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‘Agente Oculto’, da Netflix, é apenas um prólogo para ‘Barbie’
Netflix tenta criar um grande blockbuster que justifique o estabelecimento de uma franquia de ação, mas consegue apenas um filme que será esquecido em algumas semanas
Há algo errado quando se investe muitos milhões de dólares em um filme, com outros milhões na divulgação, e o principal assunto da turnê junto à imprensa é um outro longa-metragem, do estúdio concorrente. Pois é exatamente este o cenário da Netflix com ‘Agente Oculto’, produção milionária da empresa que chega hoje (22) ao streaming.
E isso quer dizer muito sobre o próprio título em questão.
É que, na prática, o longa virou uma grande campanha para Ryan Gosling responder perguntas sobre Ken, personagem que ele interpreta no surpreendentemente aguardado ‘Barbie’, de Greta Gerwig (‘Lady Bird‘) – e que será lançado nos cinemas em 2023. Basta acompanhar minimamente as manchetes dos veículos de entretenimento na última semana para perceber isso.
Não se pode culpar a Netflix de não tentar, ao menos. Afinal, estamos em um mundo onde grandes estúdios – e as suas plataformas de vídeo sob demanda – apostam em propriedades pré-estabelecidas, que já tenham fãs e que façam as pessoas se envolverem com os lançamentos. Só que o caso da gigante do streaming é diferente: não há 100 anos de franquias dentro de casa, então é necessário criar algumas à toque de caixa para manter o nosso rico dinheirinho pingando todos os meses na conta deles.
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‘Agente Oculto’ entra justamente nessa busca. Baseado no primeiro livro de uma série de (até aqui) 12, o longa-metragem foi um investimento de US$ 200 milhões – algo próximo do orçamento das produções da Marvel Studios, por exemplo. Não são apenas as cifras que estão em pé de igualdade com a Casa das Ideias. ‘Agente Oculto’ conta com a direção de Anthony e Joe Russo, além do roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely – todos envolvidos com ‘Capitão América: Guerra Civil’ e os mega blockbusters ‘Vingadores: Guerra Infinita’ e ‘Vingadores: Ultimato’. Tem mais: o elenco é praticamente uma foto do telescópio James Webb, com grandes estrelas como o já citado Gosling, além de Chris Evans (‘Capitão América’), Ana de Armas (‘Entre Facas e Segredos’), Billy Bob Thornton (‘Na Corda Bamba’), Regé-Jean Page (‘Bridgerton’) e o nosso Wagner Moura. Não tinha como dar errado, né? Aí que tá: tinha. E deu.
O erro fatal de ‘Agente Oculto’
É difícil dizer o que é necessário para se criar um blockbuster, nome pelo qual são conhecidos os filmes arrasa-quarteirão que conquistam a atenção das pessoas e movimentam grandes quantias de bilheteria. Ou melhor, até há uma série de coisas que precisam ser feitas para se alcançar esse status, mas, no final do tudo, é a vontade do público que vai dizer se o objetivo foi ou não alcançado. Não há uma receita de bolo para isso. E, acredite: já torraram muita grana em Hollywood para tentar achar essa fórmula. Sem querer parecer engenheiro de obra pronta, ‘Agente Oculto’ comete alguns erros capitais nessa busca. Ok, a produção tem cenas de ação de tirar o fôlego, muito bem executadas e filmadas. Porém, falta criar uma conexão entre o que está em cena e o espectador. Se você olhar bem, o bom filme – ao menos o bem-sucedido em termos comerciais – é aquele que é simples o bastante, em termos de estrutura da história, para apelar aos nossos desejos e sentimentos mais básicos e universais. Quer exemplos? ‘Indiana Jones’ é sobre esse cara carismático que sacia nosso desejo por aventura; ‘Os Vingadores’ é sobre pessoas bem diferentes entre si que são obrigados a trabalharem juntos (enquanto salvam a humanidade); ‘Jurassic World’ e ‘Jurassic Park’ são sobre a nossa pequenez enquanto tentamos desafiar as forças da vida, da natureza e do caos; ‘John Wick’, sobre perda (da esposa e do cachorro), luto e vingança. James Bond, no fim do dia, é um personagem inspiracional: todo mundo gostaria de salvar o mundo enquanto mantém o terno impecável e o ar de fod#o. Falta isso no novo longa de ação da Netflix. Na história, Gosling é um criminosos que, há 18 anos, foi tirado da prisão por Fitzroy (Thornton), um chefão da CIA que o recrutou para uma operação de agentes secretos da agência. Um belo dia, esse espião – conhecido agora como Sierra Seis – vai dar cabo de um homem malvado, quem descobrimos ser um outro agente oculto da CIA. Confusão vai, confusão vem, e esse conflito coloca Seis em confronto com Lloyd (Evans), outro ex-integrante do programa que