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Para o bem ou para o mal, como se a ficção histórica fosse novidade, grande parte da conversa em torno de Napoleão – o épico de Ridley Scott que chega aos cinemas em 23 de novembro – tem se concentrado em uma suposta responsabilidade com a veracidade histórica (e, nas “amáveis” palavras do diretor, um notável rabugento de carreira, para aqueles que questionam sua visão).
“Qual é essa visão?”, poderíamos perguntar, especialmente sendo um diretor cuja carreira se destaca tanto pela grandiosidade espetacular das sequências de ação quanto pela irregularidade de sua filmografia tardia. Podemos começar dizendo que Napoleão aposta no entretenimento suntuoso comum às épicas históricas de Hollywood (com todo o convencionalismo que isso implica), sem realmente tentar questionar o mito em torno de sua figura central. Pelo contrário, é indulgente com seus lugares-comuns e constrói sobre eles.
O pequeno imperador
Além de Gance, falar sobre adaptações da vida de Napoleão Bonaparte para a tela do cinema também nos remete, de maneira inevitável, à épica nunca realizada por Stanley Kubrick. Scott aspira a ocupar seu lugar com a obra mais abrangente, grandiosa e meticulosa sobre o imperador francês? Dificilmente. Como expressou Michael Broers, professor de História da Universidade de Oxford e consultor no filme, Scott e o roteirista David Scarpa estão mais interessados em usar os clichês conhecidos sobre Napoleão – verdadeiros ou não – como matéria-prima para esculpir drama e espetáculo. Ele realmente atirou nas pirâmides egípcias? Ele foi mesmo um prodigioso líder militar? Ele era pequeno e sexualmente incompetente?
Se o resultado pode ser uma imagem cinematográfica espetacular, a resposta para Scott é sim, claro que aconteceu. Mas no aspecto dramático, as respostas são mais complicadas. E então temos um Napoleão interpretado por Joaquin Phoenix (Coringa) que pode não ser pequeno de estatura, mas é pequeno em outros aspectos da mente e do espírito. Sua baixa autoestima, fica claro, é compensada por uma voracidade de poder e uma obsessão pelo controle de sua imagem e legado. Se tivéssemos, portanto, que comparar Napoleão de Ridley Scott com alguma obra de Kubrick, seria com Barry Lyndon: ambas são crônicas da ascensão e queda de homens com espíritos pequenos, mas egos tão grandes quanto suas ambições, que geralmente tropeçam no patético de seus desejos e de sua própria baixeza. No entanto, é com o delicado equilíbrio entre drama e ironia que Scott tropeça, indeciso sobre o tom de seu filme.
Um Napoleão morno
Dada a magnitude percebida de seu sujeito, é possível encarar a tela e esperar de Napoleão uma épica histórica sóbria, que se leva a sério e tem a meticulosidade técnica para fazê-lo. No entanto, esse não é o filme de Scott. Pelo menos não completamente. Logo no início, fica claro que o diretor tem aspirações satíricas para sua versão de “Le Petit Corporal”, e Phoenix se joga com toda a disposição. Sim, há material de sobra para satirizar os contrastes de um homem que arrasou a Europa por ambição mundana, mas que nunca esteve perto de satisfazer sexualmente uma esposa (Vanessa Kirby em outra atuação fantástica) que poderia fazer dele sua vontade.
No entanto, Scott nunca abraça completamente nem o tom sério e dramático, nem a ironia sugerida e subjacente. Ele permanece desconfortável no meio, limitado a situações cômicas esporádicas, exacerbadas pelo trabalho de Phoenix com o diálogo. Em uma mornidão inadequada para o imperador francês – mas que já vimos em Scott com Casa Gucci – o resultado é construído na dissonância tonal que, mais do que somar ao todo, parece ser uma pedra no sapato. E assim, Napoleão se encaixa perfeitamente na irregularidade comum ao diretor em sua filmografia tardia. O trabalho de figurino, cenografia e fotografia é espetacular, e tudo atinge o auge em sequências de batalha impecáveis, que merecem ser vistas na tela de maior tamanho possível. Mas, intimamente, ficamos com dois personagens dos quais nada é dito ou mostrado que não tenha sido consagrado por seu mito, e que só são salvos da insipidez pelas atuações monumentais de seus protagonistas. Um filme que, como seu sujeito, tem aspirações grandiosas, mas que perde algumas batalhas chave no caminho.