Crítica de ‘Golda’: Olhares simplistas Crítica de ‘Golda’: Olhares simplistas

Crítica de ‘Golda’: Olhares simplistas

‘Golda’ tem momentos de brilhante tensão cinematográfica, mas se perdem em uma narrativa que simplifica seu complicado contexto histórico

Lalo Ortega   |  
4 de setembro de 2023 13:20
- Atualizado em 5 de setembro de 2023 13:17

Sempre que se aborda a vida de um personagem histórico para adaptá-la ao cinema, surgem os problemas das licenças dramáticas. Resumidamente, a fidelidade – e complexidade – histórica nem sempre prende e entretém. No caso de Golda – nos cinemas do Brasil desde 31 de agosto – cabe questionar até que ponto é válido levar essas licenças, a ponto de transformá-las em omissões.

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Afinal, o filme dirigido por Guy Nattiv (Skin) aborda uma das figuras políticas mais controversas do século XX, durante o que talvez tenha sido o período que condenou sua carreira como Primeira Ministra de Israel.

Embora a direção de Nattiv seja eficaz em transmitir as terríveis pressões psicológicas da guerra para sua protagonista, parte de um roteiro escrito por Nicholas Martin (Florence) que apresenta uma visão simplista e unilateral dos eventos.

A culpa do poder

A narrativa de Golda é enquadrada pelo testemunho da Primeira Ministra (interpretada por Helen Mirren sob polêmicas camadas de maquiagem) perante a Comissão Agranat, que investigava as razões pelas quais o exército israelense foi pego de surpresa por ataques do Egito e da Síria, que deram início à Guerra do Yom Kippur.

Assim, damos um salto no tempo para o dia anterior ao ataque fatídico, com Meir recebendo o relatório de inteligência que garantia a iminência do ataque. Por outro lado, estão os membros céticos de seu gabinete que duvidavam de um ataque em pleno Yom Kippur. A Primeira Ministra, considerando o custo político de atacar primeiro, decide tomar medidas preventivas tímidas. Como a história mostrou, a surpresa teve um enorme custo humano para Israel e para a posição política de Meir.

A guerra é vista a partir da posição dos líderes políticos e militares (Crédito: Diamond Films)

Golda se desenrola ao longo dos dias da guerra, detalhando as tensões e decisões dentro do gabinete da protagonista e, principalmente, as complicadas negociações da ministra para obter o apoio do Secretário de Estado americano, Henry Kissinger (Liev Schreiber), com o país americano afetado pelo Watergate.

Vale ressaltar que, apesar da brutalidade e do custo devastador em vidas humanas que a guerra teve – especialmente nos primeiros dias -, nunca vemos um conflito armado na tela. Não aparece um soldado ferido nem vemos de perto armamento causando destruição ou mortes. Tudo é à distância: a partir de um helicóptero que sobrevoa uma zona de conflito ou do centro de comando militar, por meio de transmissões de rádio. Enfatiza-se a distância entre aqueles que saem para oferecer suas vidas e aqueles que os comandam a fazê-lo.

No entanto, um aspecto brilhante do filme de Nattiv é sua capacidade de evocar os horrores da guerra através do puro som, intercalado com breves e abstratos vislumbres de imagens de arquivo.

É essa decisão estética que enfatiza o que o roteiro e a atuação de Mirren já sugerem: um profundo senso de responsabilidade e culpa por enviar tantos israelenses para uma morte certa. Estritamente nesse sentido e pelo menos sob a ótica de quem escreve, Golda consegue o que, atrapalhado por sua verborragia desnecessária, Oppenheimer não consegue: nos mostra um personagem em uma situação moral impossível e nos faz sentir o peso de decisões das quais dependem milhares de vidas humanas.

Golda não contextualiza – e muito menos questiona – a complexa história de Israel no conflito (Crédito: Diamond Films)

O impacto do personagem seria ainda maior se o filme nos fornecesse mais detalhes – além de alguns diálogos – sobre quem ela era antes do conflito (Meir tinha 75 anos quando atuou como Primeira Ministra). Limitada pelo período da guerra e suas consequências, no entanto, Golda não nos permite conhecer sua protagonista além de seu cargo político e das terríveis decisões – e doença – que ela carregou durante esse tempo.

Não é a única limitação da produção, nem a mais crucial.

Aulas (unilaterais) de história

A maior carência no roteiro de Martin e na direção de Nattiv é que eles oferecem uma visão extremamente simplista do conflito, seus matizes e complicados interesses internacionais em jogo.

Além de algumas linhas de diálogo que estabelecem o ódio de Meir pelos cossacos – e, por extensão, a União Soviética – toda complexidade é simplesmente ignorada. O discurso de Golda parte de uma dicotomia simplista de “nós os bons, eles os maus”, sem sequer contextualizar – muito menos questionar – a posição de Israel e seus aliados no conflito árabe-israelense.

O que serve ao propósito de nos fazer simpatizar com essa versão dramatizada de Golda Meir, pelo menos superficialmente. Mas, visto nesses termos simplistas, o filme de Nattiv acaba beirando a propaganda, apesar de seus momentos de genialidade audiovisual.

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