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‘Babysitter’ é um manifesto contra a misoginia

“Usar camisinha para ele é tão desconfortável que ele prefere traumatizar mulheres com um aborto”, alfineta um certo personagem a Cédric (Patrick Hivon), um dos protagonistas de ‘Babysitter’, segundo longa-metragem da atriz e diretora canadense Monia Chokri, lançado no streaming pela MUBI nesta sexta, 19 de agosto

O longa, que pode ser classificado como uma comédia psicossexual de terror, segue um trabalhador de escritório de meia-idade (Hivon), que é afastado de seu emprego após assediar uma repórter em rede nacional. Tentando tomar às rédeas de sua vida, ele embarca, junto de sua namorada e mãe de sua filha recém-nascida (Chokri, que além de dirigir também compõe o elenco da produção), em uma aventura para entender as raízes de seu machismo e misoginia.

E é aí onde entra Amy, uma babá misteriosa (a excepcional Nadia Tereszkiewicz) decidida a virar a vida do casal de ponta cabeça.

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Acalorado, com edição frenética e tons pastéis, ‘Babysitter’, que é baseado na peça de Catherine Léger, é criado para tirar o telespectador do eixo. Com close-ups opressivos, a sensação sobressalente é o desconforto, o incômodo e a aflição de ter seus próprios corpos objetificados: quem assiste ao filme se sente propriamente assediado.
Garçonetes, garotas universitárias e mães com seus bebês: não há limites para a misoginia do protagonista de ‘Babysitter’ (Crédito: Divulgação/MUBI)

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“Desde a cena de abertura, ‘Babysitter’ está inundado de puro caos. E as técnicas para trazer isso para a tela acontecem de maneira bem natural para mim. É como meu cérebro funciona”, comentou Monia Chokri em entrevista exclusiva ao Filmelier. Não apenas no roteiro, mas em praticamente todas as cenas vemos a forma crua de como o “male-gaze” (olhar masculino, em tradução livre) está presente em tudo, cheio de irreverência e impunidade. E nessa mistura inebriante – e, sejamos honestos, relativamente insana -, a babá Amy, desconcertante e um pouco perturbadora, chega e confunde os paradigmas e toda a dinâmica de gênero do casal, além de nos fazer refletir sobre quem, de fato, é o real dono do poder.  “Minhas próprias reflexões mudam e evoluem. Mas algumas pessoas dizem que o filme tem um pano de fundo do #MeToo e não tem. Essa é apenas a superfície para o que realmente está por trás das cortinas. O verdadeiro tema de ‘Babysitter’ é a relação com o poder e tudo que vem junto dela: o jeito que interagimos com pessoas poderosas, o jeito que pensamos o poder na sociedade e a forma como nós, mulheres, enxergamos essas situações de maneira submissa”.  Como Chokri já havia explicado anteriormente, a figura da babá “basicamente encarna tudo o que é dominante em uma sociedade heteronormativa. Amy é uma jovem babá loira que parece boba e que ninguém leva a sério. E do mesmo jeito que Amy Adams em ‘O Mestre’ (2012), de Paul Thomas Anderson, ela é quem detém todo o poder. Especialmente quando ninguém mais suspeita.”

‘Babysitter’: o horror vinculado às experiências femininas

Para o bem ou para o mal, a aplicação de todos esses conceitos em ‘Babysitter’ acontecem de forma subjetiva, dolorosamente metafórica e com um ritmo próprio, que podem causar estranheza se não apreciados.
Em ‘Babysitter’, Amy, é a materialização de muitos fetiches masculinos (Crédito: Divulgação/MUBI)
Outro aspecto latente na compreensão do longa de Chokri é a estética mágica (e também bastante erótica) do “softcore” dos anos 1970, mesclados com as composições de terror similares a ‘A Bruxa de Blair’ (1999), ‘Louca Obsessão’ (1990) e ‘Revelação’ (2000). “Era impossível retratar essa história de um jeito realista”, diz a diretora. “O filme é uma comédia que usa os códigos do horror, porque o horror está muitas vezes ligado à experiência de uma mulher: como elas olham para os homens, como se sentem ameaçadas, como enfeitiçam, como assombram, como vivem como fantasmas.” Com um espírito ilusório, a sátira surrealista de ‘Babysitter’ não se compromete com sutilezas e, por vezes, dá voltas fantasmagóricas em meio a comicidade da caricata “reabilitação masculina”. Porém, o filme acaba em um ponto alto, quase esperançoso. Após os trabalhos de Amy, com suas habilidades semi-místicas, os impactados pela babá são agora capazes de enxergar através dos disfarces, desafiando o mundo imperativamente masculino e, possivelmente, libertando as próximas gerações da misoginia sistêmica. “O filme é como um conto de fadas, porque em um conto de fadas tudo é possível”, conclui Chokri. Ao menos, podemos sonhar.

‘Babysitter’ está disponível na MUBI. Se você quiser saber mais sobre o filme, assistir ao trailer ou encontrar o link para assistir online, clique aqui.

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Laura Ferrazzano

Jornalista cultural e entusiasta das artes. Já fez parte da redação de grandes sites brasileiros como R7 e CARAS digital, além do portal internacional, Her Campus. Foi assistente de redação no Filmelier.

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