‘A Crônica Francesa’: a camisa de força de Wes Anderson ‘A Crônica Francesa’: a camisa de força de Wes Anderson

‘A Crônica Francesa’: a camisa de força de Wes Anderson

O novo filme do cineasta, que acaba de chegar aos cinemas, mostra os limites de seu estilo

Lalo Ortega   |  
19 de novembro de 2021 20:28
- Atualizado em 22 de novembro de 2021 11:17

“Apenas tente fazer parecer que você escreveu dessa forma de propósito”, diz Arthur Howitzer Jr., editor da fictícia publicação A Crônica Francesa, interpretado por Bill Murray (‘Ghostbusters’) no filme homônimo, o mais recente do cineasta Wes Anderson – e que chegou aos cinemas brasileiros nesta semana.

O aforismo é irônico, já que tudo, absolutamente tudo, é feito propositalmente em um filme de Wes Anderson. A ironia em si é um dos elementos frequentes na receita reconhecível de cores pastéis, composições milimetricamente calculadas, diálogos impassíveis e elencos de personagens sentimentalmente frustrados em situações absurdas.

Muita tinta já correu sobre o quão identificável é o estilo do diretor texano: alguns segundos de qualquer cena são suficientes para perceber que estamos assistindo a um de seus filmes. Porém, se ‘A Crônica Francesa’ confirma algo, é que seu estilo característico também começa a se transformar em uma camisa de força.

Bill Murray em uma redação simetricamente enquadrada, com uma máquina de escrever, telefones antigos e cores pastéis por toda parte, é específico do estilo de Wes Anderson (Crédito: Divulgação/20th Century Studios)

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Uma camisa, aliás, em que o diretor parece se sentir tão confortável quanto em seus costumeiros ternos de tweed. “Em nenhum momento me importei se o filme que fiz era mais popular do que o anterior”, disse Anderson sobre o livro dedicado a ele na série ‘Close-Ups’ da revista Little White Lies. “É realmente apenas fazer a mesma coisa que venho fazendo há anos, apenas em uma nova história.”

No entanto, não é que seu novo filme não traga novos jogos narrativos com o uso das cores – traz. Porém, é inevitável pensar que, em alguns casos, as graças, hobbies e obsessões do diretor podem acabar atrapalhando o resultado final de suas produções.

Mas elas são, sim, lindas de se ver.

Memórias em preto e branco

‘A Crônica Francesa’, décimo longa-metragem do texano, é uma homenagem ao jornalismo de outrora inspirado na revista The New Yorker, e abre com um dispositivo narrativo que já havíamos visto em sua filmografia. A história (ou histórias, como veremos mais tarde) vai desde a redação do suplemento de mesmo nome baseado na França até meados do século 20, e começa sob o pretexto da morte de seu editor, Arthur Howitzer Jr. (Murray).

‘O Grande Hotel Budapeste’, filme de Anderson lançado em 2014, começa de forma semelhante, quando uma mulher visita o cemitério onde repousa o seu autor preferido, sobre o qual carrega um livro.

Este livro, por sua vez, é escrito pelo personagem interpretado em flashback de Jude Law (‘O Talentoso Ripley’), a partir da história contada pelo proprietário do hotel homônimo, em outro flashback do anterior.

Essa estrutura ajuda a dar ao filme o ar nostálgico tão típico da filmografia de Anderson: desde o início, sabemos que tudo o que veremos é passado, mas lembrado com carinho pelos personagens melancólicos do presente.

‘A Crônica Francesa’ adota uma estratégia semelhante, e também emprega a divisão capitular típica de outros filmes do cineasta. Só que desta vez, os capítulos não fazem parte de uma narrativa linear, mas são histórias independentes umas das outras, publicadas na publicação-título. Cada um, por sua vez, inclui seus próprios saltos no tempo e no narrador, oscilando entre seus protagonistas, as fontes que os relatam e os jornalistas que os citam.

Imagens para lembrar em cores (Crédito: Divulgação/20th Century Studios)

Esta produção, aliás, tem a particularidade de ser a primeira com segmentos consideráveis ​​da fotografia a preto e branco, numa filmografia marcada pela abundância de tons pastéis. No novo filme de Wes Anderson, o passado se desdobra em escalas de cinza, enquanto o presente aparece em seus esquemas de cores habituais.

