‘Nomadland’: confusão sobre onde assistir é reflexo de “caos” ‘Nomadland’: confusão sobre onde assistir é reflexo de “caos”

‘Nomadland’: confusão sobre onde assistir é reflexo de “caos”

Atraso na vacinação e estratégia errática no streaming impactam no calendário de lançamentos no Brasil – e a situação deve piorar com a retomada dos cinemas nos EUA

Matheus Mans   |  
26 de abril de 2021 11:18
- Atualizado em 4 de maio de 2021 22:30

Em uma decisão que não se vê há mais de duas décadas, o vencedor do Oscar de 2021, ‘Nomadland’, não teve estreia oficial no Brasil antes da cerimônia de premiação. Afinal, as salas de cinemas de São Paulo reabriram apenas um dia antes de 25 de abril, quando a estatueta foi distribuída, e a Disney não tem opções digitais para lançá-lo. Apenas como um quebra-galho, a empresa fez exibições em pré-estreia.

O lançamento oficial na tela grande acontece nesta quinta, dia 28 – isso em meio a uma cenário onde muitos têm medo de ir aos cinemas.

Algo parecido acontece com ‘Bela Vingança’, queridinho de crítica e público, que por aqui foi empurrado para 18 de maio. Afinal, enquanto isso, a filial brasileira da Universal Pictures foi absorvida pelo escritório da Warner Bros. Pictures.

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‘Nomadland’, dirigido por Chloé Zhao, terá sua estreia oficial depois da cerimônia do Oscar (Crédito: Divulgação/20th Century Studios)

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Este é apenas mais um indicativo que a crise de distribuição de filmes no Brasil deve se acentuar ainda mais nos próximos meses, enquanto a importância de plataformas de streaming cresce. Dor de cabeça que ronda o setor desde o ano passado, a situação brasileira fica cada vez mais crítica enquanto a marcha da vacinação aqui não avança como em outros países.

Afinal, nos EUA, já estão vacinando toda a população adulta – cerca de 68% de todas pessoas foram vacinadas. Locais como Nova Zelândia, Austrália e Israel já controlam o impacto da pandemia. Já o Brasil está na marca de 13% da população com pelo menos uma dose da vacina. Mesmo com a reabertura de cinemas nas principais praças do país, há incerteza do tempo em que as portas dos cinemas ficarão abertas.

“De acordo com certas perspectivas, espera-se que grande parte da população adulta no Brasil seja vacinada no final de 2021 ou começo de 2022. É lento demais e corremos riscos de novas ondas”, comenta o infectologista Marcelo Osaka, ao Filmelier. “Com certeza os Estados Unidos, Israel e parte da Europa ficarão mais tranquilos do que o Brasil logo, logo”.

Calendário atrasado

Com isso, cria-se um problema grave, com ‘Nomadland’ sendo apenas a ponta do iceberg. Afinal, os grandes lançamentos serão colocados nas telas estrangeiras, mas adiamentos ainda podem acontecer no Brasil. ‘Viúva Negra’, por exemplo, foi reposicionado para julho de 2021. “Nos EUA, a vacina será ampla. No Brasil, continuaremos com restrições”, diz Osaka.

A Paramount marcou a estreia de ‘Um Lugar Silencioso: Parte II’ quase um mês depois da chegada nos EUA (Crédito: Divulgação/Paramount Pictures)

Um Lugar Silencioso: Parte II’, enquanto isso, está marcado para estrear nos Estados Unidos em 28 de maio. Já a aposta da filial brasileira da Paramount ficou para 17 de junho nos cinemas, três semanas depois. Caso a situação da pandemia não esteja bem resolvida até lá no Brasil, há chances de ter que adiar de novo o filme, ficando para trás no calendário.

“No momento estamos olhando com atenção o quadro da pandemia no Brasil, mas seguindo nossos planos”, disse a Paramount Pictures Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, ressaltando que ‘Top Gun: Maverick’ está com estreia quase simultânea prevista para Estados Unidos e Brasil. Já Disney, Warner Bros. e Sony Pictures não responderam à reportagem.

“O mercado de cinema no Brasil está na corda-bamba”, diz Ricardo Isaias, professor de cinema e especialista em mercado de distribuição. “Lá fora, os grandes estúdios já estão com apostas certeiras e dificilmente vão voltar atrás. Agora, aqui no Brasil, há riscos de fecharmos tudo de novo ou o público não comparecer nas salas. O Brasil pode ficar muito atrás no setor”.

