'Blonde': Verdades e mentiras do filme sobre Marilyn Monroe

O filme da Netflix deixou de fora grandes méritos da carreira da atriz e focou apenas em sofrimento; saiba o que é fato ou fake nessa história

Raíssa Basílio | 30/09/2022 às 19:49 - Atualizado em: 04/10/2022 às 12:34


O novo filme sobre Marilyn Monroe, 'Blonde', chegou à Netflix nesta semana. Pelos trailers, parecia que se tratava de uma cinebiografia, mas, na verdade, o longa é um conglomerado de acontecimentos infelizes na vida da protagonista, interpretada por Ana de Armas. Porém, em meio a tudo isso, o que é verdade ou ficção?

Para responder essa pergunta, temos aqui uma checagem de fatos sobre os principais tópicos abordados em 'Blonde'.

A produção entra naquele limbo de ótimas atrizes em filmes questionáveis. No caso deste, o responsável é Andrew Dominik ('This Much I Know to Be True'). A direção é um dos maiores problemas do longa, mas não é o único, aqui tratamos melhor do assunto.

Ana de Armas como Marilyn Monroe em Blonde (Crédito: Divulgação/Netflix)
Ana de Armas como Marilyn Monroe em 'Blonde' (Crédito: Divulgação/Netflix)

A mãe de Marilyn Monroe era abusiva?

Norma Jeane é filha de Gladys Pearl Baker e nasceu em 1926. Ela nunca conheceu o seu pai. Anos mais tarde, um teste de DNA revelou que ele era um funcionário da Consolidated Film Industries, Charles Stanley Gifford, com quem Gladys teve um relacionamento enquanto trabalhava como cortadora de negativos de filmes.

Durante grande parte da sua jovem vida, Monroe viveu em lares adotivos e orfanatos, depois que a sua mãe foi diagnosticado com esquizofrenia paranoica e internado num hospital. Não existem evidências concretas de que Gladys tenha abusado de Monroe da maneira descrita no filme, incluindo agressão e tentativa de afogamento. No entanto, é verdade que Baker era instável e que o seu relacionamento com Monroe não foi dos melhores.

Um fato que ficou de fora do filme é que quando Marilyn passou um tempo com amigos da família e pais adotivos Grace Goddard e Erwin “Doc” Goddard, ela foi abusada sexualmente. O cinema tornou-se a fuga dela, como ela disse à revista Life em 1962: “Algumas das minhas famílias adotivas costumavam me mandar ao cinema para me tirar de casa, e lá eu ficava sentada o dia e a noite toda”.

Marilyn Monroe passou por diversos abortos?

Sim, é verdade que ela sofreu vários abortos espontâneos e uma gravidez ectópica (quando o embrião começa a se desenvolver fora da cavidade uterina), provavelmente devido à sua endometriose. No entanto, nem todos os retratados nos filmes aconteceram.

Na época em que Monroe era famosa, grandes atrizes que ficavam grávidas eram consideradas um prejuízo para os lucros dos estúdios, portanto existia uma “cláusula de moralidade” em seus contratos. Uma gestação violaria a política do estúdio, o que, por sua vez, fez com que o aborto se tornasse algo praticamente comum em Hollywood.

“No auge das dinâmicas de estúdios de Hollywood, as mulheres eram as mais desejáveis ​​e poderosas – mas isso não lhes dava o direito de escolher quando se tratava de mandar em seus corpos. Os códigos de produção de Hollywood se estendiam à reprodução das mulheres”, relatou uma matéria da Vanity Fair, de 2016, sobre os segredos da indústria cinematográfica.

Como grande parte de 'Blonde', não é nenhum choque que esse fato tenha sido pouco explorado no filme. Já que a principal abordagem do diretor era em objetificar ainda mais a figura de Marilyn Monroe.

Marilyn Monroe teve um relacionamento com dois homens?

No filme, Monroe se envolve em um trisal com Charlie “Cass” Chaplin Jr. e Edward “Eddy” G. Robinson Jr., o grupo se autodenomina “Os Gêmeos”. Embora esses homens existissem no círculo real de amigos de Monroe, o romance visto em 'Blonde' não se assemelha com a realidade, pelo menos, não existem provas disso.

