Disputa do futebol pode ter impacto no HBO Max e no 5G no Brasil; entenda Disputa do futebol pode ter impacto no HBO Max e no 5G no Brasil; entenda

Disputa do futebol pode ter impacto no HBO Max e no 5G no Brasil; entenda

O encontro de dirigentes de oito clubes de futebol com o presidente Jair Bolsonaro teve como um dos temas a legislação de TV e telecomunicações

6 de julho de 2020 12:17
- Atualizado em 9 de julho de 2020 10:21

Mais uma vez, a relação de forças na política brasileira surge com um impacto ainda maior do que o esperado. Neste momento, oito clubes de futebol estão, em bloco, pressionando a Presidência da República em um jogo de poder que pode impactar não só na legislação de TV, mas também nos planos da WarnerMedia e da AT&T.

Afinal, o interesse de alguns clubes envolve direitos de televisão e o dinheiro que elas têm parece receber da Turner, que faz parte do mesmo grupo. Um efeito dominó que pode levar a mudanças para o serviço de streaming HBO Max e para o 5G, tecnologia que irá substituir o 4G nos celulares.

Tudo começou quando a Medida Provisória 984, conhecida como “MP do Flamengo”, deflagrou um conflito em relação às transmissões esportivas. Pela nova legislação – que é provisória e precisa ser aprovada pelo Congresso para valer além de 120 dias – os direitos de exibição de uma partida podem ser vendidos apenas pelo mandante do jogo.

Antes, pela chamada Lei Pelé, era necessário que ambos, mandante e visitante, vendessem os direitos para a mesma emissora.

Flamengo: lobby para mudar a legislação causa efeito cascata no Brasil (crédito: divulgação / CR Flamengo)

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A medida causou um efeito cascata, levando o Grupo Globo a rescindir o contrato de transmissão do Campeonato Carioca. A MP também chamou a atenção de outros oito clubes: Athletico-PR, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza, Internacional, Palmeiras, Santos.

Clubes vs Turner

Não por acaso, essas oito instituições são aquelas que fecharam acordo de transmissão de suas partidas do Campeonato Brasileiro na TV paga com o Esporte Interativo, da programadora norte-americana Turner. O ano de 2020 representa o segundo desse contrato em vigor, mas os lados não se entendem mais.

De acordo com o UOL, sete desses clubes (menos o Internacional) contrataram a empresa Livemode para renegociar o acordo e retomar o pagamento das cotas pelo Brasileirão, que foram pausadas durante a crise financeira resultante da pandemia.

Já a Turner reclama, entre outros pontos, do fato dos acordos que esses times possuem para outras mídias (principalmente TV aberta e internet) permitirem exibição de jogos importantes para concorrer com a empresa norte-americana. Além disso, o contrato limita a exibição de jogos para a mesma cidade por parte do Esporte Interativo. Por tudo isso, poderia romper o contrato.

Ambos os lados podem ser beneficiados pela MP do Flamengo. Os clubes ganham mais jogos para renegociar com a Turner, ou até mesmo para rescindir o contrato e vender os direitos para outros players no mercado nacional que não sejam do Grupo Globo. Enquanto isso, a Turner poderia assinar uma nova versão do acordo atual e garantir mais partidas para o seu portfólio – incluindo clubes que não assinaram com o grupo, como Flamengo, Corinthians e São Paulo, enquanto visitantes.

Entra Bolsonaro

Na terça da última semana, dia 30 de junho (ainda durante a pandemia, diga-se), representantes desses oito clubes fizeram uma reunião no Palácio da Alvorada com o presidente Jair Bolsonaro. Na mesa, o debate sobre a MP 984.

Juntos, Athletico-PR, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza, Internacional, Palmeiras e Santos demonstraram apoio à medida provisória.

Porém, de acordo com o jornalista Rodrigo Capelo em seu blog no GloboEsporte.com, a atual legislação de TV também entrou na pauta.

Representantes dos clubes com Jair Bolsonaro
Os representantes dos oito clubes que fecharam com a Turner, junto com Jair Bolsonaro (crédito: divulgação / Presidência da República)

A lei 12.485/2011, conhecida como a Lei de Acesso Condicionado, proíbe a propriedade cruzada. Ou seja, que um mesmo grupo possua uma operadora de televisão e canais, por exemplo. É exatamente esse o caso da Turner: ela faz parte da WarnerMedia, que por sua vez é uma propriedade da AT&T – dona da operadora SKY no Brasil.

