Crítica de ‘Oppenheimer’: o ego do mago Crítica de ‘Oppenheimer’: o ego do mago

Crítica de ‘Oppenheimer’: o ego do mago

‘Oppenheimer’ é a história mais íntima na filmografia de Christopher Nolan – e uma das mais desnecessariamente complicadas. Confira a crítica

Lalo Ortega   |  
19 de julho de 2023 13:00

“Convenceste todos de que és mais complicado do que realmente és”, diz Jean Tatlock (Florence Pugh) a J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), em um dos escassos momentos no longa-metragem de Christopher Nolan em que o personagem titular se encontra nu — fisicamente e emocionalmente. Afirmação que, com um pouco de ironia, pode ser aplicada ao próprio filme, que chega aos cinemas do Brasil em 20 de julho.

Imortalizado pela história como “o pai da bomba atômica”, Oppenheimer é, sem dúvida, um personagem moral e psicologicamente complexo (“o mais ambíguo e paradoxal” com o qual o diretor já lidou em sua filmografia, segundo ele mesmo explica). Para outros cineastas, o caminho poderia ter sido menos complicado.

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Mas este é Christopher Nolan de quem estamos falando. O britânico não criaria uma narrativa convencional (quando ele já fez isso?), para a qual tem sido elogiado como sua épica mais ambiciosa, com maior duração e magnitude tanto audiovisual quanto dramática. Mas isso faz uma boa experiência?

Oppenheimer: o Nolan mais calculista (e frio)

Especialista em criar narrativas que brincam com o tempo “em camadas“, em forma de ferradura e até intercalando tempos distintos, Christopher Nolan é o tipo de diretor criticado por criar filmes de uma maneira muito “cerebral”, construídos com meticulosidade e cuidado especial para a grandiosidade de seus elementos técnicos, mas distanciados da emoção.

Independentemente do que se possa pensar sobre sua filmografia anterior, a afirmação nunca foi tão verdadeira como em Oppenheimer. Curioso paradoxo, uma vez que se trata de um filme biográfico, o (supostamente) mais íntimo até agora em sua trajetória.

Cillian Murphy interpreta a personagem título do filme Oppenheimer
Cillian Murphy interpreta a personagem título do filme (Crédito: Universal Pictures)

Baseada na biografia “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano”, o filme narra, em suma, o envolvimento do personagem titular no Projeto Manhattan, que deu origem à bomba atômica, os dilemas éticos e morais de sua utilização, e a investigação de suas afiliações pessoais passadas durante o macartismo, período em que a lealdade do próprio cientista foi questionada por suas pressões para a regulamentação da energia e do armamento nuclear.

É o tipo de história que se afasta do espetáculo característico do Nolan mais recente, que tem se movido entre o thriller de ficção científica (Tenet, A Origem) e o cinema bélico (Dunkirk) em sua filmografia posterior.

O que Nolan faz? Fragmentar a história, em vez de contá-la em ordem cronológica. Uma licença criativa comum, interessante quando bem executada (pelo menos, compartilho a opinião de que Amnésia cabe como exemplo), até mesmo necessária para gerar tensão dramática, contrastar ideias e criar um discurso.

O resultado, pelo menos na superfície, é efetivo: em suas quase exatas três horas de duração, Oppenheimer não para. É um frenesi de acontecimentos e informações que demanda atenção total. “É um thriller como cavalo de Troia para uma biografia”, como diria Emily Blunt, que interpreta a esposa do cientista, Kitty Oppenheimer.

O problema é que Nolan escolhe esta estrutura para mostrar, por um lado, a criação e o desenvolvimento do Projeto Manhattan. Por outro lado, ele conta de forma gradual e entrelaçada as consequências internacionais e intrigas políticas posteriores à Segunda Guerra Mundial, com o personagem de Lewis Strauss (Robert Downey Jr.) como peça-chave.

Emily Blunt e Cillian Murphy em cena de Oppenheimer, de Christopher Nolan
Tem momentos de humanidade crua em Oppenheimer, mas ficam diluídos (Crédito: Universal Pictures)

Parece que, para seu 12º longa-metragem, o cineasta não consegue lidar com os limites do diálogo expositivo, um de seus vícios mais notáveis e objeto comum de críticas ao seu trabalho. Em Oppenheimer, ele atinge o ápice de seus excessos: apesar de sua insistência na grandiosidade visual, opta por dizer demais em vez de mostrar.

A experiência, ao invés de gratificante, acaba sendo confusa e sinuosa. Pior ainda: os momentos de humanidade crua e nua (que não são muitos) acabam perdidos em um mar de palavras e explicações.

“Como aprendi a parar de me preocupar e amar a bomba”

Ao longo de O Grande Truque (The Prestige), talvez um dos filmes mais subestimados de Nolan, os mágicos Borden (Christian Bale) e Angier (Hugh Jackman) expõem em várias ocasiões que a essência de todo bom truque de mágica é a distração: desviar a atenção do público para impressioná-lo com o resultado, sem que ele descubra como foi alcançado.

O paradoxo com Christopher Nolan é que, se fosse um mágico, sem dúvida seria um muito impressionante (não é qualquer coisa representar a quinta dimensão de maneira visual e compreensível em um filme comercial de grande orçamento). Mas ele também parece obcecado em se explicar, talvez até se deleitando com seu virtuosismo.

Assim como em Tenet, o diretor abusa do diálogo expositivo em Oppenheimer: a compreensão da intriga política, meticulosamente tecida, não deve ficar ao acaso. Assim como não fica ao acaso, desde a promoção de seu filme, o modo como foi feito: deve-se saber sobre as explosões recriadas de forma prática e as filmagens em grande formato de 70mm.

Robert Downey Jr. como Lewis Strauss em Oppenheimer, de Christopher Nolan
Robert Downey Jr. é uma figura central na intriga do macartismo (Crédito: Universal Pictures)

Entre a frieza da técnica, a emoção se dilui tanto nos personagens como no espectador. Do ponto de vista audiovisual, o momento culminante do filme é indiscutivelmente espetacular. No entanto, dura apenas alguns instantes em um metragem de 180 minutos que, emocionalmente, nos deixa frios.

Uma frieza paradoxal para um dos momentos mais cruciais na história humana do século XX. Nolan está mais preocupado com as nuances éticas de seu protagonista, um homem preso na teoria de sua ciência e de sua política, até que se vê obrigado a executá-la em uma situação “entre a cruz e a espada”: construir a pior invenção da humanidade antes que os nazistas o façam.

No final, apesar das atuações impecáveis e do inegável virtuosismo em quase todos os departamentos da produção, essa distância emocional nos deixa com a profunda tibieza moral que, embora esteja longe de ser uma apologia, se conforma em expor os fatos. Oppenheimer é o estudo de um personagem ambíguo e contraditório, nos termos categóricos, robóticos e distantes próprios de uma aula de história.

Mas ei, essa explosão está espetacular em IMAX.

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