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“Tenho medo da vida moderna”, diz Terence Davies sobre ‘Benediction’

Assim como a gente não consegue visualizar a Keira Knightley em algum filme com um smartphone na mão, o cineasta britânico Terence Davies também não é muito identificado com os tempos modernos. Dono de um cinema clássico e elegante, a maioria de seus filmes — para não dizer todos mesmo — transita entre o final do século XIX e o começo do século XX. Não poderia ser diferente com ‘Benediction’, o novo longa-metragem do diretor.

Apresentado no Festival de Toronto 2021, ‘Benediction’ fala sobre a vida do poeta e ex-soldado Siegfried Sassoon. De vida sofrida, ele enfrentou os horrores das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, teve graves desilusões amorosas com os homens que se envolveu e, no final, acabou se casando com uma mulher para, naquela época, poder constituir uma família.

Cena de ‘Benediction’, longa-metragem com Jeremy Irvine e Jack Lowden, ainda sem data de estreia no Brasil (Crédito: Divulgação/Festival de Toronto)

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Esta é a primeira vez que Davies, homossexual assumido, retrata um homem também gay nas telonas. No entanto, o novo filme não deixa de ter um gosto de mais do mesmo. Afinal, é o mesmo período retratado em outras obras do cineasta, como o elogiado ‘Além das Palavras’, sobre Emily Dickinson, ou ‘Vozes Distantes’, sobre a infância e adolescência do diretor.

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Mas Davies se explica. “O motivo de fazer filmes de época é que eu não entendo nada sobre a vida moderna. Na verdade, tenho medo da vida moderna. Eu não entendo nada dessa tecnologia. Nada. Eu acho que a tecnologia traz um nível alto de narcisismo. Eu realmente acho repulsivo. Num feriado, tiro 840 selfies enquanto estou passeando em Maiorca. Por quê?”, questiona ele, durante coletiva do TIFF com a presença (virtual) do Filmelier. “E também, sobre os filmes de época, é interessante pois eles precisam ter o tom certo. Os personagens precisam falar da maneira correta, assim como ter o visual certo. Já a vida moderna não tem nada disso. E eu não a entendo”, reflete. Além disso, o cineasta consegue traçar alguns paralelos entre ele e Sassoon. O primeiro é a sexualidade de ambos. Depois, questões envolvendo o catolicismo — quase num sincronismo contrário. Enquanto o poeta acabou se convertendo em um momento crítico de sua vida, hoje Terence Davies se entende como um ex-católico. Mas há algo mais profundo, que vai além desses caminhos mais óbvios e comparáveis da vida. Segundo ele, também em coletiva de imprensa, há algo no sentimento. “Acho que o que ele procurou durante a vida foi redenção. E ele nunca a encontrou. Você não pode encontrar redenção nas outras pessoas, nas outras coisas. Acho que eu compartilho isso com ele”.

Jack Lowden em ‘Benediction’

Apesar de não ser alvo de tantas brincadeiras com os filmes de época quanto Keira Knightley ou Terence Davies, o ator Jack Lowden também parece gostar de viajar um pouco no tempo. Intérprete da fase jovem de Sassoon em ‘Benediction’, ele também pode ser visto em filmes como ‘Duas Rainhas’, ‘Dunkirk’ e ‘Negação’ — adivinha com quem? Knightley! “Eu gosto de interpretar personagens de épocas”, conta Lowden. “Quando era mais novo, pensava como alguém sentava numa cadeira nos anos 1920 ou em 1540. Hoje, penso diferente. Não acho que a natureza do ser humano tenha mudado tanto ao longo dos séculos. Não faz sentido pensarmos que todo mundo nos anos 1500 sentava ou ficava de pé igual ao Henrique VIII. Tenho certeza que as pessoas dessa época se encostavam na parede em momentos mais privados. Mesmo quando você interpreta um rei ou um príncipe, você precisa ser primeiro um ser humano”.
Lowden é a alma do novo longa-metragem de Terence Davies, como o poeta Siegfried Sassoon (Crédito: Divulgação/Festival de Toronto)
Lowden ainda diminui a importância ou a necessidade de fazer um trabalho muito intenso de pesquisa sobre como se comportar, como falar. “Poderia ficar romantizando aqui, mas é um trabalho de suposição”, diz. “E é justamente isso que eu faço. Eu finjo ser pessoas que eu não sou, finjo estar em lugares que eu também não estou. Essa é a maravilha de atuar”.

Dois tempos

Falando em tempo, não podemos esquecer de comentar o principal destaque do longa-metragem: sua divisão em dois momentos diferentes da vida de Sassoon. Ainda que sua juventude seja o ponto alto da trama, principalmente quando o poeta se envolve platonicamente com outro rapaz no hospital psiquiátrico que está, a narrativa chama muito a atenção. Afinal, Davies, que também assina o roteiro, não conta a história de maneira totalmente linear. Ela vai e vem, como um ioiô, entre a juventude do poeta e sua velhice — também muito bem interpretada por Peter Capaldi, o Doutor de ‘Doctor Who’. Com isso, somos jogados entre o que Sassoon foi, o que queria ser e, de maneira melancólica, o que se tornou. “Eu precisava mostrar como era sua vida antes de se casar. Ele não trata bem sua esposa, ele não tem uma boa relação com o filho. Como seguir em frente?”, questiona o cineasta durante o Festival. “Aí falamos sobre como ele se tornou aquele homem não tão legal. Mas precisamos levar em conta como tudo isso começou nas trincheiras e assistindo as pessoas explodindo em pedaços. Era importante ter um contrabalanceamento para mostrar como ele é e como ele foi afetado para se tornar assim”. ‘Benediction’ ainda não tem data de estreia no circuito comercial de cinemas do Brasil. Por enquanto, você pode saber mais sobre o longa-metragem aqui no Filmelier.

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Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.

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