Crítica de ‘Assassinos da Lua das Flores’: encontrando os lobos Crítica de ‘Assassinos da Lua das Flores’: encontrando os lobos

Crítica de ‘Assassinos da Lua das Flores’: encontrando os lobos

‘Assassinos da Lua das Flores’, o novo filme de Martin Scorsese, chega aos cinemas antes de sua estreia no Apple TV+

Lalo Ortega   |  
19 de outubro de 2023 23:21

“Consegue encontrar os lobos nesta imagem?”, lê Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) em um livro sobre a tribo Osage no início de Assassinos da Lua das Flores, o novo filme de Martin Scorsese que estreia nos cinemas em 19 de outubro. O personagem, um veterano de guerra frustrado que mal sabe ler, tenta se educar sobre a tribo de nativos americanos incentivado por seu tio, William Hale (Robert De Niro), um homem influente que tem negócios com os Osage no território.

A pergunta, no entanto, logo se torna algo mais profundo – e de maneiras não tão óbvias como sugeriam os primeiros trailers do filme. Scorsese opta por uma linguagem visual mais depurada em comparação com suas outras obras, mas nem por isso menos poderosa e sugestiva. O que não é dito e mostrado, são ideias evocadas pelo choque de significados entre os planos.

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Há, é claro, algumas de suas habituais extravagâncias na fotografia (feita pelo mexicano Rodrigo Prieto) e no uso da música (composta por Robbie Robertson). Mas apesar dessa aparente solenidade austera – ou talvez graças a ela – Assassinos da Lua das Flores é uma história sobre ganância, violência e penitência em um dos episódios de colonialismo mais infames nos Estados Unidos. Uma história que também nos confronta com nossa relação com ela.

Assassinos da Lua das Flores: Scorsese puro

E por que o quase analfabeto Ernest Burkhart pretende se educar sobre os Osage? Logo na trama, descobrimos que, durante a década de 1920, a tribo desfruta da bonança de uma feliz casualidade: suas terras, anteriormente consideradas inférteis, abrigavam uma reserva de petróleo. Agora transformados em senhores de sua riqueza negra, apenas os direitos sobre ela podem ser herdados dentro de suas respectivas famílias.

Em Assassinos da Lua das Flores, a ganância se esconde no amor (Crédito: Paramount Pictures/Apple)

Diante das limitações físicas e intelectuais de Ernest, William decide empregá-lo como motorista. Foi assim que o orienta na direção de Mollie (Lily Gladstone, de First Cow), uma mulher Osage pertencente a uma família rica.

O casal logo se casa, mas logo descobrimos que este “inocente” casamento por interesse faz parte de um complô muito mais profundo e repugnante. Hale, sob uma máscara de bondade condescendente, deixa claras desde o início suas intenções: o lobo está faminto, e não importa quantas vidas Osage ele deva consumir para se satisfazer.

Diferentemente do livro de não ficção em que se baseia, Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI, de David Grann; Assassinos da Lua das Flores não esconde a corrupção das almas colonizadoras e exploradoras. Enquanto o livro, narrado a partir da perspectiva do recém-formado FBI, adota uma estrutura que exalta o suspense e o mistério sobre os perpetradores dos assassinatos Osage, o filme os revela com suas intenções obscuras desde o início.

Com essa mudança crucial no roteiro (que, segundo o próprio Scorsese, foi incitada por DiCaprio e teria custado à produção o apoio inicial da Paramount Pictures), o diretor direciona nossa atenção para outro lugar: para os próprios lobos e a corrupção de suas almas pela ganância que envergonharia Erich von Stroheim.

Assassinos da Lua das Flores, portanto, mergulha em território conhecido para as típicas produções violentas do muito católico Scorsese: seja em Cassino, O Lobo de Wall Street ou, claro, Bons Companheiros, o encanto e as recompensas da ganância são sempre acompanhados de perto pelas vítimas e abusos que deixam em seu rastro, mas também pela culpa e retribuição inevitáveis – divina ou não, mas sempre garantida.

Cena de Assassinos da Lua das Flores
Fiel à tradição de Scorsese, Assassinos da Lua das Flores é uma história de violência e corrupção humana (Crédito: Paramount Pictures/Apple)

Assim, em Assassinos da Lua das Flores, somos testemunhas de uma luta entre os lobos e sua presa, mas também entre os “lobos” interiores de seus personagens. E é aqui que a linguagem visual de Scorsese é mais poderosa pelas questões que sugere, mas nunca responde. Pode o “lobo bom”, moralmente faminto, triunfar sobre as implacáveis garras de seu rival alimentado pela ganância?

Mesmo com alguns elementos questionáveis – talvez o foco devesse estar mais no personagem de Gladstone do que no de DiCaprio – o toque mestre de Scorsese está nos sutis recursos visuais para sugerir que os lobos também estão fora da tela.

Enfrentando o lobo

Ao abordar um filme como Assassinos da Lua das Flores, é fácil ser cegado pela grandeza que acompanha o nome do diretor. “O maior cineasta vivo”, é comum ouvir sobre ele (embora, pessoalmente, devo admitir – sem medo da controvérsia – que o admiro menos por seus filmes e mais por seu trabalho como preservador e divulgador do cinema mundial).

O nome de Scorsese, para as audiências mais jovens, vem com outra bagagem, para o bem ou para o mal. Nos últimos anos, o cineasta tem insistido em criticar a trivialidade do cinema contemporâneo de alto orçamento (que ele já comparou a “parques de diversões”).

Se algo que o diretor tenta com Assassinos da Lua das Flores – e ele consegue, na opinião do autor – é confrontar o público como outro tipo de lobo. Talvez não um que comete crimes, mas que reduz as vítimas de atos impiedosos, trivializando os acontecimentos e consumindo-os como espetáculos mórbidos sem segundas considerações. A fotografia, como um documento histórico incontestável, é deslocada pelo sensacionalismo midiático. Há referências à infame indústria do true crime, portanto.

Deixemos para as salas de cinema o toque magistral do desfecho. Basta dizer que com ele, Scorsese nos lembra que o cinema deve ser levado a sério. Mas ele não faz isso de uma maneira esnobe que o enaltece como arte; pelo contrário, ele reafirma o cinema como arte, nos confrontando com o abismo, para que nunca esqueçamos o que está escondido nele.

Assassinos da Lua das Flores estreia nos cinemas em 19 de outubro e estará em breve disponível no Apple TV+.

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