Cinemas ainda devem enfrentar incertezas em 2021 Cinemas ainda devem enfrentar incertezas em 2021

Cinemas ainda devem enfrentar incertezas em 2021

Crescimento do streaming, incertezas sobre vacina e desunião do mercado podem atrapalhar a retomada em 2021, que ainda se mostra difícil para o setor de cinemas

Matheus Mans   |  
12 de novembro de 2020 15:40
- Atualizado em 17 de novembro de 2020 10:31

Após uma montanha-russa de emoções em 2020 por conta da pandemia do novo coronavírus, os cinemas ainda precisam enfrentar projeções recheadas de incertezas para 2021. É isso que apontam especialistas ouvidos pelo Filmelier. Eles indicam que, mesmo de portas abertas, exibidores não encontraram o mesmo cenário de antes da pandemia. 

Afinal, regras de governos impedem que as salas de projeção fiquem lotadas, sendo necessário respeitar uma distância entre os espectadores. Sem esses cuidados, há riscos de contaminação. Além disso, a maioria dos exibidores desistiu de lançar grandes filmes até o final do ano — por enquanto, só ‘Mulher-Maravilha 1984’ está no horizonte, em dezembro. 

‘Mulher-Maravilha 1984’ é o único grande lançamento no circuito até o final de 2020 (Crédito: Divulgação/Warner Bros.)

“É uma situação de calamidade pública. Não só pro cinema, para todos nós. Mas nós temos que lembrar que o cinema é muito frágil e está vivendo um momento de estresse”, destaca Paulo Sérgio Almeida, diretor do portal Filme B, especializado em análises de mercado de exibidores, ao Filmelier. “Nós vamos ter um 2021 com pouquíssimas coisas pra se comemorar”.

Vacina e o calendário dos cinemas

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Primeiramente, para 2021, há um ponto crucial para os cinemas: a vacina contra o novo coronavírus. Sem ela, cinemas não poderão retomar a capacidade máxima de suas salas e, provavelmente, parte do público continuará com receio de ficar trancado em uma sala, com dezenas de desconhecidos e ar condicionado, correndo algum risco de contaminação.

Além disso, exibidores pela primeira vez precisam lidar com a mentalidade das pessoas. “Vai ter uma demora de retomada pois dependemos de vários elementos”, diz Adhemar Oliveira, programador de cinemas como Cinesala e Espaço Itaú. “É preciso ter vacinação, as pessoas precisam estar confortáveis, a distribuição de filmes precisa se reorganizar. Complicado”.

‘Tenet’ é o filme que puxa a recuperação na reabertura dos cinemas em 2020 (Crédito: Divulgação/Warner Bros.)

Sobre essa reorganização de filmes citada por Adhemar, há uma preocupação generalizada do setor com a falta de longas-metragens de grande apelo. Como citado, depois de ‘Tenet’ e ‘Os Novos Mutantes’, o único outro grande lançamento em 2020 cai na conta de ‘Mulher-Maravilha 1984’, que deve chegar às salas em 25 de dezembro. Ou seja: sem tempo útil para a recuperação de 2020.

Em 2021, há vários títulos aguardados, como ‘Viúva Negra’, ‘007: Sem Tempo para Morrer’, ‘Duna’ e ‘Os Eternos’. No entanto, com tantas incertezas, há um receio de que mais adiamentos sejam feitos para evitar prejuízo por parte dos grandes estúdios.

Bilheterias dos cinemas

Até mesmo os filmes que entraram em cartaz estão tendo um desempenho abaixo do que era visto logo antes da pandemia, ainda que os números sejam considerados positivos pelo mercado. No Brasil, ‘Tenet’ arrecadou R$ 2 milhões com 75 mil espectadores, enquanto ‘Novos Mutantes’ arrecadou R$ 1,3 milhão. Para efeito de comparação, ‘Aves de Rapina’ arrecadou R$10,7 milhões, com 620 mil espectadores no país, no primeiro final de semana.

Em países como Japão e China, a recuperação dos cinemas foi um sucesso por conta da grande presença de produções nacionais. No caso específico da China, em 2020, houve uma arrecadação de US$ 2 bilhões em bilheteria, ultrapassando os EUA como o maior mercado. Muito disso graças à filmes chineses, como o épico de guerra ‘The Eight Hundred’, líder de bilheteria.