O tal do trisal de Blonde (Crédito: Divulgação/Netflix)
O tal do trisal de 'Blonde' (Crédito: Divulgação/Netflix)

Há rumores de que Chaplin Jr. e Monroe tiveram um envolvendo, isso é discutido no livro 'Goddess: The Secret Lives of Marilyn Monroe' e no próprio livro de Chaplin Jr., 'My Father, Charlie Chaplin', mas não há evidências de que o suposto relacionamento de Monroe com Chaplin Jr. junto com Robinson Jr. - e não existem sequer boatos de um romance de Monroe com ele.

Ela foi abusada pelo marido Joe DiMaggio?

Esse é talvez uma das áreas em que 'Blonde' mais se aproxime da realidade. Há incontáveis evidências de que o segundo marido de Monroe, o astro do baseball Joe DiMaggio, era ciumento e abusivo. Ele não gostava da imagem de sua esposa como um símbolo sexual e queria que ela parasse de trabalhar para se tornar uma dona de casa.

De acordo com o amigo de Monroe, Brad Dexter, ela fez a seguinte declaração: “[DiMaggio] não quer saber dos meus negócios. Ele não quer saber do meu trabalho como atriz, nem que eu veja meus amigos. Ele quer me cortar completamente de tudo relacionado ao meu mundo, os filmes, os amigos e as pessoas criativas que eu conheço".

Quando ela fez as fotos promocionais da famosa cena de 'O Pecado Mora ao Lado', aquela que ela fica em cima de uma grade do metrô, DiMaggio ficou completamente em choque e, poucos meses depois, o casal se divorciou. Esse momento está presente no filme.

E o terceiro marido, Arthur Miller?

Monroe conheceu o famoso dramaturgo e roteirista Arthur Miller no início dos anos 1950, mas seu relacionamento só se tornou sério depois que o divórcio de Monroe de DiMaggio foi finalizado e Miller se separou de sua própria esposa. Na época, ele estava sendo investigado pelo FBI por supostas ligações com o comunismo. Miller era contra a Guerra do Vietnã e um defensor dos direitos civis.

Independente do envolvimento de Miller com o comunismo, que o FBI alegava ter provas, o estúdio que Marilyn trabalhava pediu que ela terminasse seu relacionamento com Miller. Ela se recusou, optando por apoiar Miller (uma ação que “ajudou a mantê-lo fora da prisão”, segundo o The Guardian), e então o FBI abriu um arquivo conta ela também. O casal teve uma cerimônia de casamento judaica e Monroe se converteu ao judaísmo. Miller fez uma declaração na época dizendo que a via “como uma idealista revolucionária”.

Essa relação é apenas pincelada em 'Blonde', um desperdício, pois Adrien Brody ficou ótimo de Arthur Miller. O que é retratado é o fascínio de Miller por Monroe como uma musa.

Marilyn Monroe chamava os homens de “papai”?

Uma das maiores forçações de barra de 'Blonde' é o excesso de retórica, seja nas cenas de nudez ou nas falas que mostram Marilyn inferior aos seus maridos. Talvez essa seja uma das escolhas mais constrangedoras do filme, fazer Monroe chamar todos os homens de sua vida de “papai”, uma alusão direta aos seus problemas com o pai.

No entanto, há um fundo de verdade nisso. Segundo o livro 'Joe DiMaggio: The Hero's Life', Monroe chamou seu primeiro marido, James Dougherty, de "papai", e que DiMaggio assinou suas cartas para Monroe como "Pa". No obituário de Miller, o The Guardian relatou também que Monroe chamava seu terceiro marido de “Papa”. Honestamente, é difícil não pensar o quão problemático é tudo isso.

Ela realmente recebia cartas de um homem se passando por seu pai?

Em 'Blonde', Monroe recebe cartas ao longo de sua vida de seu “pai”, um homem alegando que está acompanhando sua carreira e que eles se vão se encontrar em breve. Eventualmente é revelado que Chaplin Jr. tem escrito essas cartas desde que eles se separaram. Em uma confissão póstuma, ele admite a Monroe que foi tudo uma piada de mau gosto.

Não há evidências de que algo semelhante tenha acontecido na vida real de Marilyn Monroe. Certamente, ela foi atormentada por problemas de abandono – os "daddy issues", problemas paternais – mas o filme trata muito mal esse trauma.

