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Em ‘A Ilha de Bergman’, metalinguagem mostra a imortalidade do cinema

O que o cinema é capaz de fazer com as pessoas? Qual a influência que a sétima exerce em nossas vidas, escolhas, ideias, sentimentos? Ainda que não haja uma resposta única, concreta e correta para isso, a talentosa cineasta Mia Hansen-Løve (de ‘O Que Está Por Vir’) busca algumas respostas em ‘A Ilha de Bergman’, drama metalinguístico que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 24, após passar pela Mostra de SP e pelo Festival de Cannes.

No longa-metragem, acompanhamos a história de um casal de cineastas (Vicky Krieps e Tim Roth) que vai para a ilha de Faro, onde o renomado cineasta Ingmar Bergman morava, para encontrar um pouco de paz e inspiração. A ideia dos dois é sair de lá com algumas ideias de roteiro para que possam, nos anos seguintes, comandar novos filmes.

No entanto, enquanto estão lá, em ambientações de filmes como ‘Cenas de um Casamento’, mais coisas vão nascendo, surgindo, se transformando: seja no relacionamento dos dois, seja na forma de encarar a vida, o trabalho, o cinema, os relacionamentos e por aí vai.
Coração da trama é relacionamento entre personagens de Vicky Krieps e Tim Roth (Crédito: Divulgação/Pandora Filmes)

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Não há a pretensão, ainda que pareça existir pelo título, de se atingir o cinema de Bergman. Hansen-Løve tem consciência de que não é o cineasta sueco, assim como Bergman não era Mia. Os cinemas conversam, cada um a sua maneira. Obviamente, fãs de filmes como ‘O Sétimo Selo‘, ‘Morangos Silvestres’ e ‘Quando Duas Mulheres Pecam’ vão caçar referências aqui e acolá, mas o longa-metragem não é sobre Bergman. É sobre cinema e a paixão pela telona.

Filme dentro do filme

Isso fica claro lá pela metade do filme, em uma virada de roteiro corajosa e que mostra como Mia Hansen-Løve está conquistando um espaço dentre os grandes. Explico: em determinado momento de ‘A Ilha Bergman’, a narrativa sobre a viagem dos personagens de Krieps (‘Trama Fantasma‘) e Roth (‘Pulp Fiction‘) é subitamente interrompida. O motivo? Começamos a acompanhar a história inspirada no roteiro escrito por Chris, a personagem de Krieps, em Faro. Com isso, acontecem dois movimentos narrativos. Primeiramente, ‘A Ilha de Bergman’ desenvolve a protagonista com habilidade ímpar. Afinal, mais do que desenvolver a personagem com atos e falas com o marido e as pessoas ao seu redor, o roteiro da própria Hansen-Løve mostra detalhes de Chris por meio da história que escreveu em circunstâncias tão particulares. O que não é dito por Krieps é interpretado por Mia Wasikowska, atriz que interpreta seu alter ego. É, assim, um filme dentro do filme. A história que começa é interrompida. É um processo que lembra o que foi feito em filmes como ‘Super 8‘, cuja história dentro da história é infinitamente melhor; ‘A Noite Americana’, de François Truffaut; ‘Deu a Louca nos Astros’, inesperado e pouco comentado filme de David Mamet; a comédia ‘Trovão Tropical’, de Ben Stiller, repleta de provocações em Hollywood; e até mesmo o brasileiro ‘Saneamento Básico’, do genial Jorge Furtado.
No entanto, Hansen-Løve consegue se destacar nesse universo ao ir além do óbvio. O “filme dentro do filme” é essencial para que o público entenda melhor a personagem e até mesmo o ponto de vista da cineasta, de que o cinema não é algo passivo e, tampouco, apenas uma diversão. O cinema, para a diretora, pode ser transformador — e consciente desse poder que tem em mãos, tenta mostrar todas as possibilidades para as pessoas que a assistem.

A influência de ‘A Ilha de Bergman’

E aí temos mais um ponto, mais um momento narrativo que mostra toda a genialidade de Mia Hansen-Løve e como ‘A Ilha de Bergman’ é um filme destacável. Aqui, caro leitor, preste atenção pois é quase uma ‘Quadrilha’, de Carlos Drummond de Andrade: Ingmar Bergman influenciou Chris, que agora faz seu cinema, misturando sua história com as referências do sueco, e influencia um outro público. No “mundo real”, Bergman influenciou Mia e agora nos influencia. O cinema, em ‘A Ilha Bergman’, é vivo. Você pode até não ter assistido a nada do sueco, mas sabe o olhar de Bergman para as coisas da vida — senão por Hansen-Løve, por outros cineastas que fizeram referência ao diretor, como Stephen Herek no pop ‘Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica’. No entanto, vai além do que Chacrinha falava sobre a televisão, de que “nada se cria, tudo se copia”. É mais uma questão de transformação da matéria: em sua formação como cinéfila e cineasta, Mia Hansen-Løve assistiu Bergman, digeriu a mensagem e, agora, a propaga. ‘A Ilha de Bergman’ fala sobre relacionamentos, olhar sobre a vida, metalinguagem. No entanto, acima de tudo, o longa é uma ode ao cinema. Mostra como os filmes de um diretor ou de uma diretora podem nos formar como pessoas. Bergman formou a diretora que, agora, conforme cresce sua importância no cinema, influencia outras pessoas. Cinema é vivo e eterno. E enquanto a arte existir e resistir, pessoas, visões, mensagens e emoções irão perdurar. Para sempre.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

Escrito por
Matheus Mans

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