Crítica: Assisti à saga ‘Velozes e Furiosos’ pela primeira vez; virei fã? Crítica: Assisti à saga ‘Velozes e Furiosos’ pela primeira vez; virei fã?

Crítica: Assisti à saga ‘Velozes e Furiosos’ pela primeira vez; virei fã?

Tive meu primeiro contato com a saga ‘Velozes e Furiosos’, depois de duas décadas de existência

Lalo Ortega   |  
8 de maio de 2023 16:34
- Atualizado em 23 de maio de 2023 17:21

A saga Velozes e Furiosos é uma das mais bem-sucedidas, famosas e bilionárias da história – atrás apenas de franquias cinematográficas como o Universo Cinematográfico Marvel, Harry Potter ou Star Wars (de acordo com The Numbers no momento que escrevemos este texto). No entanto, por vários motivos, nunca havia assistido a nenhum de seus vários filmes até o fim.

Devo confessar que, em parte, essa abstinência foi motivada por uma espécie de esnobismo, talvez injustificado e em parte informado pela resposta geralmente abismal da crítica especializada. Por outro lado, a cultura dos carros, tão central em seus primeiros filmes, nunca foi de meu particular interesse. Dirijo um modesto Nissan March apenas por desejo de economizar gasolina. Os spoilers, carros tunados rodeados de mulheres e tanques de nitro para corridas de rua sempre foram um mundo distante para mim.

Cena de Velozes e Furiosos
Desafiar o senso crítico é tão fácil quanto desafiar a gravidade para Velozes e Furiosos (Crédito: Universal Pictures)

Dito isso, que um jornalista de cinema não estivesse familiarizado pelo menos com o essencial de uma das maiores franquias do cinema, parecia-me uma aberração em si mesma. Decidi, então, deixar de lado meus preconceitos e dar uma oportunidade, pelo menos, às entregas indispensáveis ​​da franquia.

Publicidade

Este foi o início de uma queda pela toca do coelho da saga Velozes e Furiosos, uma longa jornada de semanas que começou com o primeiro filme e me levou por cada uma delas até o spin-off com The Rock e o nono filme (e o último, no momento da redação deste texto).

Tornei-me fã da saga? A resposta é complicada… Spoilers de todos os filmes da saga Velozes e Furiosos a seguir.

Velozes e Furiosos: narrativa vs. espetáculo

Antes de assistir aos filmes, uma das críticas mais comuns que havia ouvido sobre a saga Velozes e Furiosos era sobre a gratuitidade de suas cenas mais espetaculares, de uma absurdez crescente com cada entrega. Tinha visto algumas delas de passagem, como a famosa sequência de Abu Dhabi (“os carros não voam!”, diz Paul Walker no banco do passageiro, enquanto Vin Diesel pisa no acelerador e faz seu carro voar de um prédio para outro).

Em uma luta entre a gravidade e Toretto, já sabemos quem ganha (Crédito: Universal Pictures)

Deve-se admitir, goste ou não, que com a transição da franquia do mundo das corridas clandestinas para os thrillers de espionagem internacional – uma mudança claramente marcada pelo quinto filme – a ação se tornou alucinante até atingir o ridículo.

As vozes contrárias podem argumentar: “mas olha, o realismo é a última coisa que se deve esperar em qualquer filme de ação“, e talvez tenham razão. E, para ser justo, há algo genuinamente divertido em ver Roman Pearce (Tyrese Gibson) e Tej Parker (Ludacris) voando de carro até o espaço.

No entanto, seja cofres rolando pelas ruas ou carros lutando contra submarinos de guerra, é indiscutível que esses alucinantes desafios às leis da gravidade (aparentemente escritos por fãs de Hot Wheels com muito dinheiro em mãos) são algumas das amostras mais notáveis de uma tendência decepcionante do cinema de Hollywood: estúdios que optam por encher os olhos de um público que subestimam demais para também encher a imaginação com histórias minimamente coerentes. Uma coisa nunca esteve em desacordo com a outra.

Assistir a um filme de Velozes e Furiosos oferece, superficialmente, a mesma alegria inocente e insossa de brincar com carrinhos de brinquedo e imaginar situações impossíveis para eles. Mas se limitar a carros balançando entre montanhas não é suficiente para explicar o fenômeno de Velozes e Furiosos.

