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Crítica: ‘Air’ é o novo filme favorito do seu professor de marketing

Há um momento em ‘Air‘, em que o treinador universitário de basquete, George Raveling (Marlon Wayans), conta a Sonny Vaccaro (Matt Damon), executivo da Nike, como Martin Luther King Jr. lhe deu o papel onde ele tinha escrito o que pretendia falar em 28 de agosto de 1963, que acabaria sendo o histórico discurso “I Have a Dream”. Depois, eles homens riem sobre o quão incrível é a anedota. Quanto disso é verdade? Quanto do que foi dito foi embelezado?

Isso dá à audiência a oportunidade de fazer essas mesmas perguntas sobre o novo filme dirigido por Ben Affleck (de ‘Argo‘) – nos cinemas desde 5 de abril de 2023. No papel, a anedota básica que o origina não soa especialmente interessante: a história de como os executivos de uma Nike em dificuldades financeiras conseguiram atrair Michael Jordan e criar uma de suas linhas de tênis mais lucrativas: Air Jordan.

Em outras palavras, estamos diante de um exercício de embelezamento de uma história bastante mundana que, além disso, está desprovida daquela que, em teoria, é uma de suas figuras mais importantes. Exercício realizado com tamanha maestria por parte de Affleck na direção que consegue deixar o público entretido em suas quase duas horas de duração.
Air’ é a história dos executivos por trás da linha de calçados de sucesso (Crédito: Amazon Studios)

Do que trata ‘Air’?

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É 1984 e a Nike está perto da falência devido às baixas vendas. O diretor de marketing Rob Strasser (Jason Bateman) e o cofundador da empresa, Phil Knight (Ben Affleck), designam seu caçador de talentos de basquete, Sonny Vaccaro (Matt Damon), para criar uma linha de tênis em torno de um dos jogadores escolhidos no draft da NBA daquele ano. Exceto que Vaccaro não vê o potencial necessário em nenhuma das opções viáveis para o orçamento limitado da divisão de basquete. Depois de ver vídeos de Michael Jordan em ação, ele se convence de que a Nike deve contratá-lo, acima das mais ricas Adidas e Converse. Assim, no lance de sua vida, Vaccaro arrisca todo o orçamento da divisão – e sua própria carreira – em criar uma linha de tênis inovadora em torno do então novato da NBA. A questão com ‘Air’, como qualquer pessoa que já esteve em uma loja de calçados esportivos sabe, é que já conhecemos o final da história (Air Jordan continua sendo uma das marcas mais populares de tênis de basquete até hoje). Portanto, a partir do roteiro do novato Alex Convery, Affleck cria um filme em que o destino não importa muito, mas a jornada. Para conseguir isso, o diretor tem que se aprofundar nos detalhes e talvez dar um pouco mais de cor aqui e ali.
Realmente aconteceu assim? A verdade é que não importa (Crédito: Amazon Studios)

Um caso de marketing completo

O que Affleck propõe aqui é uma história de Davi contra Golias no mundo dos negócios esportivos. Por isso, o diretor mergulha nas intrigas desse mundo para enfatizar as desvantagens com as quais a Nike e Vaccaro perseguiram Jordan. Enquanto Converse e Adidas propunham acordos atraentes (e lucrativos), vemos os executivos da Nike tentando inovar, encontrar o “calcanhar de Aquiles” de seus concorrentes e quebrar as regras do negócio. É, em grande parte, um caso de sucesso de marketing contado cinematograficamente, por isso certamente será um filme que será visto ad nauseam nas salas de aula nos próximos anos. No entanto, diretor e roteirista conseguem regar aqui e ali alguns momentos de humanidade, particularmente em algumas intervenções de Jason Bateman e, sobretudo, de Viola Davis (decisão de elenco instada pelo próprio Michael Jordan).
Julius Tennon como James R. Jordan Sr. e Viola Davis como Deloris Jordan. À sua direita, invisível e fora de cena, Michael Jordan (Crédito: Amazon Studios)
No papel da mãe do astro esportivo, Deloris Jordan, Davis imprime um poder discreto a uma das figuras-chave do histórico acordo entre Nike e Michael Jordan. A mulher estabelece as condições para o eventual acordo com base no argumento do que Michael Jordan significaria, ao longo do tempo, para milhões de crianças como ele. É por isso que, apesar das explicações do diretor, a decisão de não apresentar na tela o lendário atleta é desconcertante. Goste ou não, ele – um dos casos de maior sucesso de marketing na história do esporte mundial – é a figura mais interessante de todo o relato. Affleck dota Michael Jordan de uma aura de mistério, justificando sua ausência na impossibilidade de encontrar um ator que faça justiça ao tamanho de sua lenda. O diretor faz isso funcionar, mesmo que estique a liga do credível até o limite. No entanto, essa forçada ausência do que deveria ser o elemento mais fascinante do filme, narrativa e discursivamente falando, acaba até roçando o branqueamento da história (embora não seja intencional). Air é uma história que já sabemos como termina e que, além disso, é privada de sua verdadeira estrela, Michael Jordan. Ben Affleck tem o grande mérito de fazer algo muito divertido com o que lhe resta: um embelezado anedotário de executivos fazendo marketing. É o tipo de filme que esse professor de marketing que tanto prega como “Starbucks não vende café, mas experiências” colocaria em aula.

Confira o trailer de Air:

‘Air’ já está nos cinemas brasileiros. Para comprar ingressos, clique aqui. Publicado primeiro na edição mexicana de Filmelier News.

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Lalo Ortega

Lalo Ortega é crítico e jornalista de cinema, mestre em Arte Cinematográfica pelo Centro de Cultura Casa Lamm e vencedor do 10º Concurso de Crítica Cinematográfica Alfonso Reyes 'Fósforo' no FICUNAM 2020. Já colaborou com publicações como Empire en español, Revista Encuadres, Festival Internacional de Cinema de Los Cabos, CLAPPER, Sector Cine e Paréntesis.com, entre outros. Hoje, é editor chefe do Filmelier.

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Lalo Ortega

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