Crítica de 'Dogman': Luc Besson entre o brilhante e o ridículo
Brincando com o absurdo, 'Dogman' fala sobre um homem que encontrou apoio apenas na companhia dos cachorros
Há aqueles gostam, outros que odeiam. Mas o cineasta francês Luc Besson não tem um estilo realmente simples de ser apreciado. Ainda que tenha alguns filmes mais sóbrios como roteirista, o diretor gosta do ridículo. Do absurdo. Já contou a história da garotinha fascinada por um assassino (O Profissional), a mulher com um cérebro poderoso (Lucy), as aberrações de O Quinto Elemento. Agora, sobe mais um degrau no camp com Dogman, estreia desta quinta, 4.
Dirigido e roteirizado por Besson, que faz seu primeiro filme após ser inocentado de uma acusação de estupro, Dogman conta a história de Douglas (Caleb Landry Jones), rapaz que nunca teve amigos e foi constantemente maltratado por seu pai e pelo irmão mais velho. A única companhia que encontrou foi a dos cachorros que seu pai criava e, depois, passaram a ser de propriedade do rapaz – que, vítima de violência, tem severas dificuldades de andar.
Nesse contexto, Besson segue por duas linhas de roteiro. De um lado, há o drama profundamente humano de Douglas. Afinal, ele é um rapaz absolutamente incompreendido. É cadeirante, é solitário, é drag queen. Ninguém nunca o compreendeu de fato – a não ser uma garota do orfanato – ou tentou se aproximar amigavelmente desse protagonista tão inconstante. A vida com os cachorros o transformou em uma pessoa à parte da sociedade.
De outro lado, enquanto investiga e se aprofunda nesse personagem, Besson também brinca com as consequências disso no mundo real – lembrando até um pouco a violência suja e urbana do injustiçado brasileiro Mundo Cão. Douglas não apenas adestra seus animais. A sensação que fica, em cena, é que ele consegue se comunicar diretamente com os cães. Pede um saco de farinha e o cachorro, logo em seguida, entrega na mão do protagonista.
É ridículo, é tosco, é brega. Lembra um filme da Sessão da Tarde qualquer com cachorros inteligentes e que, em última instância, até mesmo conseguem falar. Aqui, os cachorros de Douglas não articulam palavras, mas fazem o inacreditável. Um espectador desavisado pode achar que o filme está rindo da sua cara – e talvez Besson realmente esteja rindo da cara do público –, mas essa é a essência do cinema. Entre o drama humano e o ridículo.
Dogman, um filme sem medo do ridículo
Afinal, o francês gosta de examinar o absurdo do ser humano. Oras, quem acha que Busca Implacável, escrito por Besson, é um filme fincado na realidade? A seriedade de Liam Neeson pode até aplicar realismo, mas ela é absurda.
- Leia também: Os filmes mais aguardados de 2024
Assim como quase todos seus outros filmes. Besson analisa o mundo, pensa em extremos e, logo depois, mistura isso em um espetáculo colorido e inacreditável. Besson usa o cinema para esgarçar limites, por mais toscos que sejam, e se divertir com isso – explorando o que há em cada um de nós. São os incompreendidos em um mundo inacreditável.
Dogman, a partir desse personagem que, por vezes, flerta com a personalidade do Coringa, analisa a relação dos homens com os cachorros. Sem nunca fazer julgamentos de seus personagens, cria uma ópera-bufa que escapa da chatice que é o cinema de hoje em dia. Não é um filme para todos, já que muitos podem se sentir ofendidos pela falta de seriedade na trama. Aqueles que conseguem embarcar na aventura, porém, vão encontrar um caldeirão de emoções típico de Besson, em seu filme mais inventivo desde Lucy, enfim, depois de uma série de tropeços.
Dogman estreia nos cinemas em 4 de janeiro de 2024.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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