‘Blonde’: Netflix converte o mito Marilyn Monroe em mercadoria ‘Blonde’: Netflix converte o mito Marilyn Monroe em mercadoria

‘Blonde’: Netflix converte o mito Marilyn Monroe em mercadoria

Dirigido por Andrew Dominik, ‘Blonde’ é pouco mais que um produto que tem prazer em explorar a lenda de sua protagonista

Lalo Ortega   |  
29 de setembro de 2022 19:11
- Atualizado em 3 de outubro de 2022 10:01

A maioria de nós, provavelmente, teve o primeiro contato com Marilyn Monroe fora de seus filmes. Muitos de nós a conhecemos pelas infindáveis ​​referências a ela em outros longas-metragens, por meio de paródias ou imitações, ou por aquela maldição da pop art com que Andy Warhol condenou o rosto da atriz a ser replicado incessantemente em camisetas, canecas ou outros produtos, desprovidos de seu significado ou identidade. ‘Blonde’, que chegou à Netflix ontem, 28 de setembro, é mais um desses produtos.

Porque, infelizmente, a atriz, seu nome e rosto estiveram entre os mais mitificados do século XX, acabando por se tornar algo preso no limbo entre o martírio e a mercadoria. Sua história, desde sua infância difícil até seus trágicos últimos anos; ela foi retomada e revisada repetidamente por inúmeros depoimentos, filmes, séries e livros. Existe uma indústria em torno de Marilyn Monroe, fundada em nome de encontrar “a verdade” sobre quem foi Norma Jeane Baker, a mulher consumida pelo ícone.

Nessa busca, alguns se voltaram para a ficção biográfica, como a romancista Joyce Carol Oates, que escreveu ‘Blonde’, o livro no qual este filme se baseia. Ela disse que via seu romance como seu “Moby Dick, a poderosa imagem galvanizadora sobre a qual um épico pode ser construído, com inúmeros níveis de sentido e significado”.

Blonde é baseado no romance de ficção biográfica escrito por Joyce Carol Oates (Crédito: Netflix)
‘Blonde’ é baseado no romance de ficção biográfica escrito por Joyce Carol Oates (Crédito: Divulgação/Netflix)

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Para o livro de ‘Blonde’, Oates pesquisou os fatos e escritos da própria atriz. “Eu queria escrever sobre como ela deixa de ser Norma Jeane e entra nessa dimensão de ser Marilyn Monroe, onde ela perde seu eu privado”, explica ela em entrevista ao AnOther. “Você pode ser muito famoso, mas muito solitário e não ter uma vida doméstica.”

Surge a questão de por quê escrever algo assim, e se a ficção não acaba distorcendo a verdade de quem era aquela pessoa. ‘Blonde’ nunca aspirou a ser um relato preciso da vida de Monroe. É um romance que emaranha diferentes vozes e perspectivas, às vezes até mesmo contraditórias.

Para que? A intenção do livro de Oates não era apenas mergulhar nas duras verdades do culto às celebridades, mas questionar esse aspecto de nossa cultura. “Ser uma celebridade é como um pesadelo que a maioria das pessoas não tem que suportar”, diz Oates.

Uma obra de arte tem que nos provocar, nos deixar desconfortáveis, nos fazer refletir. Mas é possível questionar sem explorar? A tinta tem se espalhado pela tragédia de Norma Jeane desde que ela se tornou uma obsessão aos olhos do público como Marilyn Monroe, e por décadas após sua morte em 1962. Podemos nos perguntar se Joyce Carol Oates precisava sentar e escrever, em 2000, uma ficção biográfica de 700 páginas sobre a atriz que se transformou em mito para se tornar uma mercadoria.

E é aí que está ‘Blonde’, o filme

Dirigido pelo australiano Andrew Dominik (‘This Much I Know to be True‘), ‘Blonde’ é uma obra que se passa entre o drama biográfico e o terror psicológico, embora haja momentos em que até flerta com o body horror.

