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‘Galeria Futuro’ se vale da comédia para falar sobre gentrificação e futuro do cinema

‘Galeria Futuro’, longa-metragem que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 18, começa com uma situação que ocorre cada vez mais nas grandes cidades brasileiras. Uma galeria de rua no Rio de Janeiro, tradicional da região, está prestes a fechar as portas. Ficou difícil arcar com os custos e o pastor de uma igreja evangélica topou pagar pelo imóvel.

É, assim, um filme que dá seu primeiro passo no terreno da gentrificação. Para conduzir essa história, quatro personagens: Valentim (Marcelo Serrado), Kodak (Otávio Muller), Eddie (Ailton Graça) e Paula (Luciana Paes). São comerciantes dentro dessa galeria e entram em absoluto desespero ao receber a notícia dessa venda. Passado, presente e futuro se chocam.

Diretores Afonso Poyart e Fernando Sanches ao lado de Ailton Graça e Marcelo Serrado em ‘Galeria Futuro’ (Crédito: Divulgação/H2O)

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“Esse projeto nasceu com Marcelo Serrado, Otávio Müller e Lúcio Mauro Filho. Logo pensei: ‘que projeto original e diferente para contar as histórias das galerias decadentes do Rio”, diz o diretor Afonso Poyart, conhecido por ‘2 Coelhos’ e ‘Mais Forte que o Mundo’. “São personagens que também são decadentes e que são confrontados com essa necessidade de evoluir”.

História de ‘Galeria Futuro’

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A partir daí, inicia-se uma comédia de situação digna dos irmãos Coen. O quarteto começa a empacotar as coisas em suas lojas até que encontram uma droga antiga guardada ali. Está vencida, aparentemente, mas tudo bem. Ela funciona e faz a pessoa fazer uma viagem por sonhos, idealizações. É aí que passam a vender a droga para comprar a galeria.  Neste momento, começam as mais típicas confusões de uma história do tipo. O traficante Mesbla (Milhem Cortaz), por exemplo, entra no meio da história, exigindo pagamento por conta da “boca” que o quarteto abriu sem permissão prévia. Toda essa trama é tratada com muita leveza e graça, fruto de uma relação próxima e muito amigável do elenco principal. Havia espaço, inclusive, para improvisação e criação. “Às vezes, a gente tava quase terminando a cena e o Otávio vinha e perguntava se podia fazer a cena deitado no chão, cortando a unha do pé. Isso é uma coisa que eu gosto de fazer, deixar os atores soltos no cenário. Eles ocupavam bem esse espaço nesse sentido”, afirma Fernando Sanches, também diretor do filme.

Evolução

Com essa mistura de ideia criativa, boa direção e elenco afinado, nascem também novas interpretações para a história. A mais evidente, e confirmada por Poyart durante a coletiva de imprensa, é que a situação da Galeria Futuro também se associa com a história dos cinemas de rua das grandes capitais nos últimos anos, transformados em grandes igrejas. Na trama, Fernando e Afonso trazem alguns símbolos interessantes para complementar essa metáfora e a metalinguagem entre a situação de uma galeria carioca com os cinemas brasileiros. Valentim trabalha em uma locadora, Kodak é dono de uma boutique de revelação de fotos e Eddie é dono de uma loja de mágica. Paula é cabeleireira e, ainda, subcelebridade.
São, cada um da sua forma, símbolos da própria sétima arte: a cinematografia, os efeitos especiais, os exibidores, a pré-produção. Além disso, já no final do filme, entram ainda mais elementos que mostram como ‘Galeria Futuro’ diz muito sobre o cinema em si. Há homenagens e recriações de cenas clássicas do cinema mundial, como ‘Kill Bill’, ‘Esqueceram de Mim’ e ‘Matrix’. “Há, também, muito de ‘Os Trapalhões’ neste filme”, comenta Otávio Müller durante a coletiva. “[O filme trata da] inadaptação e a inadequação do espaço social. Eram pessoas que não eram adequadas nessas modernidades. Eles eram a galeria, eles eram quatro personagens ultrapassados e presos nesse looping do tempo lá atrás. O roteiro contempla isso. A personagem da Lu tá voltando para o passado, não voltando para o futuro”, afirma Ailton.

Espaço de ‘Galeria Futuro’

Mas independente de ser um filme sobre personagens que não se encaixam, sobre cinema ou sobre a modernidade avançando sobre o espaço, não adianta: é um testamento contra a gentrificação. Tudo bem que o trio de protagonistas homens é exageradamente preso no passado. Só que fica o questionamento: até que ponto vai essa desapropriação? Um espaço social como a galeria, que reunia pessoas nas ruas das cidades, some. Será que esse é realmente um futuro positivo? “Tem hora que a coisa da grana vai atropelando, é uma coisa desesperadora. A especulação imobiliária é violenta. Não sei mais se precisa construir tanta coisa que hoje é construída”, explica Otávio Müller, com ares de resistência, durante a coletiva de imprensa do filme, com presença do Filmelier.
Bastidores de ‘Galeria Futuro’ sob o comando dos diretores Fernando Sanches e Afonso Poyart (Crédito: Divulgação/H2O)
Some, assim, o espaço de convivência do bairro, da rua, da cidade. Somem símbolos, vozes, sons. Durante a própria coletiva, por exemplo, um momento divertidíssimo: quando o diretor Fernando Sanches começou a falar, surge um grito alto. “Olha o vassoureiro!”. Risos na coletiva — Müller logo diz para substituir Marcelo Serrado, travado no vídeo, pelo homem vendendo vassouras na rua da casa de Fernando. É um som que também some conforme os grandes condomínios tomam conta, os muros sobem. O cinema, assim, se reafirma como um ponto de resistência para tudo. Para a arte, para a gentrificação, para a vida. “A arte segurou a onda durante essa Terceira Guerra Mundial, enquanto ainda a gente tinha esse governo destruidor, trator. É lugar-comum: ir ao cinema é resistência mesmo. Por isso os artistas são atacados por essa gente louca. Nosso filme vem pra somar, não tenho dúvidas”, finaliza um confiante Otávio Müller.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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