“Favela movie” resgata essência e entra em novo momento no cinema nacional “Favela movie” resgata essência e entra em novo momento no cinema nacional

“Favela movie” resgata essência e entra em novo momento no cinema nacional

Filmes como ‘Pacificado’ mostram que não há mais espaço para histórias em que os moradores das comunidades não são seus próprios protagonistas

Matheus Mans   |  
12 de agosto de 2022 11:27
- Atualizado em 15 de agosto de 2022 10:42

Depois de seu ápice com ‘Cidade de Deus‘ e os dois filmes de ‘Tropa de Elite‘, o chamado subgênero “favela movie” nunca mais encontrou sua alma, seu caminho. Nos cinemas, histórias sobre favelas e comunidades exploravam o espaço, mas esqueciam das pessoas. Agora, porém, parece que esse estilo de história tão típico do cinema brasileiro está em outro momento. Apenas em 2022, cinco filmes trouxeram o que há de melhor no “favela movie”: ‘Vale Night‘, ‘Alemão 2‘, ‘Vai dar Nada‘, ‘Barba, Cabelo & Bigode‘ e, agora, ‘Pacificado‘, que chegou aos cinemas nesta quinta, 11.

Premiado no Festival de San Sebastian, o longa-metragem conta a história de Tati (Cassia Gil), uma garota que vive sob tensão em uma comunidade no Rio de Janeiro. A mãe (Débora Nascimento) é viciada em drogas, enquanto o pai (Bukassa Kabengele) era o chefão do morro até sua prisão. Agora, em liberdade, fica a pergunta: ele voltará ao poder?

Favela movie: Débora Nascimento está irreconhecível como uma mãe com vício em drogas (Crédito: Divulgação/Disney)
Débora Nascimento está irreconhecível como uma mãe com vício em drogas (Crédito: Divulgação/Disney)

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Com o cenário da pacificação do morro entrando em xeque com o fim das Olimpíadas de 2016, o longa-metragem vai mostrando essa realidade se abatendo sobre a personagem. É uma história como realmente existe por aí. São várias Tatis não apenas no Rio, como também em São Paulo, Belo Horizonte e por aí vai. O diretor Paxton Winters, apesar de ser americano, entende isso com uma naturalidade louvável. Percebe-se que ele realmente estudou para fazer o filme como deve, morando em uma comunidade carioca por um longo período para entender a rotina e vida das pessoas.

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“Eu morei no Morro dos Prazeres por alguns anos com um grande amigo. Pensamos em fazer alguns curtas, na verdade. Fiz cursos no Haiti para possibilitar que jovens possam fazer filmes para que eles tenham vozes, contando histórias que eles querem contar. Histórias dos moradores, que eles gostariam de contar e ouvir”, explicou o cineasta em entrevista ao Filmelier. “Começou assim. Até que cresceu, cresceu, cresceu e, agora, nós estamos aqui”.

“Favela movie” é sobre pessoas

O que mais chama a atenção nesse novo momento do “favela movie” é como resgatou-se a essência de que são filmes sobre pessoas, não sobre um espaço explorado por terceiros. ‘Pacificado’ é a antítese de ‘Alemão’. Enquanto este último fala sobre pessoas invadindo o espaço da comunidade, causando caos e violência, esta nova produção fala sobre a organização da própria comunidade ao redor de si. Apesar do título que remete à “pacificação” do morro pela polícia, os oficiais quase nunca são vistos. Afinal, são apenas penduricalhos em algo muito maior e mais potente.

“A verdade é que eu nem sabia que existia algo como ‘favela movie’. Assisti ‘Cidade de Deus’ e o seriado ‘Cidade dos Homens’. Não sabia que existia isso. Quando fui atrás dos primeiros parceiros [para ‘Pacificado’], todo mundo falava: ‘não, favela movie não, não queremos isso'”, conta Paxton. “Nossa intenção é contar uma história familiar, real, que não foca em violência, que não foca na polícia, mas que conta a história de pessoas que vivem suas vidas normalmente no meio dessas forças. Meu trabalho, no desenvolvimento, é perguntar e escutar. A história é dos amigos do morro”.

Nesse sentido, ‘Vale Night’ acertou em cheio ao mostrar esses moradores em uma confusão habitual, que poderia ser a história de um filme dos irmãos Coen, dentro do contexto da favela — com seus bailes, músicas e figuras transitando nessa história. São movimentos similares de ‘Vai Dar Nada’, filme exclusivo do Paramount+, e ‘Barba, Cabelo & Bigode’, da Netflix. Falar sobre favela não obriga que se fale necessariamente sobre violência, morte e tráfico. Pelo contrário: os filmes mostram como a vida lá, com muito estilo e pessoas marcantes. As pessoas passam à frente da ação e violência.

Em ‘Alemão 2’, enquanto isso, ainda há a presença de terceiros (no caso, policiais) dentro da comunidade, com a violência sendo a condutora da trama — afinal, é um filme de ação. Mas há uma diferença: os personagens da comunidade são mais reais, ao contrário do primeiro. “O filme foi uma oportunidade de humanizar essas pessoas que existem em nossas vidas”, disse Digão, ator de ‘Alemão 2’, recentemente ao Filmelier.

“‘Cidade de Deus’ inaugurou, de fato, o ‘favela movie’, trazendo uma perspectiva histórica. Só que depois disso, vimos uma oportunidade de falar daquelas pessoas, daqueles lugares. Mas engessou no lugar irresponsável de entrar nas dores, nas questões, no que causa gatilhos e não falar disso de fato. ‘Alemão 2’ veio com a proposta de adotar essa importante responsabilidade”.

Um novo cinema

Com isso, percebe-se que não há mais espaço para filmes como ‘Alemão’ e ‘Trash: A Esperança Vem do Lixo’. Foi-se o tempo em que as pessoas de fora da comunidade mandavam em filmes sobre comunidades. Afinal, de acordo com o Instituto Locomotiva, cerca de 8% da população brasileira vive em favelas. É muita gente em busca de sua história nas telonas, querendo representatividade. Não dá pra apenas colocar o olhar de terceiros nelas: é preciso ter identificação.

“A gente precisa se reconhecer na arte. Seria muito raso levar tudo isso para um lugar de estereótipo. Qualquer pessoa vai assistir e se reconhecer ali”, disse a atriz Katiuscia Canoro ao Filmelier, recentemente, sobre o filme ‘Vai Dar Nada’.

2022 é, assim, o marco de um novo cinema no Brasil. O novo “favela movie”. O país, enquanto isso, ganha mais força na sétima arte. Mesmo dentro de um cinema de gênero, como ‘Alemão 2’, encontra-se espaço para falar sobre o que há de melhor: pessoas. A vida nas favelas é pulsante, acontece a todo o momento, não para. Dá para falar sobre um malandro que faz acordos com motocicletas, sobre a garota vivendo sob a tensão da rotina, sobre um bebê que some em um baile, sobre a senhora abrigando policiais. Ao falar de favela dá para falar de pessoas — e é isso que importa.

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