Há uma estética e conjunto de valores subjacentes à história de Dom Toretto, Brian O’Conner e companhia que ecoam com grandes setores do público cinematográfico, tão amplos e variados quanto os membros da famosa “família”.

“Em uma briga de rua… a rua sempre vence”

A curiosa evolução de Velozes e Furiosos das corridas clandestinas para o espionagem internacional é o que deu à franquia sua classe única de heróis, unidos pelo amor multicultural aos carros.

Enquanto sagas como James Bond e Missão: Impossível seguem protagonistas sofisticados, agentes de elite em organizações internacionais de inteligência equipados com trajes elegantes e a última tecnologia; Dom Toretto e sua equipe são corredores de rua, homens e mulheres das ruas de Los Angeles que tentavam sobreviver com roubos ocasionais, mas bem-intencionados, e que se adaptam às circunstâncias.

São, em outras palavras, pessoas comuns da classe trabalhadora – e de antecedentes raciais diversos – que vivem como podem, mas que, atrás do volante de um carro, são como super-heróis sem disfarces. Tom Cruise pode pendurar-se de um avião enquanto veste terno de designer e Tony Stark fazer maravilhas com sua armadura milionária; Toretto pode salvar o mundo com jeans e camisetas apertadas sem mangas que qualquer pessoa usaria em um churrasco de domingo.

E apesar do elenco multirracial permitir que quase qualquer pessoa do mundo possa se projetar nesta fantasia de alta octanagem sobre bandidos comuns que ascendem a níveis absurdos de heroísmo, a figura de Vin Diesel é fundamental para esse efeito na saga Velozes e Furiosos. Dada a ambiguidade étnica do ator e de sua aparência, bem como o nome de seu personagem (Toretto é um sobrenome italiano), o herói da franquia é uma folha em branco para que praticamente qualquer homem heterossexual se veja nele.

Em relação à aparência uniforme de Diesel em quase todos os seus filmes, o livro Mixed Race Hollywood de Mary Beltrán e Camilla Fojas nos diz:

“A consistência das aparições e interpretações de Diesel destaca o fato de que esses filmes são construídos em torno de sua aparência física ambígua e suas qualidades urbanas e musculosas”.

E destaca uma declaração do diretor de Diesel no primeiro filme, Rob Cohen: “Ele é um novo americano. Você não sabe [a que etnia pertence], e na verdade não importa, porque ele é todos. Todos veem Vin e dizem ‘me vejo a mim mesmo'”. Diesel, que tem ascendência multirracial, expressou que tal ambiguidade em sua aparência foi um grande obstáculo no início de sua carreira.

Toretto é o herói americano perfeito: da classe trabalhadora, ele aspira à liberdade individual e à tranquilidade que o dinheiro compra, e tem a força –motora e muscular – para alcançá-la (Crédito: Universal Pictures)

Nesse sentido – e talvez com a crescente exceção do Universo Cinematográfico da Marvel – Velozes e Furiosos é um dos blockbusters mais diversos que existem, o que sem dúvida é tão favorável para a representação multirracial na cultura pop, quanto útil para explicar seus níveis insanos de popularidade.

Dito isso, a saga tem alguns outros valores questionáveis, para dizer o mínimo. Especialmente em seus ideais de masculinidade e “heróis americanos”, bem como na representação das mulheres na tela.

O “herói americano”, mas sobre rodas

O primeiro filme da franquia Velozes e Furiosos era, essencialmente, um remake de Caçadores de Emoção, de Kathryn Bigelow, mas com carros. Os ideais de retidão de um homem (Brian O’Conner, neste caso) são colocados à prova ao conhecer outro que se move em áreas de moral cinzenta (Dom Toretto). Para ele, operar no limite da legalidade é viver sob seus próprios termos (“vivo minha vida um quarto de milha de cada vez”, diz o personagem de Diesel em uma de suas frases mais famosas).

No início da saga, nossos protagonistas se encaixam, até certo ponto, no arquétipo de Robin Hood: bandidos que cometem crimes sem machucar ninguém ou que apenas roubam dos ricos, como Hernán Reyes em Velozes e Furiosos 5: Operação Rio. Eles ainda são criminosos, afinal, mas simpatizamos com eles porque conhecemos suas circunstâncias. Eles querem, como todos, sua parte do “sonho americano”.

