragmentos da viagem de uma garotinha (Frankie Corio) com seu pai (Paul Mescal) durante um verão qualquer. Alegrias e decepções se misturam em cenas que já ficaram marcadas na mente das pessoas — desde a dor do crescimento na sequência do karaokê, passando pela confidência de pai e filha na sinuca e até chegar, é claro, na já clássica cena ao som de ‘Under Pressure’. É difícil, ali, segurar a emoção.

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A seguir, o Filmelier conversou com Charlotte Wells e Paul Mescal sobre a experiência de fazer ‘Aftersun’. Ela falou sobre suas inspirações, desejos e o processo de escrita. Ele, enquanto isso, falou sobre seus “personagens tristes”, sobre o que chamou a atenção no projeto e o desafio de viver um pai nas telonas. Uma conversa completa e que mostra como ‘Aftersun’, mesmo silenciosamente, é um dos filmes mais empolgantes e verdadeiros da temporada.

Confira a entrevista completa com Charlotte Wells e Paul Mescal:

Filmelier: ‘Aftersun’ é seu primeiro longa-metragem, né? O que te fez escolher essa história para começar?

Charlotte Wells: Eu sinto que o filme me escolheu. Não foi uma decisão consciente, não consigo traçar o momento que começou. Estou trabalhando nisso há tanto tempo, e em um determinado momento só ficou claro para mim que era isso. Acho que, de certa forma, é uma continuação de um curta que eu fiz explorando os mesmos temas e articulando um sentimento parecido, que é o luto. E eu suponho que chegando próximo à idade que meus pais tinham quando eu tinha 10-11 anos, eu estava olhando para álbuns antigos e fiquei chocada com o quanto eles pareciam novos e o fato de eu estar me aproximando dessa idade. Parecia o momento perfeito para permitir essa dinâmica, que seria legal retratar isso num filme. Encontrei o momento ideal para explorar essa relação. E a perspectiva de memória é um processo que eu tenho refletido sobre mim e trabalho nesse projeto por tanto tempo. 

Filmelier: Ao fazer um filme, é mais fácil falar sobre suas experiências ou fazer uma ficção?

Charlotte: Acho que depende, têm jeitos diferentes de fazer isso. Acho que você pode escrever pra dentro ou pra fora, sabe? E eu escrevo pra dentro. Eu começo de mim mesma, um sentimento que eu tenho, ou algo que eu experienciei, e eu penso na ficção a partir daí. E eu acho que outras pessoas começam com uma ideia, um setup que as interesse, e trabalham pensando o que pessoalmente tem a dizer e como contribuir com a história. Então acho que existem formas diferentes de escrever. Algumas pessoas ficam muito próximas de suas raízes, enquanto outras preferem se afastar bastante. Cada um é diferente.

Filmelier: Paul, como você entrou no projeto de ‘Aftersun’?

Paul Mescal: Foi algo bem básico. Minha agente leu o roteiro e ficou muito animada. Ela me mandou numa sexta-feira e lemos umas 3-4x durante o final de semana e marcou uma reunião com a Charlotte. Pedi que me deixasse atualizado sobre isso. Nos encontramos, tivemos uma ótima reunião, falamos sobre Calum. O processo todo foi bem rápido, uns 3-4 meses entre nos encontrarmos e estarmos no set pras filmagens. 

‘Aftersun’ é um filme composto por silêncios, encontros, conversas e memórias (Crédito: MUBI)

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Filmelier: Como foi essa experiência de ser um pai no filme?

Paul: É a melhor parte de ser ator. Você pode viver coisas que você não viveria na vida real, ou ainda não viveu. O fato de ele ser um pai é uma coisa, mas a natureza dele como ser humano e como ele é bom em ser pai que me deixou muito interessado, e como não existe um livro de regras para isso, é essencialmente como é fácil para amar outra pessoa, e eu internalizei isso. 

Filmelier: Uma coisa que me chamou a atenção é que o pai é realmente uma boa pessoa. Isso não é tão comum, já que geralmente vemos pais tóxicos nos cinemas. Como foi, pra você, Charlotte, criar a imagem desse pai?

Charlotte: Eu estava interessada em criar um personagem que fosse o melhor em ser um pai, é a coisa que ele faz melhor na vida e é de onde ele consegue sua força e acho que quando ele está com os seus filhos ele é a melhor versão de si mesmo e essa é sua experiência daquele tempo. E acho que tem aquela pressão, conforme as férias vão chegando, de que aquele momento vai acabar e ele vai ter que confrontar a sua vida fora daquela realidade. Mas eu acho que mais frequentemente os pais são retratados como ausentes no cinema e eu estava interessada em fazer o oposto, retratar uma relação que é muito positiva. Eu acho que os dois personagens se espelham um no outro de certa forma e são similares e diferentes, mas essencialmente se fortalecem um com o outro, com essa relação. 

Filmelier: Como foi trabalhar com a Frankie?

Charlotte: Foi muito divertido. Ter uma criança no set é como um curinga, ela trouxe muita energia, teve algumas performances inesperadas e lindas, ela nos energizou muito. E em muitas formas, o set precisava girar em torno dela, para lhe dar espaço para atuar. Ela é muito especial. Ela foi um talento muito especial quando a conhecemos em fevereiro. Era só um caso de dar um espaço para ela executar esse talento em frente às câmeras.

Filmelier: E precisamos falar sobre a cena de ‘Under Pressure’. De onde veio a ideia dessas sequências?

Charlotte: Essas sequências não estavam no esboço original, elas surgiram de um lugar meio místico e acho que de muitas formas representam o meu processo de escrita desse filme e investigando meu próprio passado, na tentativa de ter um maior entendimento de um tempo e de uma pessoa, que foi o meu pai. Foi o aspecto mais orientado pelos sentimentos do filme e acho que as sequências são muito impressionistas e o pai perde a narrativa através delas e você tem a Sofie nadando para chegar até seu pai. Elas são filmadas de uma forma meio abstrata e são totalmente sobre o sentimento. E para funcionarem, precisou de muita edição, encontrar transições no filme óptico, momentos apropriados para entrar esse espaço. E fazer isso sem enjoar/incomodar muito o público. E claro, muita confiança foi depositada em mim de que isso daria certo porque foi muito difícil comunicar como isso aconteceria no filme. 

Filmelier: Paul, o personagem do Calum me lembrou um pouco do Conel, em ‘Normal People’. É um tipo de personagem que você gosta?

Paul: Não é algo consciente, talvez seja algo que me atraia, talvez uma disposição triste. Acho que o que eu senti de diferente em Calum e Conel é quando vemos Conel expressar isso de forma muito clara, podemos ver com clareza. Tem um convite para o vermos. Enquanto que com Calum, o que gosto, tudo o que vemos dele, por exemplo, de costas, ou ele olhando para um espelho, expressando um desgosto de si mesmo. Tem uma oportunidade de achar um jeito diferente de expressar isso. Acho que é um verdadeiro desafio para ver se você consegue verdadeiramente comunicar aquela tristeza através das suas costas e fico muito orgulhoso disso, mas também devo muito isso à Charlotte. 

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