Filmes

‘Pleasure’, a exposição do olhar masculino na indústria pornográfica

Relações sexuais entre lésbicas, trios com negros, asiáticos, twinks (homossexuais que parecem adolescentes ou crianças), femboys (homens com roupas classificadas como “femininas”) e sexo sem proteção, foram os conteúdos preferidos dos usuários do Pornhub em 2021. Enquanto isso, a porcentagem de homens que consomem pornografia ainda é muito maior do que a de mulheres.

A pesquisa da cineasta Ninja Thyberg para seu primeiro longa-metragem, ‘Pleasure‘, foi muito além das buscas na internet. No entanto, o filme toca em preconceitos sobre o que parecem ser os principais interesses dos consumidores de pornografia.

Tanto Thyberg quanto Sofia Kappel, a estrela do filme que também debuta com este longa, visitaram os sets de filmagem pornô em Los Angeles. Mais do que entender como o negócio funciona, elas tentaram perceber os sentimentos de cinegrafistas, atores, atrizes e aqueles que manipulam as engrenagens da indústria a partir de uma posição de poder.

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‘Pleasure’ – que chegou ao streaming da MUBI em 17 de junho – conta a história de uma sueca de 24 anos que se muda para a cidade de Los Angeles sob o pseudônimo de Bella Cherry para iniciar sua carreira como atriz pornô. Quando começa a filmar suas primeiras cenas e sessões de fotos para divulgar seus filmes, sente-se assustada e nervosa, mas aos poucos aprende a se preparar para cada cena – lavando a vagina, por exemplo –, se promove nas redes sociais para ganhar mais seguidores e aceita cenas cada vez mais violentas.
Sofia Kappel é a protagonista de ‘Pleasure’ (Crédito: Divulgação/MUBI)

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Para Sofia Kappel, em entrevista à Nylon, ‘Pleasure’ “é um filme que vai além da indústria pornográfica”, já que, para ela, trata-se também de patriarcado e capitalismo. Penso que é verdade até certo ponto, que de uma forma ou de outra muitos jovens viveram experiências semelhantes em suas próprias profissões e isso faz com que a gente se identifique com as reações e emoções da protagonista. Embora possa ser difícil entender Bella Cherry – porque, às vezes, ela mostra sua raiva em relação à indústria e outras vezes ela força seus próprios limites para continuar crescendo nela – é muito claro que ela tem um desejo intenso de transcender. E isso, me parece, é um desejo comum de muitos jovens que estão começando a vida profissional: a angústia de ter tudo o que precisam para ser “um dos melhores”.

O falso consenso entre a indústria e as atrizes pornô

‘Pleasure’ se destaca entre outros filmes de ficção sobre a indústria pornô por tocar em um assunto pouco ou nada discutido até agora: o consenso entre atrizes e estúdios de cinema pornô. Grande parte da trama é dedicada ao assunto: observamos o protocolo para a entrada de uma nova atriz e as condições que ambas as partes devem concordar em vários pontos do filme. De forma sutil – sem deixar de ser cômico – os cinegrafistas e produtores moldam as decisões de Bella durante as negociações. É bem evidente que todos os homens com quem a atriz deve negociar sabem como convencer as novas integrantes a continuarem na indústria pornô e aceitem participar de cenas cada vez mais violentas (e comercializáveis). No filme, os homens que interpretam os atores pornôs estão realmente envolvidos e sua atuação em ‘Pleasure’ é uma prova irrefutável de seu talento e capacidade de interpretar personagens complexos. Eles carregam grande parte da responsabilidade de transmitir o cinismo de um acordo falso, e o fazem de maneira altamente autêntica. De sua parte, Kappel “começou sua carreira de atriz com o papel mais difícil que poderia desempenhar”, em suas próprias palavras. Além de se mostrar nua – processo complexo devido ao transtorno dismórfico corporal – ela teve que interpretar Bella em várias facetas: a jovem animada para iniciar sua carreira na indústria pornô, a nervosa Bella filmando seus primeiros filmes “adultos”, a garota ambiciosa para se tornar uma estrela pornô e a jovem que replica a violência que exerceram sobre ela.
‘Pleasure’ é “um filme que vai além da indústria pornô” (Crédito: Divulgação/MUBI)
Em cada um deles é notável que a pesquisa para o seu papel valeu a pena. A atriz chegou a dizer que muitas pessoas dedicadas ao cinema pornô entraram em contato com ela para dizer que ‘Pleasure’ realmente retrata seu dia a dia na indústria. ‘Pleasure’ dificilmente poderia ser classificado no gênero de comédia porque o humor é moderado (mas muito preciso). Há poucas cenas com uma atmosfera meramente cômica, mas as ações dos homens da indústria são tão descaradas que são risíveis. Além disso, é um humor que exibe o machismo de seus personagens. “Eles não lavam a vagina na Suécia?” diz um deles em uma cena do filme onde Bella não sabe para que servem o spray e o frasco de ducha vaginal. Essa mesma cena também nos ajuda a vislumbrar a desigualdade de proteção entre atores e atrizes. Enquanto elas devem fazer uma lavagem vaginal para “estar limpinha” para os atores, os mesmos, por sua vez, não passam por nenhum tipo protocolo sanitário. ‘Pleasure’ te faz chegar a reflexões sobre desigualdade entre homens e mulheres, racismo e violência dentro da indústria e muitas outras coisas, porém não se posiciona dentro de nenhum debate. Mas mostra o que Ninja Thyberg aprendeu sobre a posição da mulher no cinema pornô durante seus 20 anos como ativista feminista contra a pornografia.

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Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

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Susana Guzmán

Susana Guzmán é jornalista especializada em cinema e entretenimento. Escreveu e foi editora de publicações como Cine PREMIERE, Cultura Colectiva e Deforma. A trajetória de redação criativa continua agora no Filmelier.

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