Distribuição independente

Esses problemas não são exclusivos de grandes estúdios. Distribuidores independentes estão com uma fila interminável de títulos para colocar nas salas de cinema e pouco espaço. O Belas Artes, tradicional cinema de rua de São Paulo e que conta com programação recheada de filmes independentes, só deve reabrir as portas quando houver mais certezas.  

André Sturm vai abrir o cinema da Rua da Consolação apenas quando a situação estiver estabilizada (Crédito: Divulgação/Pandora Filmes)

“Nós tomamos a decisão, no último fechamento, de que a gente não vai abrir as portas logo quando pudermos. Estamos em uma situação delicada”, diz André Sturm, responsável pelo Belas e pela distribuidora Pandora. “Nós só vamos reabrir o cinema quando a vacinação tiver avançado de maneira consistente. É mais seguro, mesmo com protocolos”.

A Pandora Filmes, de Sturm, tem conseguido escoar alguns de seus lançamentos no streaming Belas À La Carte, mas o executivo chama a atenção de que essa enxurrada de filmes vai acontecer de qualquer jeito. “Não tem muito como escapar. Todas distribuidoras tinham filmes para todos os meses de 2020”, diz Sturm. “Vai ser uma competição acirrada”.

Ronaldo Bettini, gerente de produtos da A2 Filmes, destaca a importância dessas empresas manterem a qualidade dos lançamentos para chamar público e buscar espaços. “O momento do filme médio já era muito difícil antes da pandemia. Nosso trabalho sempre foi achar o circuito alternativo”, afirma ele. “O importante é mantermos a qualidade dos nossos produtos”.

Crescimento do streaming

Com isso, percebe-se novamente a importância dessas distribuidoras, e até de cinemas, terem estratégias digitais. ‘Nomadland’ não ficará disponível para o público brasileiro após a Disney tirar todos seus filmes dos canais de aluguel e compra de filmes. O Disney+ não seria considerado o caminho adequado para o lançamento no nosso país, já que é familiar. E o Star+ ficou apenas para junho.

Nos EUA, ‘Nomadland’ foi lançado simultaneamente nos cinemas e na plataforma de streaming Hulu, que não temos por aqui. Foi uma forma de ampliar o público do filme, que também sofreu com a crise em seu país natal: foi a menor bilheteria doméstica de um longa vencedor da categoria de Melhor Filme do Oscar.

Assim como 'Nomadland' não estrou a tempo para o Oscar, excesso de filmes podem atolar o calendário brasileiro de cinemas
Star+ é a opção da Disney para lançar filmes para um público mais maduro (Crédito: Divulgação/Disney)

“Este é o momento que, para não afogar as operações, todas distribuidoras deveriam ter saídas em streaming no mundo todo, com especial atenção para Brasil, Índia e outros países atrasados na vacinação. No entanto, algumas empresas ainda não encontraram essas opções com facilidade. Ao invés de criar serviços, talvez investir em novas parcerias”, diz Isaias.

Vale lembrar que a Warner Bros. Pictures, por exemplo, ainda não tem o HBO Max em terras tupiniquins. No entanto, mesmo assim, colocou ‘Liga da Justiça de Zack Snyder’ nas plataformas de TVOD (aquelas de aluguel ou compra) por tempo limitado, para quem quisesse comprar ou alugar filmes antes da chegada dessa nova plataforma. A Paramount, enquanto isso, vendeu filmes à Netflix.

O caminho foi parecido com o de outros indicados ao Oscar que sofreram com a crise gerada pela pandemia. ‘Druk: Mais Uma Rodada‘, vencedor na categoria Melhor Filme Internacional, foi disponibilizado para compra online no NOW, Apple TV/iTunes, Google Play e YouTube no dia em que teria sido lançado nos cinemas. O mesmo aconteceu com ‘Meu Pai‘, que ficou com duas estatuetas.

Ronaldo Bettini, da A2, destaca que uma estratégia digital madura para a empresa foi crucial para passar pela pandemia. “O que nos deixa um pouco mais confortável como distribuidora é que temos um modelo sólido no digital, um catálogo grande de produtos, lançamentos semanais contínuos e todos os direitos para serem explorados”, explica o executivo.

Agora, por fim, chega a vez da Imovision intensificar sua presença no digital com o lançamento da plataforma de streaming Reserva Imovision. “Vamos ter um filme novo por semana, uma série nova por mês”, conta Jean-Thomas Bernardini, da Reserva e Imovision. “Estamos estudando o que fazer com filmes de catálogo da Imovision. Mas não podemos esquecer das salas. Não podemos ficar sem filmes. Afinal, o público de cinema e da plataforma precisam ser considerados diferentes e complementares”.

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