Conheça a história real que inspirou ‘Nem um Passo em Falso’, novo filme do HBO Max Conheça a história real que inspirou ‘Nem um Passo em Falso’, novo filme do HBO Max

Conheça a história real que inspirou ‘Nem um Passo em Falso’, novo filme do HBO Max

O documento que é a grande motivação do novo filme é muito mais do que um simples elemento de roteiro – tem, por trás, uma crítica ao capitalismo corporativo

5 de julho de 2021 10:03
- Atualizado em 12 de julho de 2021 23:13

Steven Soderbergh adora, em seus filmes, trazer críticas ácidas ao capitalismo e ao materialismo – é assim em produções como ‘A Lavanderia‘, ‘High Flying Bird‘ e ‘Erin Brockovich‘, só para ficar em três exemplo. Agora, o diretor retoma o assunto em ‘Nem um Passo em Falso‘, novo longa-metragem estreou no HBO Max na última semana.

Desta vez, o cineasta cria um thriller noir para tocar o dedo na ferida da indústria automobilística, enquanto entra em uma teoria da conspiração que deve ter deixado outro diretor, Oliver Stone, com inveja.

Cuidado, a partir daqui este texto traz spoilers (revelações) da trama de ‘Nem um Passo em Falso’.

Ainda não viu ‘Um Passo em Falso’? Clique aqui e encontre mais informações sobre o filme, incluindo trailer e link para assistir online.

Em Nem um Passo em Falso, Steven Soderbergh usa um elemento de roteiro para tecer crítica ao capitalismo agressivo (Foto: divulgação / Warner Bros.)
Em ‘Nem um Passo em Falso’, Steven Soderbergh usa um elemento de roteiro para tecer crítica ao capitalismo agressivo (Foto: divulgação / Warner Bros.)

Publicidade

Na história do novo longa-metragem, os personagens Curt Goynes (Don Cheadle), Ronald Russo (Benicio del Toro) e Charley (Kieran Culkin) são contratados por Doug Jones (Brendan Frasier) para chantagear Matt Wertz (David Harbour) para que ele roube do chefe, em uma fábrica da General Motors, um importante documento. É a partir disso que desenrolam todos os desencontros da trama.

Já no último ato do filme, descobrimos junto com Curt e Ronald que o tal documento é o projeto para o conversor catalítico – o famoso catalisador, hoje presente nos escapamentos de todos os carros.

Afinal, o que é o catalisador?

Ainda que haja uma rápida explicação na tela ao final da história, certamente boa parte do público se pergunta: “por que tanto confusão por causa de um projeto para uma peça de escapamento?”. Porém, é muito mais do que isso.

Em suas primeiras décadas de existência, o carro já havia se expandido muito pelo mundo e, principalmente, pelos EUA. No período de bonança após a Segunda Guerra Mundial, grandes automóveis entraram de vez para o sonho americano, impulsionando ainda mais o consumo. Em algumas regiões, como na Califórnia, os carros passaram a dominar as paisagens.

Acontece que isso trouxe, junto, o aumento da poluição. Não havia qualquer legislação ambiental, o combustível era de baixa qualidade e os carros jogavam no ar uma grande quantidade de monóxido de carbono, um gás altamente tóxico.

Já nos anos 1930 começaram estudos sobre o impacto da poluição na Califórnia e em outros lugares. Nessa mesma época, o engenheiro mecânico francês naturalizado americano Eugène Houdry criou a mecânica por trás do catalisador. Em meados dos anos 1950, o inventor patenteou o conversor catalítico para os motores a gasolina.

Don Cheadle é um dos protagonistas de Nem um Passo em Falso (Foto: divulgação / Warner Bros.)
Don Cheadle é um dos protagonistas de ‘Nem um Passo em Falso’ (Foto: divulgação / Warner Bros.)

Basicamente, a peça, que fica presente na parte final do escapamento dos carros, combina o poluente monóxido de carbono com oxigênio, produzindo água e dióxido de carbono – que é muito menos tóxico, ainda que contribua para o aquecimento global.

Nessa mesma época, as agências federais e californianas de proteção ambiental já estavam apertando o cerco em relação às altas emissões de poluição e questões de falta de segurança nos carros fabricados pelas quatro grandes fábricas americanas do setor: General Motors, Ford, American Motors e Chrysler.

Elas, historicamente, sempre foram contra qualquer regulamentação do tipo – muito porque isso aumentaria os custos de pesquisa e produção.

No entanto, as agências reguladoras foram avançando até que, em 1975, todos os carros vendidos nos Estados Unidos passaram a ter obrigatoriamente a presença do catalisador.

Como ‘Nem um Passo em Falso’ se encaixa nisso?

‘Nem um Passo em Falso’ é, obviamente, uma peça de ficção. Quase nada ali, tirando apenas a existência do catalisador e os nomes das marcas de carro, é verdade. Em um primeiro momento, inclusive, pouco importa o que há no tal documento desejado pela tal máfia de Detroit. Trata-se de um dispostivo de roteiro, chamado de MacGuffin.

Brendan Frasier segunda o "MacGuffin" de Nem um Passo em Falso (Foto: divulgação / Warner Bros.)
Brendan Frasier segunda o “MacGuffin” de ‘Nem um Passo em Falso’ (Foto: divulgação / Warner Bros.)

Um MacGuffin é, basicamente, um objeto que é a grande motivação dos personagens, mas que, na maioria dos casos, não que tem pouca explicação na narrativa. Ele está ali, de forma simplista, apenas para criar a ação da história, além de revelar a verdadeira face dos antagonistas.

Alfred Hitchcock foi o mais famoso adepto dessa técnica, mas ela também está presente em roteiros de George Lucas (como na série ‘Indiana Jones’) e Quentin Tarantino (a tal mala com luz amarela em ‘Pulp Fiction‘), entre outros cineastas.

Acontece que, em ‘Nem um Passo em Falso’, o MacGuffin ganha contornos de crítica ao capitalismo corporativo. E, ao final, descobrimos que a tal da máfia era a própria indústria automobilística.

É que enquanto as quatro grandes fabricantes queriam esconder o catalisador do mundo, evitando assim que fossem obrigadas a implementá-lo, a Studebaker, concorrente que sofria com uma grande crise financeira, queria colocar as mãos no projeto para pressionar os adversários.

Da mesma forma que o público que assiste ao filme pouco se importa com o tal documento, o seu objetivo final – o de salvar incontáveis vidas – pouco tem relevância para os personagens que o querem, dentro da trama.

Para culminar com essa crítica, enquanto personagens morrem ou ficam com muito pouco dinheiro, é a grande indústria automobilística que ganha ainda mais com a confusão.

Mesmo que, na vida real, o catalisador nunca tenha ficado escondido no cofre de uma grande fabricante de carros, essa é uma bela metáfora, Soderbergh.

Bela metáfora.

Siga o Filmelier no FacebookTwitterInstagram e TikTok.