Depois de se meterem em sérios problemas com a lei para salvar Dom no final do quarto filme, o grupo foge para o Rio de Janeiro, onde executam o grande roubo que lhes permitirá alcançar esse mesmo sonho americano: casas em ilhas tropicais, carros de luxo e mulheres ao seu redor. O indulto vem quando o agente Luke Hobbs (Dwayne Johnson) os recruta por suas absurdas habilidades ao volante para combater uma ameaça semelhante na sexta parte. A fantasia de ter sucesso no sistema jogando contra suas regras.

É neste ponto da saga de Velozes e Furiosos que Dom e companhia se tornam agentes secretos como tantos outros. Ao serviço de agências de inteligência, eles combatem ameaças globais como ciberterroristas, sem consideração (do roteiro, pelo menos) alguma para qualquer vestígio de leis internacionais ou custo em vidas humanas.

Qualquer outro dia nas épocas em que Arnold Schwarzenegger ou Sylvester Stallone salvavam o mundo explodindo tudo, enaltecendo o ideal do herói americano e do intervencionismo estadunidense. Mas com carros.

“Eu não tenho amigos, eu tenho família”

Um dos temas mais recorrentes na saga Velozes e Furiosos, a ponto de se tornar seu próprio meme, é o da família. Mais do que o biológico, o encontrado: aquele que se mantém unido pela lealdade, confiança, experiências compartilhadas, churrascos com Coronas e pela força gravitacional dos músculos de Vin Diesel. O sol é “como a gravidade”, diz Mia Toretto a Brian O’Conner no primeiro filme. “Tudo é apenas atraído por isso”).

Nesta franquia, o amor pela família é tão poderoso que torna qualquer coisa possível, inclusive levar um tiro no ar a 100 quilômetros por hora, pegar alguém no ar e aterrissar ileso em um para-brisa. Os roubos e as missões mais insanas são bem-sucedidos, contra todas as probabilidades, porque os personagens são movidos por essa confiança mútua, absoluta e incondicional. É também o barril sem fundo que o dota de mais reviravoltas impossíveis do que uma novela de mil episódios.

Mas o inverso também é verdadeiro. A família é o motor que move vários dos antagonistas da franquia, ou pelo menos o que lhes dá influência sobre seus inimigos.

A vingança por seu irmão Owen (Luke Evans) é o que leva o assassino Deckard Shaw (Jason Statham) a caçar Dom e companhia no sétimo capítulo. Em Velozes e Furiosos 8, a ciberterrorista Cipher (Charlize Theron) sequestra o filho que Dom não sabia que tinha, para colocá-lo contra o grupo. Na parte nove, o grupo deve enfrentar o amargurado irmão há muito perdido de Dom, Luke (John Cena). Na décima, o vilão é Dante Reyes (Jason Momoa), filho do vilão da quinta, Hernán Reyes (Joaquim de Almeida).

Os antagonistas da franquia, de uma forma ou de outra, são a antítese de Dom e seus valores. Enquanto Toretto e companhia operam em áreas de moralidade cinzenta, Luke Hobbs é o agente de pleno direito que protege a lei na quinta parcela. Owen não tem uma “família”, mas sim uma equipe onde todos são descartáveis.

Por outro lado, é um conceito tão elástico de família que, é claro, admite quase qualquer licença moral. A destruição e a perda humana em qualquer escala valem a pena se for para proteger o bebê que Toretto não sabia que tinha cinco minutos atrás.

No final, todos os personagens se reúnem (bem católicos) para rezar diante de uma carne assada (“se ​​não fosse a igreja, não tinha carne asada”, Dom conta a Brian sobre os churrascos com o pai).

Um rosbife e tudo está perdoado (Crédito: Universal Pictures)

Velozes e Furiosos não tem sido muito gentil com suas mulheres

Mesmo dentro dessa concepção nobre de família, é inquestionável que a franquia – escrita em sua totalidade, até o décimo filme, por roteiristas homens – não tem feito muitos favores aos seus personagens femininos. Desde o início, Michelle Rodriguez teve que lutar por uma melhor representação, e ameaçou sair do filme original se Letty Ortiz, seu personagem, não fosse escrito como algo mais do que uma “namorada-troféu” que se debatia entre Dom e Brian.

Isso levou à criação de Mia Toretto (Jordana Brewster) como uma solução que, sendo objetivos, também não foi muito melhor. É um personagem que, afinal de contas, existe em função dos homens em sua vida: é a irmã de um e a parceira do outro.