Isso destaca as poucas exceções em que o passado é banhado de cores: momentos-chave em que os personagens testemunham uma revelação, como enfrentar uma obra-prima da pintura que mudará a história da arte, ou o olhar de Saoirse Ronan (‘Adoráveis Mulheres’) como único indício de compaixão por um personagem sequestrado.

Os saltos entre a cor e o preto e branco não são um recurso particularmente ousado ou original (outros diretores os usaram de maneiras mais engenhosas), embora possam parecer, considerando o papel crucial que as paletas de cores desempenham nos filmes de Wes Anderson.

‘A Crônica Francesa’: a antologia Andersoniana

O outro elemento que o cineasta traz à tona nesta ocasião é a já mencionada estrutura antológica. No entanto, este aspecto é, talvez, o que menos funcione.

O que não tem nada a ver com os atores que o trazem à vida. O elenco está repleto de colaboradores de alto nível que frequentaram a filmografia de Anderson, embora por períodos inversamente proporcionais aos seus respectivos esconderijos de Hollywood.

E as próprias histórias são carregam bastante do estilo de Wes Anderson, estrelando personagens quebrados, solitários e frustrados – com outros idealistas e inocentes como contraponto, como em ‘Um Reino sob a Lua’ – em histórias excêntricas que vão do absurdo infantil à violência repentina e contida, passando por uma tragédia irônica (tudo acontece na cidade fictícia de Ennui-sur-Blasé, que se traduz do francês como “tédio sobre o tédio”, ou “tédio sobre a apatia”).

O problema está justamente no formato. Enquanto seus outros longas-metragens dão espaço para conhecer as angústias e peculiaridades de cada personagem idiossincrático, aqui dificilmente temos tempo para nos dar uma ideia de quem eles são para além dos estereótipos em que se constroem.

Uma das mais novas colaboradoras de Anderson, Elisabeth Moss (à esquerda) aparece apenas por cinco minutos do filme (Crédito: 20th Century Studios)

Talvez o que funcione melhor seja o primeiro segmento de ‘A Crônica Francesa’. Nele, Benicio del Toro (‘Sicário: Dia do Soldado’) é um prisioneiro atormentado de poucas palavras que se torna artista, Léa Seydoux (‘Azul é a Cor Mais Quente’) é sua gélida guarda de prisão e musa, e Adrien Brody (‘O Pianista’) é um negociante de arte rebelde.

E funciona melhor do que os outros porque esses são os únicos personagens que devemos seguir em suas filmagens reduzidas; os outros segmentos são liberados por outras divagações tão numerosas que são supérfluas, desprovidas de conexão emocional com (ou, em alguns casos, entre) seus personagens. Talvez o diretor esteja tão focado em fazer tudo parecer, soar, saborear e cheirar como um filme de Wes Anderson que ele se esquece de se perguntar se tudo o que ele vai nos mostrar é relevante.

O que mais, Wes?

Ainda assim, este não é um exercício totalmente frívolo. Há momentos em cada uma das três histórias que zombam de seus respectivos temas: a incompetência da polícia, o entusiasmo fútil do ativismo juvenil e o valor exagerado que atribuímos à arte. Com este último, o diretor parece até mesmo autoconsciente o suficiente de seu estilo e autoria para zombar de si mesmo. Pode ser que estejamos dando um valor louco a um artista de camisa de força, que de vez em quando nos dá algo estranho.

Então, talvez, apenas talvez, Wes Anderson tenha sinalizado uma possível reinvenção com ‘A Crônica Francesa’. Falar em reinvenção pode ser um pouco demais: afinal, este é um diretor que está perfeitamente contente em “fazer a mesma coisa” que vem fazendo há anos, mas aplicando isso em novas histórias.

Mas como eles são lindos, sim.

No Brasil, ‘A Crônica Francesa’ está em cartaz nos cinemas.

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Publicado primeiro na edição mexicana do Filmelier News.

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