Marilyn Monroe teve um relacionamento com o presidente John F. Kennedy?

Se chamar os homens de “papai” foi particularmente vergonhoso, a cena de John F. Kennedy é o auge do constrangimento de ‘Blonde’. A natureza exata do relacionamento de Monroe e do JFK continua sendo uma polêmica até hoje. Há teorias da conspiração de que a overdose que vitimou a atriz foi orquestrada pela família Kennedy para encobrir seu envolvimento com JFK e seu irmão, Robert. Bom, há boatos também de que a responsável por tal acontecimento teria sido o FBI ou a máfia.

Existem indícios o suficiente para acreditar que Marilyn realmente se envolveu com o então presidente. O documentário ‘O Mistério de Marilyn Monroe: Gravações Inéditas’, por exemplo, fala disso e do possível homicídio da atriz. No entanto, a probabilidade de que esse caso tenha acontecimento de maneira tão humilhante como retratada em ‘Blonde’ pode ser considerada baixa.

O biógrafo Donald Spoto escreveu em 'Marilyn Monroe: The Biography' que os dois compartilharam um fim de semana juntos na casa do cantor Bing Crosby, em Palm Springs, em março de 1962, e que Monroe não tinha desejo de continuar o relacionamento. Uma amiga dela, Susan Strasberg, chegou a dizer que “nem em seu pior pesadelo Marilyn gostaria de estar com JFK em uma base permanente. Não havia problema em dormir uma noite com um presidente carismático — e ela adorava o segredo e o drama disso. Mas ele certamente não era o tipo de homem que ela queria para a vida, e ela foi muito clara para nós sobre isso.”

A atriz era viciada em remédios?

Isso é verdade. Durante o decorrer de sua carreira, Marilyn tornou-se viciada em medicamentos prescritos, que muitas vezes tomava com álcool. Ela lutou contra várias doenças, incluindo insônia, ansiedade, endometriose, cálculos biliares e depressão, e teve várias overdoses em sua vida, incluindo a overdose final que a levou à morte.

 Adrien Brody como Arthur Miller e Ana de Armas como Marilyn Monroe em 'Blonde' (Crédito: Divulgação/Netflix)
Adrien Brody como Arthur Miller e Ana de Armas como Marilyn Monroe em 'Blonde' (Crédito: Divulgação/Netflix)

Como Marilyn Monroe morreu?

Em 5 de agosto de 1962, Marilyn Monroe foi encontrada inconsciente em seu quarto em Brentwood, Los Angeles. Ela tinha 36 anos, estava com a mão estendida em direção ao telefone e havia diversos frascos de remédios vazios ao lado de sua cama. Sua morte foi considerada um provável suicídio devido ao número de drogas em seu corpo.

O que ficou de fora do filme?

Basicamente, só os fatos ruins da vida de Marilyn Monroe entraram em 'Blonde'. Sua impressionante carreira e diversos detalhes de sua vida pessoal ficaram de fora. O filme só mostra seu envolvimento com homens, ainda que o primeiro casamento, com James Dougherty aos 16 anos, tenha ficado fora.

Suas amigas e outras relações com mulheres nem sequer são mostradas. Vemos apenas brevemente o nome de Jane Russell, que estrelou 'Os Homens Preferem as Loiras' com ela. E essa cena é mostra uma certa competição feminina completamente desnecessária.

A produtora fundada por Marilyn, a Marilyn Monroe Productions, Inc., ficou de fora também. Qualquer detalhe que exaltasse a figura da atriz e mostrasse que ela também passou a controlar sua carreira é deixado de lado pelo diretor Andrew Dominik.

Parece que a única intenção da produção é explorar o sofrimento da atriz, dando a entender que ela viveu apenas para satisfazer as figuras masculinas ao seu redor. Claro que ela foi uma vítima, mas resumi-la a isso, é um absurdo.

'Blonde' está disponível na Netflix e aqui você encontra mais detalhes do filme, incluindo link para assistir online e trailer.

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Raíssa Basílio
Raíssa Basílio

Jornalista de cultura e entretenimento. Já passou pelo Papelpop e UOL, escrevendo sobre cinema, música e TV, e também trabalhou com produção na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Foi redatora do Filmelier.

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