‘The Eight Hundred’ se tornou a maior bilheteria global de 2020 (Crédito: Divulgação/CMC Pictures Holdings)

“No Brasil, estamos vendo um efeito contrário”, disse Luiz Gonzaga de Luca, presidente da Cinépolis, em painel da Expocine. “Produtores não estão oferecendo conteúdos para essa reabertura. Houve desorientação em todas linhas de diálogo com governo, produtores e distribuidores. A recuperação deve levar dois ou três anos, pressupondo uma retomada forte agora”.

Streaming

Outro assunto que insiste em surgir nas conversas sobre o futuro do cinema é o crescimento do streaming. Afinal, com a pandemia do novo coronavírus, o consumo deu um salto — de acordo com dados da Kantar Ibope, a audiência do streaming no Brasil cresceu mais de 180% em apenas um ano. Com isso, muitos acreditam que o cinema já é passado.

“Quando o cinema foi criado, não tinha como transmitir o filme de outra forma. Tinha que pegar a câmera dele, colocar o rolinho e chamar o pessoal para assistir. O cinema existiu por uma limitação tecnológica”, diz Omarson Costa, executivo com passagem por grandes empresas do setor de streaming. “Não tem jeito mais. O cinema vai morrer. Vai virar gourmet”.

Consumo de conteúdo audiovisual em casa teve um salto durante a pandemia de coronavírus (Crédito: Divulgação/Netflix)

Já outros chamam a atenção para a necessidade de união no mercado. “2021 será um momento de definições”, diz Fabio Lima, diretor executivo da Sofa Digital, agregadora de conteúdo em video on demand que é publisher do Filmelier. “Cinema e TVOD precisam se unir, encurtando janelas de distribuição. Senão, vai ser o abraço dos afogados”.

Nos Estados Unidos, a rede de cinemas AMC fez uma parceria com a Universal Pictures justamente nesse sentido. As empresas entraram em consenso em reduzir a janela de distribuição para 17 dias nos EUA. Anteriormente, eram 70 dias pra lançar um filme em video on demand. Com isso, filmes do estúdio vão antes pro digital, com divisão de lucros com o cinema.

“Penso que essa tendência deve ser explorada nos EUA entre 2021 e 2022”, diz o pesquisador Waldemar Dalenogare Neto. “No Brasil, precisam tomar uma decisão: antes, com 90 dias de exclusividade, as distribuidoras tinham espaço para negociar datas e buscar menos competição. Com janelas mais curtas, existirá competição direta com a distribuição ilegal. Isso deve entrar para discussão: alinhar o calendário brasileiro com os EUA é viável?”.

Ponto de transformação

A partir disso, acredita-se que 2021 deve ser um ano de transformação. Precisa ser. Afinal, o comportamento dos consumidores mudou drasticamente, consumindo ainda mais conteúdo em casa e com ainda menos condições de arcar com os custos de um cinema. As 3,5 mil salas de exibição espalhadas por aí precisarão expandir de vez as suas fronteiras.

“Os distribuidores vão
virar agentes de venda”

“A exibição física, nos cinemas, dificilmente voltará a ser o que era”, afirma Paulo Sérgio Almeida, do Filme B. “Os distribuidores vão virar agentes de venda, já que não tem lugar para distribuir, só vender. No mercado de exibição, apenas os exibidores-raiz, aqueles menores, vão encontrar espaço. Questiono o futuro de multinacionais em todo mundo e no Brasil”.

Além disso, há cada vez mais serviços de streaming que podem servir como saída. A própria Disney, com seu serviço Disney+, está promovendo esse movimento ao lançar filmes direto no digital, com ‘Mulan’ e ‘Soul’. Os cinemas vão precisar encontrar meios de entrar nessa equação, assim como aconteceu na parceria inesperada entre AMC e a Universal Pictures.

“A expectativa é de que 2021 seja um ano de transição. O espaço para novos adiamentos é mínimo, e as distribuidoras precisam de dinheiro para continuar seus investimentos”, diz Dalenogare. “Na melhor das hipóteses, o primeiro semestre de 2021 ditaria um retorno à normalidade em toda estrutura – desde produção até distribuição – preparando campo para os grandes lançamentos previstos para o restante do ano. Isso depende muito, é claro, da vacina e do tempo hábil de aplicação em cada país”.

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