‘Os Banshees de Inisherin’ e os fantasmas cotidianos do marasmo idílico ‘Os Banshees de Inisherin’ e os fantasmas cotidianos do marasmo idílico

‘Os Banshees de Inisherin’ e os fantasmas cotidianos do marasmo idílico

Com uma narrativa contida, ‘Os Banshees de Inisherin’ é um filme que fala sobre as dores do cotidiano e da conformidade por vários ângulos

3 de fevereiro de 2023 14:00

Estreou nesta quinta-feira, 2 de fevereiro, o quarto longa-metragem do diretor Martin McDonagh, que ganhou reconhecimento entre o grande público com seu longa ‘Três Anúncios Para um Crime‘, indicado a sete Oscars em 2018 e ganhador de dois (Melhor Atriz para Frances McDormand e Melhor Ator Coadjuvante para Sam Rockwell).

O novo filme, ‘Os Banshees de Inisherin‘, também tem apresentado muita força nas premiações, no Globo de Ouro ganhou nas categorias de melhor ator, melhor roteiro e filme de comédia ou musical, e foi indicado ao Oscar em nove categorias, sendo um dos mais fortes candidatos na premiação.

Colin Farrell e Brendan Gleeson: dupla negociando uma amizade (Crédito: 20th Century Studios)

O longa retoma a parceria estabelecida entre o diretor com Colin Farrell (‘Batman‘, ‘O Sacrifício do Cervo Sagrado‘ e Brendan Gleeson (o professor Moody, da série de filmes ‘Harry Potter‘). O trio havia trabalhado junto na dramédia criminal ‘Na Mira do Chefe’, de 2008, e os dois atores também trabalharam em outros projetos com o diretor, separadamente. As parcerias já conhecidas beneficiam muito o filme, garantindo naturalidade nas encenações e fluidez na narrativa, além de um toque nostálgico.

Qual a história de ‘Os Banshees de Inisherin’?

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A narrativa de ‘Os Banshees de Inisherin’ é bem contida: no começo do século XX,  o vilarejo idílico de Inisherin, estabelecido em uma pequena ilha, acompanha de longe uma guerra civil. Seu povo vive uma vida prosaica, e acompanhamos Pádraic (Farrell) e Colm (Gleeson), melhores amigos de longa data.

Colm, porém, é atormentado pela falta de propósito em sua vida, além do desejo de deixar um legado, então sente que não pode mais desperdiçar o tempo que resta com coisas mundanas e conversas sem sentido. Para Colm, e a maioria das pessoas do povo, Pádraic é um homem enfadonho e limitado, simpático mas sem muito a oferecer, por isso Colm firma o pé na decisão de não querer mais manter essa amizade. E assim a narrativa se desenrola, com o protagonismo de Pádraic, em sua busca para tentar recuperar a amizade, ou ao menos obter uma justificativa para a ruptura.

Pádraic é um otimista por natureza, que ama seus animais e aprecia jogar conversa fora enquanto bebe cerveja na taverna às duas horas da tarde. O valor que ele encontra na existência é em ser uma pessoa boa, exalando simpatia e companheirismo, sem se incomodar com uma existência frugal. Não liga muito para livros ou música, nem para o que acontece fora de seu microcosmo. Para ele, basta a companhia de sua irmã, seus animais e seus amigos, e é por isso que sua existência é tão abalada quando Colm se recusa a falar com ele novamente — da mesma forma que o abala, isso o motiva a recuperar essa amizade a todo custo, não importa o quão teimoso ele precise ser.

Aliás, a teimosia transborda dos dois lados, porque enquanto ele não deixa o amigo em paz, Colm também se recusa de toda forma a considerar um meio termo, chegando a tomar medidas extremamente drásticas para impor sua vontade.

Uma comédia dramática? Ou um drama bem humorado?

