Muito além de ‘Mortal Kombat’: os problemas nas adaptações dos games para o cinema Muito além de ‘Mortal Kombat’: os problemas nas adaptações dos games para o cinema

Muito além de ‘Mortal Kombat’: os problemas nas adaptações dos games para o cinema

Apesar de altos investimentos em adaptações de videogames, filmes como ‘Mortal Kombat’, ‘Tomb Raider’ e ‘Assassin’s Creed’ não foram bem avaliados

Matheus Mans   |  
20 de maio de 2021 11:02
- Atualizado em 27 de janeiro de 2022 09:07

Parece até maldição: filmes baseados em jogos de videogame simplesmente não funcionam. São títulos como ‘Street Fighter’, ‘Assassin’s Creed’, ‘Tomb Raider’ e ‘Warcraft’ que, apesar do sucesso nos consoles, acabam naufragando na opinião do público e crítica. O mais recente exemplo é ‘Mortal Kombat’, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta (20) e, até aqui, tem 55% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes. 

E esse, vale lembrar, é um dos melhores desempenhos de filmes inspirados em videogames no agregador de opiniões. ‘Assassin’s Creed’, com Michael Fassbender e Marion Cotillard no elenco, amarga 18%. Já ‘Super Mario Bros.’ fica na casa dos 24% de aprovação, enquanto ‘Warcraft’ está apenas um pouquinho acima, na marca de 28%.

‘Warcraft’ tentou reproduzir nas telonas a mitologia do videogame (Crédito: Divulgação/Warner Bros.)

Assim, com isso, logo vem a dúvida: o que causa, exatamente, esse desempenho tão ruim? Por que é tão difícil colocar games nas telonas? Afinal, não dá para dizer que não dá para reproduzir o clima e ambientação desses jogos. Filmes que emulam a pegada de games fazem sucesso, como é o caso de ‘Jogador Número 1’ e ‘No Limite do Amanhã’.

Indo além de ‘Mortal Kombat’: as tramas

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O primeiro motivo para essa dificuldade é um pouco menos óbvio, mas é o que prejudica a maioria dos filmes: a falta de coragem em se afastar do jogo. Roteiristas, geralmente, ficam presos demais ao que já é contado nos games e acabam narrando uma história que se repete. Quem já jogou o game ou pelo menos conhece a história, sentirá que não houve avanços.

Veja ‘Assassin’s Creed’, por exemplo. Os roteiristas Michael Lesslie, Adam Cooper e Bill Collage repetiram muitas informações do jogo e não empolgaram. As novidades na trama não foram suficientes para chamar a atenção e prender o espectador. Em outros casos, enquanto isso, os roteiristas se soltaram demais: como ‘Super Mario Bros.’ e ‘Final Fantasy’. Os dois filmes viajaram demais e não causaram identificação. Não rolou.

‘Super Mario Bros.’ virou espécie de “pérola” de tão diferente que é do videogame (Crédito: Divulgação/Buena Vista Pictures)

“De um lado, a tecnologia está permitindo jogos cada vez mais complexos, imersivos, impressionantes mesmo. Estão se tornando universos ricos. Não dá para levar aquilo ao pé da letra para adaptar para os cinemas”, afirma Arnaldo Bahia, professor especializado em desenvolvimento de games. “É uma coisa que faz sentido em 400 horas de jogo. Não em 2 horas de filme”.

Bahia chama a atenção para um filme, e que já virou uma saga, que conseguiu fazer isso com tranquilidade: a franquia de ‘Resident Evil’. Paul W.S. Anderson, o nome por trás disso, pegou toda a ambientação do jogo e adaptou para um filme que apenas conversa com o game e não repete a história. É algo que funcionou para os fãs do jogo e atraiu novos espectadores que não conheciam a franquia de games — não é à toa que já está chegando no sétimo longa-metragem. Só faltou um bom roteirista e diretor.

Falta de interação

Enquanto o primeiro ponto é contornável, o segundo é a grande barreira: a falta de interação. Veja bem: quando você joga um game, há total controle sobre o que é visto na tela. A pessoa manda e os personagens obedecem. No cinema, não é assim. É um meio de comunicação quente, como diz o estudioso Marshall McLuhan, que exige pouca participação e apresenta tudo pronto na tela. Há, então, uma clara queda no interesse da audiência.