Como uma adaptação da página para a tela, o filme de Dominik é cinematicamente correto quando não é ambicioso. O cineasta australiano atinge uma total imersão no estado mental de sua protagonista (interpretada por Ana de Armas, tão magistral quanto corajosa no papel).

Blonde é baseado no romance de ficção biográfica escrito por Joyce Carol Oates (Crédito: Netflix)
Marilyn Monroe volta a viver na pele de Ana de Armas (Crédito: Divulgação/Netflix)

A história de Norma Jeane é a trama de uma mulher submetida: por uma mãe que queria matá-la, por executivos que a abusavam, por um estúdio que a explorava, por amantes que a violavam e, finalmente, por uma figura pública, a de Marilyn Monroe, que acabou consumindo-a dentro e fora das telas de cinema.

Uma existência como uma montanha-russa, algo que ‘Blonde’ expressa com imagens que mudam tão abruptamente entre os doces sonhos da infância e o romance, ao terror mais opressivo dos olhares objetificantes. A filmagem da famosa cena do vestido branco em ‘O Pecado Mora ao Lado‘ é recriada aqui por Dominik como um desfile arrepiante de olhares maliciosos masculinos.

É uma conquista paradoxal, porque se Dominik não consegue se livrar de algo, é, justamente, do olhar masculino. Mesmo lembrando que se trata de uma obra de ficção biográfica, cabe questionar como (e em que medida) é possível representar o sofrimento constante de uma mulher violentada (e mesmo assim, Joyce Carol Oates afirma que “as coisas reais que aconteceram com Marilyn Monroe são muito piores do que qualquer coisa no filme”).

Essa é uma afirmação ousada, considerando que ‘Blonde’ representa episódios de estupro, violência doméstica e abortos forçados com uma falta de sensibilidade cuja intenção parece ser mais explorar a morbidade pelo sofrimento de sua protagonista, do que gerar um mínimo de empatia pela mesma.

Blonde é baseado no romance de ficção biográfica escrito por Joyce Carol Oates (Crédito: Netflix)
Em ‘Blonde’, Andrew Dominik recria momentos como esse – só que com um toque de terror (Crédito: Divulgação/Netflix)

Se a intenção de Oates com o romance era refletir sobre o culto à celebridade e o preço da fama, Dominik consegue, com sua adaptação para a tela, adotar esse mesmo questionamento com um caráter perturbadoramente dantesco. Mas quanto é demais? Alguns traçariam a linha assim que os fetos não nascidos de Marilyn aparecessem na tela, questionando-a por escolher sua carreira em vez da maternidade. Esta não é uma afirmação sarcástica: na verdade é algo que acontece em ‘Blonde’.

Mais do que empatia, Dominik parece partir de um desejo de explorar e julgar, muito mais próximo da difamação. É revelador que o diretor fale de ‘Os Homens Preferem as Loiras‘ como “prostituição romantizada”, como afirmou à revista Sight and Sound.

“Um símbolo sexual se torna uma coisa. Eu odeio ser uma coisa”, disse Marilyn Monroe em sua última entrevista, em 1962.

“Eu li tudo o que há para ler sobre Marilyn Monroe. Conheci pessoas que a conheceram. Tenho feito muita pesquisa. Mas no final, é sobre o livro, e adaptar o livro é realmente adaptar os sentimentos que ele me deu”, explicou Dominik à Sight and Sound. “Eu vejo o filme, de certa forma, como a visão de Joyce de Marilyn, o que na realidade também é a própria Joyce”.

E ele conclui: “Então eu acho que o filme é sobre o significado de Marilyn Monroe. Ou sobre um significado. Ela era um símbolo de alguma coisa. Ela era a Afrodite do século XX, a deusa americana do amor. E ela se matou. O que significa isso?”.

‘Blonde’ está disponível na Netflix. Se você quiser saber mais sobre o filme, assistir ao trailer ou encontrar o link para assistir online, clique aqui.

Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

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