“Eu fiz filmes com Jordana por 16 anos, e posso contar nos dedos os diálogos que tive com ela”, disse Rodriguez à Entertainment Weekly em 2016. “Eu acho que é patético e falta criatividade. Homens não sabem sobre o que as mulheres falam. Eles acham que só falamos sobre eles, e é uma triste realidade que homens sejam os roteiristas dominantes em Hollywood”.

As coisas melhoraram um pouco dentro da franquia desde então – com outra sutil ameaça de demissão por parte de Rodriguez –, mas a verdade é que, historicamente, a saga de Velozes e Furiosos tem sido muito indulgente com o infame recurso de “mulheres na geladeira”: uma reviravolta narrativa que sacrifica as mulheres com o único propósito de avançar a trama dos homens.

A própria Letty foi uma das primeiras vítimas nesta história, quando foi repentinamente assassinada no quarto filme para dar a Dom e Brian um objetivo em comum. Gisele (Gal Gadot) morre no final do sexto filme para salvar Han (Sung Kang) e criar o pretexto para enviá-lo ao Japão, onde deve continuar sua história (o resto de seus companheiros quase nem se abalam com sua morte).

A morte mais infame na lista, no entanto, deve ser a de Elena (Elsa Pataky). Introduzida como uma policial determinada e honesta que opera lado a lado com Luke Hobbs no Brasil, Elena se torna amante de Dom enquanto Letty é considerada morta. Quando o personagem de Rodriguez reaparece com amnésia em uma das reviravoltas mais melodramáticas da saga, Elena é deixada de lado.

Exceto que ela retorna para a oitava parte como prisioneira de Cipher, que a sequestrou para manipular Dom. E resulta que, também, Elena teve um filho com ambos em segredo. Como repreensão, a vilã decide executar a mulher na frente do bebê e do protagonista. Uma morte gratuita, cujo único objetivo é dar a Dom um motivo para se vingar.

A saga de Velozes e Furiosos proclama empoderar suas protagonistas femininas, mas se olharmos com atenção, seu tratamento tem sido questionável. As coisas melhoraram um pouco, embora a protagonista mais recente, Ramsey (Nathalie Emmanuel), ainda pareça reduzida a ser o interesse amoroso de ambos Tej e Roman.

Além disso, no entanto, a franquia cinematográfica não tem sido muito gentil com suas mulheres. A maioria, quando não é um pedaço de carne anônimo vestido de biquíni, são personagens que não existem de forma independente de suas contrapartes masculinas, com seus próprios interesses e objetivos. Elas fazem parte da família porque, essencialmente, são “mais um dos caras”.

Então, eu me tornei fã?

Meus sentimentos em relação à saga Velozes e Furiosos permanecem complicados. O que eu vi não fez muito para mudar minha opinião sobre a cultura dos carros – para a qual eu já era indiferente – ou sobre os filmes de ação repletos de testosterona. No pior dos casos, o spin-off Hobbs & Shaw me pareceu uma demonstração exemplar de um machismo egocêntrico infantil. Já ouvi palavras mais inteligentes de alunos do ensino médio.

Dito isso, também entendo o encanto perfeitamente. Aos poucos, meus suspiros de incredulidade em relação à narrativa se transformaram em risadas pela insanidade de ver “The Rock” parar um helicóptero com a força de sua vontade e seus enormes bíceps, ou Toretto derrubar um submarino com seu invencível Dodge Charger.

Embora problemático em muitos sentidos e com mais buracos na trama do que as piores novelas, trata-se também de um escapismo tão perfeito quanto tentador, capaz de nos fazer acreditar que qualquer um de nós pode alcançar o impossível com determinação e a ajuda de nossos amigos.

Claro, seu colossal sucesso, expresso em dinheiro e ingressos vendidos na bilheteria, costuma ser lido pelos executivos de estúdio como carta branca para criar uma narrativa fraca, permitida em troca do espetáculo mais absurdo. Talvez devêssemos dar nosso dinheiro para filmes melhores para exigir melhores narrativas.

Mas, por enquanto, resta rir toda vez que a câmera fecha em Vin Diesel, cuja seriedade supera a de qualquer um em relação a esses filmes, enquanto franze a testa e prega lugares-comuns sobre o poder da família.

Confira o trailer de Velozes e Furiosos 10:

Siga o Filmelier no FacebookTwitter e Instagram.