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“Lidar com solidão é uma arte fundamental”, diz Tony Ramos

Ao entrar na chamada de vídeo para a entrevista com Tony Ramos, era impossível conter o frio na barriga. Afinal, o ator é mais do que um nome ou um artista. É quase uma instituição. Desde filmes como ‘Se Eu Fosse Você’ e até novelas como ‘Torre de Babel’, ‘Passione’ e ‘Belíssima’, Tony mostrou que é versátil e que passa verdade com os seus personagens, seja um grego ou um descendente de italianos que comanda um restaurante no bairro do Bixiga.

Este último personagem, aliás, é o protagonista de ‘45 do Segundo Tempo‘, estreia nos cinemas na última quinta-feira, 18. Dirigido por Luiz Villaça (‘De Onde Eu Te Vejo’), o longa-metragem conta a história de Pedro (Tony), um homem solitário que decide tirar a vida após encontrar dois amigos da escola (Ary França e Cássio Gabus Mendes). Só que ele quer esperar algo acontecer antes: o Palmeiras se tornar campeão brasileiro enquanto também viaja ao passado.

Pedro (Tony Ramos) ao lado de sua cachorrinha Calabresa, a única companheira (Crédito: Divulgação/Paris Filmes)

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É um filme sobre amizade, solidão, futebol, boa comida, dificuldades. Sobre memória. Afinal, Pedro entra em parafusos quando não entende o caminho que fez, tampouco ao pensar no que era — e no que se tornou. Para desenvolver o personagem, Tony empresta verdade, fincado em um roteiro natural. “Tudo ao redor está desmoronando. Como recuperar a alma?”, questiona Tony, sobre o seu personagem no filme, em entrevista por vídeo para o Filmelier.

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A seguir, confira o bate-papo completo com Tony Ramos. Ele fala sobre ’45 do Segundo Tempo’, cinema, palavra, amizade e solidão, com uma resposta que é quase um poema, um tratado sobre o que é viver e ser solitário.

Filmelier: Tony, já fazia algum tempo que você não atuava em um filme. A última vez como protagonista foi em ‘Quase Memória’, do Ruy Guerra, em 2016. Depois fez uma participação em ‘Chocante’, em 2017. O que te fez voltar aos cinemas? O que te atraiu em ’45 do Segundo Tempo’?

Tony Ramos: O roteiro, a palavra, o texto, a ideia. O que me atrai sempre é a palavra. Não adianta procurar malabarismos para te responder. É a palavra, o texto. O que me atrai é a palavra. Vou procurar contar a piada mais objetiva ou óbvia ou clara possível, mas ela tem que vir acompanhada de algo que inquiete aquele que está me assistindo ou ouvindo. Então o que me atraiu inicialmente foi o roteiro. A partir daí, a gente foi conversando, fomos marcando as reuniões. Fiquei muito empolgado com o filme. Mas agora, com o roteiro “mastigado”, percebi a importância dele com relação à discussão sobre amizade, a discussão sobre esse reencontro desses amigos que ele achava que estavam perdidos. Ele é surpreendido em cada recordação. Ele começa a beber dessa fonte e, em um momento muito ruim, toma uma decisão muito difícil: acabar com a própria vida. Afinal, o único afeto que ele tinha era uma cachorrinha, chamada Calabresa, e consequentemente ele vê que o diálogo da vida passa por ela, enquanto tudo ao redor está desmoronando. Como recuperar a alma? Aí sim tive uma grande personagem nas mãos.

Filmelier: Qual a importância que você vê nessas discussões sobre amizade, sobre solidão, sobre esse resgate de uma pessoa que tem tudo ao seu redor, mas que está se sentindo sozinho?

Tony: É uma importância terapêutica, muitas vezes. Evidente que não tenho a petulância de achar que um filme vai ter a função que um terapeuta teria com um ser humano. Óbvio que não. Mas acho que o filme pode exercer essa função terapêutica no coletiva, principalmente quando celebra. Cinema tem essa possibilidade. Só ele. A arte pode ser transformadora, e sempre será. Não vai mudar o mundo, mas vai fazer refletir sobre esse mundo. E no cinema, quando você tem um espaço coletivo… Imagine-se agora no cinema. Não em sua sala, assistindo a um bom filme em um bom serviço de streaming. Não. Pense em uma sala de cinema. Está assistindo. Feche os olhos. Desfrute daquele momento em comunhão. Afinal, aquilo é uma comunhão, uma celebração. Quando isso acontece e você tem uma bela história, com uma reflexão que se torne coletiva, é o momento que a arte ganha o que nós chamamos de “a grande alegria dos deuses”. É quando faz um “uau”. E esse “uau”, acho que ’45 do Segundo Tempo’ me deu. Quando acabaram as gravações, abracei meu diretor e disse pra ele, meio baixo e meio alto: “nós temos na mão uma pérola, uma linda pérola com esse filme”. A vida correu, fiz mais uma novela, veio a danada da pandemia. Não sabíamos quando seria possível a estreia, passa 2021, agora não, veio recaída. E o filme lá, dentro de nossas cabeças, latente… Quanto mais eu falo sobre ele, quanto mais eu ouço sobre ele, quanto mais eu lembro sobre ele, tenho certeza dos impactos do filme.

Filmelier: Por fim, Tony, como você lida com a solidão?

Tony: Cada um tem um jeito. Tem gente que lida bem. A minha solidão é geralmente preenchida pela leitura. Sou muito cercado por livros. Estava relendo agora ‘Meu Último Suspiro’, do Luis Buñuel. É uma autobiografia, mas ele preenche o livro até com receitas de dry martini. Li na década de 1980, mas é um livro saboroso. Preencho a solidão com isso, com a natureza, já que moro em casa. Preencho minha solidão também com boa música, filmes e, de repente, chamo a minha companheira para sair. É a hora de dar um gás. Já estamos voltando ao teatro, ao cinema. Lidar com solidão é uma arte fundamental, não em extinção. Analise-se sempre e olhe sempre para o seu umbigo. Goste-se. Parece um verbo fácil, dito assim, mas gostar-se é muito bom.

‘45 do Segundo Tempo’ está em cartaz nos cinemas. Clique aqui para comprar ingressos e encontrar mais informações.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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