foi para o setor privado. Ele, então, sequestra a filha de Fitzroy – por quem Seis nutre muito carinho. Tudo isso em um clima meio ‘Missão: Impossível’, um terço ‘James Bond 007’ e outro terço ‘La Femme Nikita’. A dificuldade em explicar a trama já deixa relativamente claro o problema de roteiro. A quais sentimentos esse enredo apela? “Ele [Seis] é um herói muito moderno. Ele é existencial. Ele é obcecado por Sísifo, o mito grego desse personagem preso na futilidade. É o que o separa de Bond e Bourne”, explicou Joe Russo em entrevista à EW. “É um herói do proletariado. Ele só quer terminar o trabalho e ir para casa, e não deseja romantizar de forma alguma.” Pode ser moderno, mas será que queremos, enquanto espectadores de uma produção pipoca, ver um herói proletário e existencial? “Ele é um personagem que luta por liberdade”, disse Joe em outro papo, ao ScreenRant. “Mas o que é interessante sobre o filme como uma parábola do bem e do mal é que todos os personagens são cinzas, mas alguns se inclinam para a humanidade e alguns se afastam da humanidade. Essa é realmente, em última análise, a temática por trás do filme.” Insira aqui o emoji do rosto pensando: 🤔. Em meio a todo esse debate filosófico, fica difícil nutrir simpatia por Seis ou pela agente Dani (Ana de Armas), que passa a ajudá-lo. Nem mesmo uma relação paternal entre o personagem de Gosling e a menina é explorada de forma eficiente para criar uma conexão com o espectador. Até carisma fica difícil encontrar. Isso, junto com diálogos fracos e piadas colocadas em momentos errados, faz de ‘Agente Oculto’ uma colagem viagens pelo mundo (com muito dinheiro gasto em filmagens nas mais diversas locações, mas que pouco são exploradas) e cenas de ação que simplesmente não decolam. Em nenhum momento é possível comprar o que está em jogo ali, nem acreditar nos grandes riscos assumidos pelos personagens. É difícil imaginar que o público se envolva o suficiente para se interessar por continuações – o que faz dessa franquia morta antes de nascer.
Netflix: entre o sucesso e o fracasso
A avaliação negativa de ‘Agente Oculto’ (no momento da publicação deste texto, a aprovação no Rotten Tomatoes está em apenas 50%) vem em uma péssima hora para a Netflix. Já são dois trimestres com o saldo de assinaturas no vermelho, enquanto as ações da companhia caíram 42% nos últimos seis meses. O streaming já anunciou que mudou a chavinha: se antes soltava um monte de novidades todas as semanas, para preencher catálogo e sem se preocupar tanto com a qualidade, vai tentar fazer menos (e melhores) produções. Também mandou funcionários embora e está sendo mais cuidadosa com onde põe o seu dinheiro (ou, no final das contas, o nosso).
‘Agente Oculto’ é, de certa forma, uma transição nessa trajetória. O longa é o resultado de um investimento altíssimo, daqueles que talvez não tenham mais espaço daqui para frente. Por outro lado, representa a chance de fazer barulho com um lançamento de apelo mais amplo – não por menos, a empresa tem feito uma campanha de marketing e relações públicas mais tradicional, algo que não é habitual para eles. Em um mar no qual o público esquece da maior parte das coisas que viu na Netflix, este era um filme que precisava funcionar. Quer dizer, isso pode até acontecer naquele ranking que a plataforma divulga, conquistando um número exorbitante de horas assistidas. Mas será que ‘Agente Oculto’ se tornará uma fonte de novas assinaturas para a plataforma, se espalhando no boca-a-boca e garantindo uma multidão de fãs babando por continuações e derivados, como aconteceu com ‘Stranger Things’? Não. E digo mais: até na matemática Onze é mais que Seis. É por isso que, na turnê de divulgação, nenhum jornalista parecia muito interessado em perguntar sobre esse filme. Infelizmente, não há nada aqui que vá viver tempo o suficiente para garantir boas manchetes e cliques. Todos estavam, na realidade, curiosos para perguntar para Ryan Gosling sobre o figurino colorido de Ken, ou das cenas de patins ao lado de Margot Robbie em Venice Beach – imagens que tomaram a imprensa nas últimas semanas. De alguma forma – seja em adição na pós-produção ou em um chute no escuro – a Netflix e os irmãos Russo sabiam disso. Não à toa, botaram em ‘Agente Oculto’ uma piada justamente sobre o namorado da Barbie. É o momento mais engraçado das duas horas de projeção, algo que é bem representativo. Lá de Burbank, na famosa caixa d’água, os Irmãos Warner riem mais do que todos. Afinal, Yakko, Wakko e Dot podem ser malucos, mas não rasgam dinheiro. Já o pessoal de Los Gatos, onde fica a sede da Netflix…