A (ir)relevância de ‘Avatar’ A (ir)relevância de ‘Avatar’

A (ir)relevância de ‘Avatar’

Antes da chegada de sua sequência, ‘Avatar’ retorna aos cinemas 13 anos após a estreia

Lalo Ortega   |  
26 de setembro de 2022 18:16
- Atualizado em 27 de setembro de 2022 20:14

Não é todo dia que um filme recebe uma sequência uma década (ou muito mais, em alguns casos) após seu lançamento original – e menos ainda se for do gênero ficção científica. E isso também não acontece com qualquer filme. Há, por exemplo, ‘Blade Runner: The Final Cut‘, que teve que cultivar seu status de clássico cult por 35 anos antes do lançamento de ‘Blade Runner 2049‘.

De certa forma, podemos dizer que ‘Avatar‘ não é um filme qualquer.

Pelo menos não em termos de números. Estamos falando de um longa com um dos maiores orçamentos de produção do século, até esse momento, que rendeu a maior bilheteria da história em todo o mundo (reivindicando em 2021 o lugar que ‘Vingadores: Ultimato‘ havia tirado dela, após ser relançado na China), com US$ 2,8 bilhões arrecadados antes de 2022. A evidência, portanto, apontaria para um fenômeno de cultura popular de proporções épicas.

Um que, no entanto, é mais lembrado como “Pocahontas com alienígenas”.

Publicidade

Nesse sentido, ‘Avatar’ é um fenômeno curioso. A sua presença é monolítica na história do cinema, indissociável dos recordes de bilheteira e da inovação tecnológica (os primeiros, necessários facilitadores dos segundos). Por outro lado, não há música-tema memorável, nenhuma frase facilmente citada e nenhuma imagem icônica instantânea. Inclusive, é comum fazer piada com o fato de que ninguém se lembra dos nomes de seus protagonistas.

A irrelevância de 'Avatar'
Me diga o nome deles. Vai, eu posso esperar. (Crédito: Divulgação/Disney)

🎞  Quer saber as estreias do streaming e dos cinemas? Clique aqui e confira os novos filmes para assistir!

Mas aqui estamos diante do relançamento do filme, restaurado em 4K para ser exibido novamente em formato 3D com inovadores projetores a laser, tudo como um prelúdio para a chegada de ‘Avatar: O Caminho da Água‘, 13 anos depois de seu antecessor. O filme de James Cameron é um clássico digno dessa euforia toda? Ainda devemos nos importar com ele?

A relevância de ‘Avatar’

O que (ou quem) define o que é um clássico? Em termos um tanto grosseiros, poderíamos dizer que é o que o consenso hegemônico considera valioso por ser atemporalmente relevante, destacado e exemplar entre sua classe.

Um filme, então, pode ser consagrado como um sucesso de bilheteria por critérios estritamente monetários. Mas são os critérios estéticos de sua época que determinarão se voltaremos a ela ao longo do tempo, forjando a permanência que a legitimará como um clássico.

Assim, pode ser conveniente marcar ‘Avatar’ não como um clássico, mas como um avanço tecnológico. Embora sua persistência no imaginário coletivo depois de quebrar as bilheterias mundiais possa ser questionada, não se pode negar que a história do blockbuster do século 21 se divide em antes e depois do filme de James Cameron. Hollywood contemporânea não é compreendida sem ele.

As inovações tecnológicas criadas para esta produção são muitas e complexas demais para serem listadas aqui. Basta dizer que Cameron, sua equipe e a empresa de efeitos visuais de Peter Jackson, Weta Digital, levaram ao limite as possibilidades de cenários de tela verde, animação digital e, acima de tudo, captura de movimento.

Até então, a técnica já era usada em indústrias como a dos videogames, e já tinha um precedente no cinema há muitos anos. Mas ‘Avatar’ o aperfeiçoou. Gollum e Jar Jar Binks caminharam para que seus filhotes azuis pudessem correr (peço perdão pela imagem mental).