Isso sempre irá frustrar quem já jogou o game, então. ‘Tomb Raider: Origem’ não teve um desempenho tão ruim de crítica e público, por exemplo. Mas em algumas cenas, fica a vontade de levantar da poltrona e ter influência sobre o que está acontecendo. É uma reação quase natural para quem está mais familiarizado com o jogo e que, de alguma forma, estraga a experiência final de quem está do outro lado da tela.

‘Tomb Raider: Origem’ brinca com a fotografia e ângulo de filmagem para mexer com a noção do público (Crédito: Divulgação/Warner Bros.)

“Cinema e videogames possuem linguagens e gramáticas diferentes”, afirma o estudo ‘Videogames no Cinema: um olhar sobre as primeiras transposições’, de Yuri Garcia e Ivan Mussa. “As formas de contar uma história ocorrem de maneiras diferentes em cada mídia. Assim, o roteiro, a decupagem e a montagem dos filmes precisam trabalhar de modo a se apropriar de diferentes linguagens, adequando-as em um produto que consiga apresentar informações referentes à sua própria gramática”.

Para mudar isso, novamente, é preciso se desgarrar da narrativa original — voltando ao primeiro ponto da problemática. Afinal, a pessoa fica apenas familiarizada com o ambiente, mas não sente a vontade de entrar na história e definir ações. Ou, então, o diretor pode investir num formato de filmagem diferente e que dê a impressão de que a audiência participa. Mas é uma saída muito mais complexa — que é vista uma ou outra vez em ‘Tomb Raider’ — e que conta com efeitos limitados. Varia para cada um. 

Atores de videogames

Por último, há um problema intrínseco das adaptações — sejam elas de livros ou de games: a frustração com atores. Afinal, quando você vê um personagem de maneira pouco clara ou totalmente imaginativa, como é nos games ou nos livros, você imagina como ele seria na vida real. Dá até para fazer um exercício de imaginação de quais atores se encaixam melhor em cada papel. Essa, aliás, é a maravilha da imaginação e da criatividade.

No entanto, em grande parte das vezes, esses atores não correspondem totalmente ao que é imaginado e, assim como no segundo ponto aqui levantado, acabam criando uma frustração em quem conhece a produção original. Não há recompensa pelo que está sendo visto na tela. Ou, se até há uma aceitação inicial, ela pode ir se esvaindo ao decorrer da trama. 

Mortal Kombat ganhou sua primeira adaptação nas telonas em um filme de 1995 (Crédito: Divulgação/Warner Bros.)
‘Mortal Kombat’ ganhou sua primeira adaptação nas telonas em um filme de 1995 (Crédito: Divulgação/Warner Bros.)

“Livros e games, de maneiras diferentes e complementares, instigam mais a imaginação do público. Você cria, na sua cabeça, qual o cenário, a ambientação, a cara dos personagens”, diz Bahia, professor. “Quando vem um diretor e quebra aquela sua expectativa, você já fica retraído, frustrado, triste. Por isso, sempre uma boa solução é fazer filmes inspirados naquele universo apenas, e não adaptações diretas. Temos resultados melhores”.

Bahia lembra de ‘Warcraft’, por exemplo. Tentaram criar uma mitologia ao estilo ‘Senhor dos Anéis’. O início do filme é bom, os personagens são satisfatórios. Mas, conforme a trama avança, vai se aproximando cada vez mais do videogame. O resultado foi o que vimos nas telonas, assim como no recente ‘Mortal Kombat’, nos antigos ‘Tomb Raider’ e em ‘Príncipe da Pérsia’ e por aí vai. Falta coragem e ousadia para fazer algo original.

“Os próximos anos certamente trarão muitas novidades na área tecnológica”, diz o estudo “Uma Análise da Interface Cinema/Videogame”, de Nilson Luiz Rosa Lopes e Luis Fernando Rabello Borges. “Certamente o universo compreendido pelos videogames e o cinema ainda oferecerão muitas possibilidades. Se o game é o próximo passo na evolução do cinema, só o tempo dirá. Com certeza estamos ainda muito distantes de um Game Over, mas talvez já estejamos nos aproximando de um The End.”

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