No papel, essa propriedade cruzada seria proibida.

O grupo vem tentando mudar a legislação, mas o debate no Senado esfriou durante a pandemia. Aos clubes, a Turner alega que precisa dessa mudança para fazer mais investimentos no Brasil – e, por consequência, no futebol.

Em julho do ano passado, em matéria da Folha de S. Paulo assinada por Nelson de Sá, o vice-presidente executivo da WarnerMedia, Jim Meza, disse que “por causa da incerteza regulatória existente no país, o investimento direto não é atraente no momento, para nós”.

“O octeto que ainda mantém contratos com a Turner foi até Bolsonaro para pressionar na busca por solução. Se a empresa afirma que precisa da mudança na legislação para investir no Brasil, por que ela fala em romper contratos pelos direitos de transmissão do futebol?”, escreveu Capelo em seu blog.

Já de acordo com O Estado de S. Paulo, os clubes teriam pedido que a lei passe a autorizar que empresas de telecomunicações atuem na produção de conteúdo esportivo – e que o presidente “disse que vai acompanhar a tramitação da matéria, mas não se comprometeu com nada”.

AT&T na berlinda

O mesmo Rodrigo Capelo, no programa ‘Troca de Passes’ do SporTV na última semana, afirmou que a AT&T teria interesse em expandir seus negócios enquanto operadora no Brasil. Dessa forma, aproveitaria a chegada do 5G para passar a atuar na telefonia móvel daqui.

AT&T: empresa teria interesse em participar do leilão do 5G, mas atual legislação impede (crédito: Flickr / Mike Mozart)

Vale lembrar que o Brasil foi o último país a autorizar a compra da ex-Time Warner pela AT&T, justamente por causa da Lei do SeAC. O acordo foi liberado pela Anatel apenas em fevereiro passado. Não houve a obrigação de vender a SKY.

O leilão das frequências do 5G deve acontecer em 2021, de acordo com afirmação do ministro das Comunicações, Fabio Faria, na última sexta (3). Com a tecnologia de transmissão, a velocidade de internet pode chegar a 1 gigabit – 10 vezes mais que o 4G. Isso permite, entre outras coisas, um streaming de vídeo muito mais rápido e estável, inclusive em resoluções de 4K e 8K.

E o HBO Max?

A Lei do SeAC tem impacto nas plataformas de streaming. Na teoria, ela também vedaria que um mesmo grupo possuísse uma operadora e um serviço de video sob demanda por assinatura. Ou seja, que SKY e HBO Max, que é da WarnerMedia, estivessem no mesmo conglomerado.

No entanto, com a aprovação da Anatel de fevereiro, a ex-Time Warner começou a efetivamente se movimentar para trazer o HBO Max ao Brasil – agora, a previsão é que o serviço chegue ao nosso país antes da Europa, por exemplo.

Além disso, a própria Advocacia Geral da União também esclareceu que, em sua visão, plataformas OTT (over-the-top, outro nome para essa modalidade de serviço) não são iguais à TV paga.

O anúncio do HBO Max, no ano passado (crédito: divulgação / WarnerMedia)

Vale dizer que o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, defende mudanças na Lei do SeAC, derrubando de vez a proibição de propriedade cruzada. Em contrapartida, o futebol é um assunto caro ao presidente (vide a aprovação da chamada MP do Flamengo).

Se os clubes agirem para beneficiar a AT&T para receberem mais dinheiro da Turner, o HBO Max deve ter uma chegada ao Brasil facilitada. Por outro lado, se esses mesmos clubes agirem para retaliar qualquer atitude da Turner, o novo serviço de streaming pode ter uma via crucis pela frente.

Caso a AT&T possa oferecer também serviços de telefonia, isso permitiria ao grupo vender um pacote casado de serviços. Nos EUA, alguns planos da operadora trazem o HBO Max de graça aos consumidores. Ao mesmo tempo, é uma competição que pode ser predatória para plataformas e operadoras não tiverem o mesmo poder de barganha. Justamente o que a Lei do SeAC queria evitar.

Curiosamente, o futuro dos fãs de filmes e séries depende de qual tela a bola do futebol irá rolar. Tudo isso enquanto a pandemia da covid-19 já ultrapassa a marca de 65 mil mortes no Brasil.