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Crítica de ‘Às Vezes Quero Sumir’: o vazio da vida e das conexões

Um peixe fora d’água. É assim que se sente Fran (Daisy Ridley), a funcionária de um escritório cheio de burocracias e que simplesmente não se conecta com as pessoas ao seu redor. Tudo para ela é distante, vazio, sem sentido. Não à toa, de vez em quando ela pensa em sumir. Em morrer – como diz o título do filme no qual ela é protagonista, Sometimes I Think About Dying. No Brasil, Às Vezes Quero Sumir estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 23.

Dirigido por Rachel Lambert (de I Can Feel You Walking), o longa-metragem não tenta reinventar a roda ou sequer colocar um elemento extraordinário no cotidiano de Fran – algo como já vimos em A Assistente, com o abuso psicológico, ou até em The Office, como todo o humor de constrangimento. Aqui, o constrangimento não gera riso, mas desespero.

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Afinal, é como se Fran estivesse dentro de um aquário, cercada por água, observando toda aquela equipe se desmanchando em burocracias e ritos bobos. O próprio som do longa-metragem trabalha para isso: todos os diálogos não proferidos por Fran são abafados, um tanto desregulados, evidenciando essa distância entre vários personagens.

Às Vezes Quero Sumir: o estranhamento burocrático

Esse tal estranhamento só começa a se diluir, ainda que de maneira contida, quando um novo personagem entra na equação: Robert (Dave Merheje), um empregado recém-contratado e que também exibe certo estranhamento ao ambiente, ainda que de maneira um tanto quanto divertida – e mal compreendida por Fran. O relacionamento, se é que pode ser chamado assim, começa a transformar a vida da personagem.
A rotina burocrática se abate na vida já sem atrativos de Fran em Às Vezes Quero Sumir (Crédito: Synapse Distribution)
Às Vezes Quero Sumir, assim, se revela como um interessante ensaio existencialista, em que a vida dessa personagem é colocada em uma perspectiva rara, mas muito rica, em que analisamos como se dão as relações ao nosso redor. Um pouco do que Anomalisa fez, por meio da animação, ao transformar todos ao redor das mesmas pessoas, em um mundo chato e sem diferenciação. Aqui, tudo na vida de Fran é pálido, bege, anêmico, sem graça. Aliás, repare no esquema de cores do filme. Ele diz muito sobre a personagem e sobre o mundo de sentimentos ao seu redor: a palidez e a frieza dominam seu ambiente até a chegada de Robert. A partir daí, o bom trabalho de Dan Maughiman, chefe do design de produção; de Robert Brecko, diretor de arte; e de Jordan Hamilton, design de figurino, colocam o trabalho em jogo, inserindo pequenas cores quentes no cotidiano de Fran. E enfim, uma das principais responsáveis pelo bom desempenho do filme se concentra na atuação de Daisy Ridley. Ela, que surgiu como uma desconhecida em Star Wars e que depois “sumiu” das grandes produções, mostra sua qualidade como atriz: acreditamos naquela personagem apática, sem vida, e apesar da pouca força de personalidade, nos importamos. É como uma pequena criatura acuada, em busca de algo para se segurar.
Pensamentos intrusivos entram no dia a dia de Fran (Crédito: Synapse Distribution)
Dessa forma, Às Vezes Quero Sumir é uma das boas surpresas de 2024. Maduro e com decisões técnicas criativas, o longa-metragem não se deixa abater pela passividade que é contada na própria história. Ousado, reflete sobre as bolhas – e os aquários – que nos cercam, indo desde o ambiente de trabalho até as relações sociais. E, no final, fica a pergunta, sem qualquer indício de resposta: como escapar dessa bolha que nos cerca?

Às Vezes Quero Sumir estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 23. Clique aqui para comprar ingressos.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus Mans

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