Roteiristas de Hollywood entram em greve após fracasso em negociações Roteiristas de Hollywood entram em greve após fracasso em negociações

Roteiristas de Hollywood entram em greve após fracasso em negociações

Com paralisação, já é esperado que programas de TV, filmes e séries tenham suas gravações interrompidas

Matheus Mans   |  
2 de maio de 2023 09:51

É oficial: já a partir desta terça-feira, 2 de maio, milhares de trabalhadores filiados ao Sindicato dos Roteiristas da América (WGA, na sigla em inglês) entram em greve em todo o território dos Estados Unidos. A decisão ocorre após o fracasso das negociações por aumentos salariais com estúdios de produção, como Walt Disney e Netflix.

Com cerca de 150 mil membros, a organização de roteiristas – que atende pelo nome oficial de Aliança Internacional de Funcionários de Palco Teatral, Técnicos de Cinema, Artistas e Artesões Aliados dos Estados Unidos, seus Territórios e Canadá, da sigla IATSE em inglês – deve causar um forte impacto na indústria cultura norte-americana com a paralisação. Afinal, todas as filmagens para filmes e séries dependem desses profissionais.

Já é esperado que programas de entrevistas, por exemplo, suspendam as gravações imediatamente. Reality shows também devem ser afetados no primeiro momento — afinal, por mais que não pareça, eles contam com muitos roteiristas para determinar o passo a passo das ações dos participantes de acordo com o ritmo do programa. Depois, caso o impasse não seja resolvido rapidamente, estúdios devem atrasar o lançamento de filmes e séries.

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A última vez que Hollywood enfrentou uma greve de grandes proporções foi entre 2007 e 2008, com os cerca de três meses de paralização dos membros do Sindicato dos Roteiristas. Na época, diversas produções foram afetadas.

Qual o motivo da greve de roteiristas de Hollywood em 2023?

Desta vez, o principal ponto de discussão entre roteiristas e estúdios está na questão do salário. Os profissionais alegam que foram prejudicados por conta do crescimento do streaming nos últimos anos — afinal, são temporadas de TV mais curtas com pagamentos residuais menores. Além disso, há uma forte discussão sobre o o uso de inteligência artificial. O sindicato quer uma garantia para que os estúdios não usem o recurso para criar scripts a partir de trabalhos anteriores, ou que os escritores revejam rascunhos criados por IA.

Greve dos roteiristas, em 2007
Greve dos roteiristas, em 2007 (Crédito: Flickr / Amber Baldet / John Edward)

“As respostas dos estúdios às nossas propostas foram totalmente insuficientes, dada a crise existencial que os escritores estão enfrentando”, afirma um comunicado publicado pela WGA.

Enquanto isso, a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMTPT, na sigla em inglês), que representa alguns estúdios como Walt Disney e Netflix, afirmou que ofereceu “aumentos generosos” durante a negociação. Além disso, alegou que, entre os principais pontos de discórdia, estavam propostas que “exigiriam que uma empresa contratasse um certo número de escritores para um programa por um período de tempo especificado, seja necessário ou não”.

Histórico da IATSE

Essas demandas, além desse desgaste na relação entre IATSE e AMTPT, não é de agora. O IATSE é um um dos sindicatos mais antigos na América do Norte, tendo sido criado em 1893 para representar os contrarregras do teatro. Desde então, expandiu a sua atuação, abraçando profissionais das indústria de cinema e televisão, de shows musicais, feiras e muito mais.

Além de profissionais mais técnicos, como eletricistas, engenheiros de áudio e operadores de iluminação e câmera, a organização representa gerentes de palco, editores e até coordenadores de roteiro e diretores de arte. São trabalhadores nos mais diversos pontos da produção de um produto audiovisual.

O coordenador de roteiro, por exemplo, é o responsável por cuidar de cada versão do roteiro, revisando erros, fazendo anotações, cuidando da continuidade e até se está tudo ok com o departamento jurídico. Além disso, faz a ponte entre a sala dos roteiristas e quem está no set, efetivamente gravando.

Nos últimos anos, os membros da IATSE se viram ainda mais pressionados com a chegada do streaming. O volume de produções cresceu, porém o tempo de produção diminuiu, junto com o advento das temporadas menores.

A Netflix (e o streaming) como a conhecemos está morta; vida longa à Netflix
Relação com streaming é um dos principais pontos de atenção na greve de roteiristas (Crédito: Netflix)

Isso criou um ambiente onde o ritmo de filmagens é frenético, com muitas horas de trabalho, enquanto os membros do IATSE se vêm obrigados a trocar de emprego em espaços de tempo cada vez menores. Se antes ficavam nove, fez meses gravando uma série para TV aberta, hoje ficam três em uma produção da Netflix, por exemplo.

Como a greve de roteiristas afeta a indústria de filmes e séries?

A paralisação terá um grande efeito no que está sendo produzido nos Estados Unidos. Sets de cinema e parte dos de televisão vão parar.

No entanto, a greve não afetará produções no exterior, transmissões esportivas, nem gravações locais para o que é chamado de “TV paga” (incluindo produções de Cinemax, HBO, Showtime e Starz) por haver um acordo separado com essas organizações. Gravações de videoclipes e as peças teatrais também não entram.

De qualquer forma, seria um baque grande para a indústria como um todo – que vem de um período de recuperação após a crise de covid-19 e que, agora, irá interromper gravações. Vale dizer que, além do atraso natural no lançamento de filmes e séries, essa interrupção forçada também afeta o bolso dos executivos, que precisarão rever todo o planejamento de produção.

Outras greves em Hollywood

A greve mais conhecida é dos roteiristas, que ocorreu entre 5 de novembro de 2007 e 12 de fevereiro de 2008. Na época, o sindicato da categoria demandava uma parte maior das receitas dos grandes estúdios, principalmente – veja novamente o nome aparecer – nas chamadas “novas mídias”, incluindo streaming.

As repercussões incluíram séries que tiveram temporadas menores ou reutilizaram roteiros antigos, talk shows que foram ao ar sem monólogos de abertura, e filmes que foram ou atrasados ou foram rodados sem ter um roteiro efetivamente pronto.

Roteiristas de Hollywood entram em greve em 2007
Comício do Sindicato dos Roteiristas durante a greve de 2007 (Crédito: Flickr / Amber Baldet / John Edward)

Depois de um pouco mais de três meses, os dois lados entraram em acordo sobre as receitas dos programas e filmes, encerrando a paralização.

Outras greves de roteiristas ocorreram em 1988 (por 22 semanas), em 1985 (por duas semanas) e em 1981 (outros três meses). Em 1987, os diretores pararam por apenas três horas.

Já a última possibilidade de greve, que não se concretizou, foi em 2021 – quando mais uma vez os roteiristas exigiram maiores receitas das produções para o streaming. Na época, um novo acordo foi feito.

Mais uma vez, a mudança na forma como consumimos conteúdo impacta na indústria do entretenimento – e, por fim, na relação de empregados e empregadores. Como vemos, até aquela inocente comédia que você assiste na Netflix tem desdobramentos no mundo…

Parte das informações contidas neste textos foram retiradas da publicação de 2021 do Filmelier sobre a possibilidade de paralisação naquela época. Confira.

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