Crítica: ‘Beau tem Medo’ mergulha nos seus piores pesadelos em trama surrealista Crítica: ‘Beau tem Medo’ mergulha nos seus piores pesadelos em trama surrealista

Crítica: ‘Beau tem Medo’ mergulha nos seus piores pesadelos em trama surrealista

Ari Aster faz de ‘Beau tem Medo’ seu filme mais complicado e intricado, usando do surrealismo não para dar medo, mas para falar sobre medos

Matheus Mans   |  
19 de abril de 2023 16:42

Você deitou a cabeça no travesseiro e dormiu profundamente. Mas, o que era para ser uma agradável noite de sono se transformou em algo que ninguém gosta: pesadelos. Sua mente te prega peças e você, inconsciente, não consegue tomar uma atitude, se mexer, acabar com aquilo tudo. Está passivo, apenas apanhando de seus maiores medos. Horrível, não é mesmo? E é exatamente esse o cenário de ‘Beau tem Medo‘, estreia dos cinemas desta quinta-feira, 20.

A ideia é justamente que você não entenda tudo que acontece por aqui — afinal, imagine que você caiu dentro do pesadelo de outra pessoa; é impossível compreender todos seus medos, anseios e receios. No entanto, ao mesmo tempo que você não entende tudo, também não sabe o que pode estar ali, dobrando a esquina. “O que mais Beau tem medo?”, me perguntava a certa altura. Neste filme, o horror não está escancarado. O horror é o surreal.

Qual é a história de ‘Beau tem Medo’?

Dirigido pelo polêmico cineasta Ari Aster (‘Hereditário‘, ‘Midsommar‘), que em seu terceiro filme já coleciona fãs alucinados e detratores raivosos, o longa-metragem é exatamente isso: um mergulho em um pesadelo. Como protagonista dessa jornada, Beau (Joaquin Phoenix, de ‘Coringa‘). Ele é um homem que parece fracassado, vivendo já sua vida adulta em quarto e sala que, aparentemente, está na pior região da cidade. Parece não ter perspectiva.

Joaquin Phoenix parece sofrer junto com seu personagem em 'Beau tem Medo' (Crédito: Diamond Films)
Joaquin Phoenix parece sofrer junto com seu personagem em ‘Beau tem Medo’ (Crédito: Diamond Films)

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As coisas ficam ainda piores, porém, quando ele recebe uma notícia devastadora e, de uma hora para a outra, precisa deixar os seus medos de lado (será?) para encontrar sua mãe, em uma região mais abastada e afastada. Nessa jornada, Beau mergulhará nesse mundo em que seus maiores pesadelos tomam forma para tentar chegar ao seu objetivo. É como se fosse a Jornada do Herói completamente banalizada, enfraquecida. É um homem paralisado que a percorre.

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Aster, em entrevistas, evitou dar detalhes sobre suas inspirações — afinal, ele é daqueles realizadores que gostam que o espectador se sinta desafiado, mesmo com tudo desmoronando ao seu redor e nada fazendo sentido. No entanto, para o site IndieWire, Aster destacou como muito de seus medos estão ali, na tela. Por exemplo: já no início, o psiquiatra de Beau receita um novo remédio. O que era para ser bom, porém, se torna uma paranoia do personagem.

“Tenho medo de remédios. Provavelmente vem das vezes em que tive que tomar antibióticos e tive um ataque de pânico sobre se estou tendo efeitos colaterais ou não. Eu não faço muita coisa levianamente. As coisas podem dar errado. Tudo pode dar errado”, explica o cineasta, mostrando que muitos de seus medos estão nessa sua história.

‘Beau tem Medo’ é um bom filme?

A partir disso, ‘Beau tem Medo’ conta com três atos bem delimitados. No primeiro, que parece uma mistura de ‘Mãe!‘, Kafka e ‘Playtime: Tempo de Diversão’, temos acesso à rotina de Beau. Entendemos como é sua vida, os problemas bizarros da vizinhança. Compreendemos, rapidamente, como Ari Aster criou, aqui, uma sociedade absolutamente doente, como se houvesse uma lente de aumento no que vivemos hoje nos grandes centros. Tudo é muito perigoso.

Esse primeiro ato, que dura uns 45 minutos, é o mais compreensível de toda a narrativa. É a base do personagem, de sua personalidade e quando Aster se permite fazer muitas piadas e situações divertidas (ainda que sofridas) com o seu personagem. Confesso que dei algumas boas risadas em alguns momentos, de tão sofrida que é a sua existência.

Depois, o segundo ato se divide basicamente em dois acontecimentos — que não vamos entrar em detalhes aqui para não estragar a experiência. É Beau enfrentando (ou, melhor, apenas convivendo) com muitos de seus medos e, acima de tudo, com o controle que há em sua vida. Parece que ele não pode se mover sem ser controlado, como um ‘Show de Truman’ sádico. Aster reduz o ritmo e até se permite colocar aqui uma animação, um sonho dentro do pesadelo.

Por fim, tudo vira um grande espetáculo surrealista, em que nos dividimos entre o horror e o humor, a surpresa e a desconexão. Os medos mais profundos de Beau surgem na tela, às vezes em tamanhos e versões absolutamente desprovidos de lógica, cutucando o espectador. Mais do que horror, Aster quer nos causar asco, humor, reflexão — como nós, do outro lado da tela, encaramos nossos medos, nossos traumas, nossos receios, nossa escuridão?

Um filme para dividir o público

‘Beau tem Medo’ não é um filme fácil de assistir e de digerir. Não apenas por conta de suas três horas de duração, mas também por não fazer questão alguma de ter algum sentido. É um pesadelo, oras bolas. É para ser estranho, provocante, surrealista, profundo. Para isso, é preciso aceitar essa proposta quase indecente e embarcar nessa jornada irregular. Há momentos em que a trama parece estar paralisada, como seu protagonista. Em outros, tudo é acelerado.

Um sonho dentro do pesadelo mostra outras possibilidades da vida de Beau (Diamond Films)

À IndieWire, Aster admitiu que este é seu filme mais difícil. Primeiramente, por conta da ambição orçamentária: enquanto ‘Hereditário’ teve orçamento de US$ 10 milhões (arrecadando US$ 82 milhões) e ‘Midsommar’ custou o mesmo valor, arrecadando US$ 48 milhões, ‘Beau tem Medo’ custou US$ 35 milhões. É o mais caro da história da A24, produtora de ‘Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo’, e é ideal que chegue em US$ 100 milhões para se pagar.

Além disso, há toda essa questão da história que não faz questão de se explicar. Alguns vão amar, outros vão odiar. Na sessão para a imprensa, no buchicho que se forma na saída da sala de cinema, alguns falaram que amaram, outros dando risada da pretensão de Ari Aster. No “mundo real”, nas sessões pagas, essas reações devem ser emocionadas. No Twitter, que discute fervorosamente sobre qualquer coisa, vai sobrar thread sobre as intenções de Aster.

“No mínimo, estou muito ciente da reação, pessoas que nunca mais querem ouvir meu nome”, disse. “É a natureza da internet, que agora torna um momento estranho para criar. As reações são tão imediatas, tão superficiais de muitas maneiras. Tenho períodos em que me envolvo e é sempre uma péssima ideia porque fica na minha cabeça. Uma grande parte de fazer um novo trabalho é fazer o meu melhor para acabar logo com isso e não afetar meu pensamento. Não sei o que as pessoas vão pensar, mas é o filme de que mais me orgulho de ter feito”.

‘Beau tem Medo’ estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 20 de abril. Clique aqui para comprar ingressos.

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