Química e esmero transbordam no filme. Colin Farrell está em um de seus melhores papéis, impagável em sua simpatia ingênua, enquanto Brendan Gleeson contrapõe com um constante mau humor a todo momento em que estão juntos. O resto do elenco não deixa nem um pouco a desejar: Barry Kheogan (‘A Lenda do Cavaleiro Verde‘, ‘Eternos‘) interpreta um jovem esquisito do vilarejo, tratado com rejeição pela maioria, mas com afeto por Pádraic, enquanto Kerry Condon faz um trabalho excelente como a irmã de Pádraic, e aparentemente a única pessoa com alguma sensatez na cabeça entre os personagens.

As interações são deliciosas, construídas de maneira sutil e caprichosa, e toda a ambientação dessa pequena e idílica ilha é de encher os olhos. Cenários vastos que transmitem uma calmaria melancólica, trabalhados com um olhar certeiro pela câmera.

A sensação que permeia o filme é agridoce. Existe um humor muito claro em dois adultos brigando como se fossem crianças birrentas, e o desconforto situacional provoca o riso em diversos momentos, porém também é explícita (e até mais palpável) a melancolia que o filme carrega em todos os seus personagens. Pádraic se sente inconformado pela perda de seu melhor amigo, e é tomado por um desespero lírico; Colm carrega o peso de temer a insignificância perante a existência; Siobhan (Condon) se sente presa nesse lugar, com essas pessoas, e deseja uma vida melhor; e Dominic, (Kheogan) por fim, é um jovem atormentado por problemas familiares, e também pela rejeição social que sofre.

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É um filme que fala sobre as dores do cotidiano e da conformidade por vários ângulos. A agonia que o marasmo gera, o medo de não ser lembrado depois de partir, a tristeza da rejeição, e, sobretudo, a grande dificuldade que temos para largar coisas que não fazem mais sentido para a nossa vida, seja em relacionamentos que continuamos pelo medo de ficar sozinhos ou qualquer outra situação pessoal que nos faça mal, mas que não abandonamos pela simples insegurança do vazio que esta deixaria, e a dificuldade de escapar de uma zona de conforto.

‘Os Banshees de Inisherin’: um filme de personagens

Em meio a tanta melancolia, desespero e desilusão, porém, uma característica especial se destaca. O carinho e afeto que Martin McDonagh confere aos seus personagens é algo que não passa despercebido. Existe um otimismo lúdico por trás de cada um, que faz com que possamos criar afeição pelos dois lados, ao mesmo tempo que a dicotomia é quebrada de maneira natural, com personagens que são moralmente ambíguos. Pádraic por exemplo, mesmo sendo nosso protagonista e estar em uma situação de injustiça, tem sua dose de erros, contando mentiras, insistindo e agindo sem pensar, enquanto Colm, que tem uma posição de antagonista, se mostra uma pessoa amável, com âmago de aproveitar sua vida e cativar quem está a sua volta. Essa ternura ambígua confere aos personagens a humanização necessária para que o filme funcione de fato.

Martin McDonagh confere carinho e afeto aos seus personagens (Crédito: 20th Century Studios)

Em entrelinhas, também é preciso entender o filme como uma metáfora para a guerra. Tanto a Guerra Civil Irlandesa, quanto qualquer guerra. É sobre um conflito que quando você busca a raiz, não faz sentido. Uma briga que se estende e perpetua pelo simples propósito da briga, em ponto que os lados nem sabem mais porque o fazem, ou quem que deveria estar certo, como bem pontuado em uma cena que ironiza a questão, quando um personagem policial diz que fora chamado ao país para ajudar com execuções para um dos lados, e em seguida se corrige dizendo que não lembra para qual lado era. O conflito é despropositado, sua motivação não faz sentido, pois qualquer outra resolução para a situação poderia ser melhor, mas a teimosia e falta de comunicação (de ambos os lados) fazem com que a situação se desenvolva da pior maneira possível, com danos irreparáveis.

‘Os Banshees de Inisherin’ se conclui então como uma obra tragicômica sobre a incomunicabilidade e a realização amarga de não aguentar mais alguém de quem te foi querido. É, enfim, “uma metáfora – triste – para a Guerra Civil Irlandesa. Para todas as guerras civis. Para todas as guerras.”

‘Os Banshees de Inisherin’ chegou aos cinemas nesta quinta-feira, 2 de fevereiro. Para comprar ingressos, clique aqui.

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