Crítica de ‘Godzilla e Kong’: cinema de “monster trucks” Crítica de ‘Godzilla e Kong’: cinema de “monster trucks”

Crítica de ‘Godzilla e Kong’: cinema de “monster trucks”

‘Godzilla e Kong: O Novo Império’ é o equivalente cinematográfico de calorias excessivas sem nutrientes. Confira a crítica.

Lalo Ortega   |  
28 de março de 2024 13:01
- Atualizado em 29 de março de 2024 13:28

A franquia do MonsterVerse – cujo novo filme, Godzilla e Kong: O Novo Império chega aos cinemas em 28 de março – tem uma genealogia tão improvável quanto curiosa. É a versão americanizada de Godzilla (1954), a metáfora por excelência do trauma nuclear do Japão; e de King Kong (1933), uma fantasia de aventura alegórica da colonização e escravidão.

Juntas, são duas das obras fundamentais do cinema de monstros gigantes (ou kaijū), que se transformaram em todos os tipos de filmes. Cada uma por si só, tornaram-se franquias com múltiplas sequências e reinterpretações em remakes. Godzilla já foi de super-herói gigante a crítica política ao desastre nuclear de Fukushima. King Kong cresceu em tamanho e foi reinventado como símbolo do fracasso americano no Vietnã.

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Isso nos fala das possibilidades expressivas dos monstros. Eles são, parafraseando o cineasta mexicano Guillermo del Toro, uma encarnação da vida, suas imperfeições e horrores, mas também da possibilidade de nos redimirmos e seguirmos em frente.

É por isso que, a cada entrega, o MonsterVerse se torna mais decepcionante, vazio. Godzilla e Kong: O Novo Império têm um trabalho impressionante em termos de animação digital e efeitos especiais, isso não pode ser negado. Mas todo o talento nesta megaprodução – cujo orçamento é estimado em 135 milhões de dólares (USD) – está a serviço de uma história sem alma.

Outro de titãs

Godzilla e Kong continua com o status quo estabelecido por sua antecessora: depois de quase se destruírem mutuamente e se unirem para derrotar Mecha-Godzilla, ambos os titãs dividiram territórios. Godzilla é o rei dos monstros na superfície, enquanto Kong deve governar nas profundezas da “Terra Oca”, um mundo que existe nas profundezas de nosso planeta e de onde vêm todas as criaturas gigantes.

Não é necessário ter visto a onda de materiais promocionais do filme para prever o que está por vir. Se mudarmos o “vs.” por “e” no título, a história deve estabelecer o pretexto para a aliança entre esses titãs. Tudo começa em mistério: Godzilla age estranhamente, e Kong reaparece na superfície.

Os humanos da história (um elenco liderado por Rebecca Hall, Bryan Tyree Henry e Dan Stevens) decidem investigar, e não demoram a seguir Kong até a Terra Oca para descobrir o que está acontecendo: existe uma pequena sociedade humana nas profundezas que pede ajuda para enfrentar Skar, outro macaco gigante que vive obcecado em dominar o planeta, por dentro e por fora.

Godzilla e Kong
Godzilla e Kong é um desperdiço criminal de talento humano (Crédito: Warner Bros. Pictures)

A partir daqui, Godzilla e Kong se torna um passeio por um mundo gerado por computador. Os consideráveis talentos de seu elenco são colocados a serviço do diálogo expositivo, para explicar o que, logicamente, seus titânicos protagonistas não podem: a complicada – e nada interessante – mitologia do MonsterVerse.

É pura tagarelice que, na melhor das hipóteses, será apreciada pelos fãs mais dedicados da franquia. Num claro esforço para expandir a franquia, são introduzidos conceitos, histórias, monstros novos. Mas são momentos dramaticamente mais frios do que a nova era glacial que Skar pretende desencadear na Terra.

A grande paradoxo é que os momentos mais emotivos e humanos de Godzilla e Kong são entregues por personagens que não podem falar e que, na realidade, nem mesmo existem. Aplausos às equipes de efeitos especiais e animação pela expressividade alcançada em Kong e em “Mini-Kong”, que compensam a anemia de emoções no resto da metragem sem dizer uma palavra, apenas com seus rostos e corpos digitais.

Godzilla e Kong não entende o que gostamos nos monstros

Já foi dito até a exaustão sobre este tipo de filmes: “as verdadeiras estrelas são os monstros”. Ou seja, que tudo é um pretexto para vê-los se golpearem na cara, derrubarem prédios, cuspirem raios de energia. Um espetáculo cuja concepção da devastação é quase pornográfica (o que importa alguns cariocas pisoteados? Kong tem um braço de metal!).

Deixemos de lado o quão tedioso e gratuito é tudo isso neste filme. O verdadeiro problema é que o MonsterVerse demonstra sua completa falta de compreensão sobre o que uma verdadeira e grandiosa filme de monstros precisa. Não é ver macacos e lagartos gigantes se batendo em gravidade zero, mas sim ter algo a dizer sobre a humanidade. Elemento que, de fato, não estava totalmente ausente nos capítulos inaugurais da franquia, Godzilla (2014) e Kong: A Ilha da Caveira (2017).

E é à sombra de Godzilla Minus One, produção da japonesa Toho lançada apenas alguns meses atrás (e premiada com o Oscar de Melhores Efeitos Visuais), que Godzilla e Kong parece especialmente patético. Vamos ignorar a diferença abismal nos custos de produção: sem deixar de ser espetacular, Minus One é uma obra de arte que reflete sobre a luta espiritual do Japão com seu passado beligerante e suas cicatrizes nucleares (e estima-se que custou menos de 15 milhões de dólares).

Godzilla x Kong
Godzilla e Kong não entende o que faz seus monstros especiais (Crédito: Warner Bros. Pictures)

Seria errado afirmar que o Godzilla japonês sempre foi tão solene e meditativo (não foi), mas também é verdade que o MonsterVerse americano poderia explorar esse potencial. Já tentou: apenas alguns meses atrás, também foi lançada na Apple TV+ a série Monarch, que explora as origens da misteriosa organização que estuda os incidentes com monstros. Entre outros temas, a série aborda a dualidade da identidade dos nipo-americanos, com Godzilla como dispositivo narrativo. Os monstros, novamente, são o de menos.

Precisamos de entretenimento trivial e simples, repleto de calorias e desprovido de nutrientes em nossas vidas? Absolutamente. Mas isso não deveria ser incompatível com fazer um filme com um pouquinho de alma.

E nesse sentido, Godzilla e Kong é o oposto. É o equivalente a assistir a uma horda de lutadores se espancarem por duas horas a bordo de monster trucks – aqueles caminhões gigantes, conhecidos ora pelos admiradores de shows radicais-, enquanto o Kiss explode os alto-falantes e acompanhamos o espetáculo com um hambúrguer triplo, transbordando de bacon e coberto de queijo.

De forma nenhuma isso é um elogio.

Godzilla e Kong: O Novo Império estreia nos cinemas em 28 de março. Compre seus ingressos para assistir.

Publicado primeiro na edição mexicana de Filmelier News.

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