Com ‘Avatar’, James Cameron teve em mente, antes de tudo, criar uma sensação de imersão no mundo de Pandora. Vendo o filme em 3D, mesmo 13 anos após seu lançamento original, seu sucesso é inegável. É difícil não se render às imagens de suas ilhas flutuantes ou flora bioluminescente (mesmo que o poder de processamento necessário para criá-las tenha um custo ecológico que faria os Na’vi chorarem). A restauração 4K torna as texturas deste mundo mais palpáveis ​​do que nunca.

E é um fato bem conhecido que Cameron concebeu o filme durante os anos 90, mas esperou até que a tecnologia combinasse com sua visão para avançar com o projeto. É um caso paradigmático de tecnologia a serviço da história e não o contrário, como tantas vezes acontece com o entretenimento preguiçoso de Hollywood.

Mas que história o filme, de fato, nos conta?

A irrelevância de ‘Avatar’

A descrição de “Pocahontas com alienígenas” não é acidental. O filme de Cameron, afinal, segue uma história sobre uma guerra entre nativos e colonos já vista em tantos outros trabalhos.

Em ‘Avatar’, nos é dado entender que a ganância humana esgotou todos os recursos da Terra, então ela procura saciar-se com os de outros mundos. Assim, uma megacorporação envia uma missão à lua de Pandora, com o objetivo de extrair um mineral precioso. No entanto, eles são impedidos pelos moradores Na’vi.

Para interagir com eles, os cientistas desenvolveram réplicas de corpos Na’vi, chamados “avatares”, para os quais os humanos podem transferir suas mentes. Quando seu gêmeo cientista morre antes da missão, o paraplégico ex-fuzileiro naval Jake Sully (Sam Worthington) é escolhido para ocupar o avatar de seu irmão e se infiltrar entre os nativos. É assim que ele conhece Neytiri (Zoe Saldaña), filha do líder da tribo Omaticaya.

Como todos já sabemos, aprender sobre o modo de vida e as crenças dos Na’vi faz com que Jake questione sua missão e seu lado na guerra. É uma história pró-ambientalista, antimilitarista e anticapitalista (com a ironia de que, claro, uma produção desse calibre só é possível com tonelas e toneladas de verdinhas).

Mas, como um filme tão tematicamente semelhante com ‘Dança com Lobos’ e ‘O Último Samurai’, ‘Avatar’ também é uma narrativa que perpetua o complexo do salvador branco (mesmo que, aqui, ele esteja disfarçado de azul). O roteiro nos torna instantaneamente empáticos com ele através de sua deficiência física.

A irrelevância de 'Avatar'
Antes de ‘Avatar’, quantas vezes já vimos a mesma história nas telonas? (Crédito: Divulgação/Disney)

O pouco poder de permanência de ‘Avatar’ pode ser devido, em grande parte, ao fato de ele nos contar aquela história baseada em arquétipos básicos e já bastante usados. Os vilões são mediocremente bidimensionais: temos o militar hiper machista (Stephen Lang) e o empresário inescrupuloso (Giovanni Ribisi). A protagonista feminina, uma vez que Jake provou seu valor, cai perigosamente perto do terreno da “donzela em perigo”.

Em termos de narrativa visual, a produção é correta, eficiente, mas nunca extraordinária sob o trabalho impecável de efeitos visuais. É extremamente emocionante quase do início ao fim, mas tão memorável quanto uma montanha-russa fugaz em um parque de diversões.

Isso significa que ‘Avatar’ é totalmente descartável? Não necessariamente. O calibre do espetáculo visual que proporciona é sempre melhor apreciado na tela grande, reafirmando mais uma vez o poder (e importância) das salas de cinema.

Pode não nos oferecer muito mais do que isso, o que não é algo totalmente negativo. Impressiona mais pela aparência do que pelo que nos diz, mas seu legado tecnológico é indiscutível. A história tem um lugar reservado para os divisores de água, onde ainda lembramos de ‘O Cantor de Jazz’ pelo som, ou de ‘The Toll of the Sea’ pela cor.

‘Avatar’ está em cartaz nos cinemas. Clique para saber mais detalhes, assistir ao trailer e encontrar o link para a compra de ingressos.

Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

Siga o Filmelier no FacebookTwitterInstagram e TikTok.