Com experiência digital, festivais devem ter futuro híbrido Com experiência digital, festivais devem ter futuro híbrido

Com experiência digital, festivais devem ter futuro híbrido

Festivais como É Tudo Verdade, In-Edit e Mostra Ecofalante celebram resultados alcançados em edições on-line e acreditam que não há mais como voltar atrás

Matheus Mans   |  
7 de outubro de 2020 10:42

Foi em março, no começo da pandemia do novo coronavírus, que os festivais não sabiam o que fazer. Grandes eventos, como SXSW e o Festival de Cannes, não tinham certeza se seria seguro continuar em edição presencial, tampouco se o mercado de cinema iria abraçar o digital. Agora, passados sete meses, o futuro bate à porta e o digital não vai mais embora.

Afinal, dezenas de eventos, no Brasil e no mundo se arriscaram em edições virtuais. Os filmes deixaram as salas de cinema pra trás e partiram para exibições na casa das pessoas, ao redor do mundo, na tela da TV ou até mesmo do computador. Com isso, mais organizadores — inclusive no Brasil — se sentiram seguros em partir para o ambiente digital de uma vez.

O Festival de Cannes, rapidamente, entrou em um impasse entre o cancelamento e uma edição digital (Crédito: Divulgação / Festival de Cannes)

“É interessante notar a evolução do comportamento na pandemia. Quando o SXSW cancelou a edição física, tentaram fazer uma versão digital no Prime Video e foi um fracasso. Nenhum estúdio quis”, explica Airton Ribeiro, professor e pesquisador de cinema. “Depois, aos poucos, viram que não tinha mais caminho. Agora, temos experiências mais bem sucedidas”.

Adaptações dos festivais

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No Brasil, inicialmente, a maioria dos festivais e mostras colocou um pé no freio. Quando questionados, organizadores diziam que iam esperar e remarcar as edições presenciais para o final do ano. Não deu. Mostras como É Tudo Verdade, In-Edit, Ecofalante e até mesmo as vindouras Mix e Mostra Internacional de Cinema de São Paulo tiveram que se adaptar ao on-line.

O É Tudo Verdade foi o que mais mostrou que a adaptação entre mídias funcionou. Afinal, primeiramente, o principal festival de documentários do país estava programado para acontecer em março deste ano. Foi adiado para outubro. Mas, conforme a data se aproximou, o organizador Amir Labaki viu que não seria possível ter pessoas dentro de uma sala de cinema.

“O saldo é muito positivo”

De um lado, o É Tudo Verdade precisou limitar o número de visualizações para 1,5 mil por filme por conta de pagamento de direitos. Mas a seleção foi muito parecida com a de seis meses atrás, quando seria presencial. “Dois filmes da Netflix saíram, um foi lançado e um, internacional, os produtores optaram por não sair online. O saldo é muito positivo”, diz Labaki.

‘Libelu’, vencedor do É Tudo Verdade em 2020, foi um sucesso de público e crítica, mesmo sendo exibido na casa das pessoas (Crédito: Divulgação/É Tudo Verdade)

Além disso, no Festival de Toronto, em setembro, o alcance também foi positivo. Ainda que a Disney tenha restringido a exibição de ‘Nomadland’ e o diretor Francis Lee tenha proibido a exibição de ‘Ammonite’ no digital, longas como ‘Pieces of a Woman’, ‘I Am Greta’, ‘The Truffle Hunters’ e ‘Another Round’ fizeram exibições globais, tudo na plataforma do TIFF.

“Primeiramente, Cannes deu pra trás e não quis fazer edição on-line. Cancelou tudo. Depois, o Festival de Veneza resolveu arriscar e fez presencial. Assim, podemos dizer que o Festival de Toronto foi a prova de que mostras podem ser feitas virtualmente e em escala global”, afirma Airton Ribeiro. “Não tivemos vazamentos, escândalos. Deu tudo certo”.

Números dos festivais

Até agora, os eventos que fizeram balanços apresentaram bons resultados. A Mostra Ecofalante, voltada para filmes com pegada socioambiental, geralmente tem um público de cerca de 80 mil pessoas em edições físicas — o que já o torna um dos maiores do Brasil. No entanto, o organizador Chico Guariba conta que alcançaram quase 200 mil pessoas com o evento on-line.

“Nossos filmes foram assistidos em 1780 cidades. É o Brasil inteiro participando do evento”, conta o organizador, empolgado e feliz pelos resultados alcançados mesmo após ter 40% de seu orçamento inicial cortado por conta dos investimentos públicos no combate à covid-19. “Foi um festival mais democrático e mais plural, que chegou até as pessoas”.

Filmes políticos, sociais e ambientais, como ‘Indianara’, tiveram espaço na Ecofalante (Crédito: Divulgação/Ecofalante)

O In-Edit, festival voltado para filmes sobre música, ainda não consolidou os dados da última edição encerrada em setembro. No entanto, o diretor de comunicação Maurício Gaia conta que mudaram a relação com o on-line. “O festival durava 10 dias e era esquecido. Com a edição on-line, aproveitamos para lançar nossa própria plataforma de video on demand pro ano todo”.

Futuro dos festivais

A grande questão que fica agora é: será que os festivais vão deixar o on-line de lado depois que a pandemia do novo coronavírus se tornar passado? As respostas divergem em intensidade, mas todos os entrevistados apontaram que não tem mais como. Depois da experiência em 2020, por conta da pandemia do novo coronavírus, o caminho é só um: exibições híbridas.

Josi Geller, diretora executiva na Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, marcado para acontecer entre 11 e 22 de novembro, está animada com a edição on-line. No entanto, ressalta que o âmago do festival é presencial. “Nosso foco é o presencial, mas podemos colocar uma parcela do conteúdo on-line”, diz Josi. “Afinal, apesar de tudo, falta o calor humano”.

‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ fez sua primeira exibição, em 2019, no Festival Mix Brasil (Crédito: Divulgação/Supo Mungam)

Já Chico Guariba, da Ecofalante, é categórico. “É impossível não mantermos a edição online. Devemos retomar a Mostra ano que vem, se acontecer. Mas não tem como. Tivemos grande público no Amazonas, Pará… Como não fazer mais?”, questiona. “A partir de agora, os festivais terão que ser híbridos. É preciso encontrar seu público, se comunicar, se fazer presente”.

Para 2021, grandes festivais já estão se preparando para o híbrido. É o caso do próprio SXSW que, após a experiência ruim em 2020, está se preparando para se dividir entre físico e on-line. Sundance também anunciou que vai traçar uma estratégia diferente, multiplicando o números de lugares que irão exibir seus filmes. Além disso, terá uma plataforma de exibição remota.

Mas, apesar dos bons resultados, Maurício Gaia, do In Edit, chama a atenção para algo importante: a atenção do espectador. “A edição de 2020 foi boa para sentirmos o público e entendermos melhor o funcionamento. Afinal, ao entrar na casa das pessoas, é preciso convencer espectador a nos assistir. Com isso, Netflix e serviços de streaming são nossos concorrentes”.

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