Crítica de 'Os Três Mosqueteiros: Milady': cinema francês "à Hollywood"

‘Os Três Mosqueteiros: Milady’ conclui a ambiciosa adaptação de Martin Bourboulon, algo atrapalhada por sua própria magnitude

Lalo Ortega | 08/01/2024 às 23:08 - Atualizado em: 08/01/2024 às 23:08


Tem sido um ano curioso para o cinema mundial, especialmente no que diz respeito ao cinema de ação, no qual Hollywood costuma ser o maior expoente. Não é que tenha deixado de ser, mas é curioso que alguns dos melhores representantes do gênero em 2023 tenham vindo de países improváveis: Japão, com Godzilla Minus One; e França com Os Três Mosqueteiros: Milady, conclusão da adaptação em duas partes do clássico escrito por Alexandre Dumas (iniciada com D’Artagnan no início do mesmo ano), em cartaz nos cinemas brasileiros desde o final de 2023.

Ainda mais curioso é que, pelo menos no caso do filme francês, a tática se assemelha muito à de tantas outras superproduções hollywoodianas, tanto no que diz respeito ao filme em si quanto à sua promoção. Trata-se de uma adaptação de uma obra muito conhecida e com um orçamento maior do que o usual para o país europeu (embora, com uma estimativa acima dos US$ 70 milhões, ainda seja modesto pelos padrões atuais da indústria americana).

Sem economizar no design de produção, com filmagens em locações costeiras e suntuosos figurinos de época, o filme conta uma história de aventura que poderia muito bem se encaixar no gênero de ação, onde atualmente reinam John Wick e Tom Cruise com sua Missão: Impossível.

E, é claro, há o elenco, liderado por estrelas estabelecidas ao longo de diferentes gerações do cinema francês. Repetindo seus papéis de D’Artagnan, Os Três Mosqueteiros: Milady traz de volta François Civil, Lyna Khoudri, Vincent Cassel, Romain Duris, Pio Marmaï, Louis Garrel, Vicky Krieps e Eva Green.

Green, talvez a mais reconhecida do grupo internacionalmente, é quem se destaca nos materiais promocionais. Ela é, também, a alma e o coração de ambas as partes, mas principalmente da segunda, como a trágica espiã e vilã, Milady de Winter.

O diretor Martin Bourboulin (Eiffel) tira o máximo proveito possível de suas estrelas experientes, em uma adaptação que consegue brilhar em seu espetáculo, mas que arrasta os mesmos males de tantas outras adaptações divididas em partes.

Os Três Mosqueteiros: Milady é Dumas pelo caminho de John Wick

Dito isso: se o propósito de Os Três Mosqueteiros: Milady é elevar a obra ao nível dos grandes blockbusters hollywoodianos, ele cumpre com louvor. No quesito design de produção, não há nada a discutir a respeito.

É na ação que Bourboulon e companhia colocam seu foco, e onde o filme abraça suas influências hollywoodianas. Assim como sua predecessora, Milady utiliza o mesmo estilo de coreografias complexas filmadas com câmera na mão, exaltando uma visceralidade própria dos filmes de John Wick. Os complicados planos sequência são eficazes e bem executados, embora com a energia e tremores caóticos, sujos, que lembram menos os filmes estrelados por Keanu Reeves e mais a saga de Jason Bourne.

As cenas de ação em Os Três Mosqueteiros: Milady são viscerais, ágeis e estilizadas (Crédito: Paris Filmes)
As cenas de ação em Os Três Mosqueteiros: Milady são viscerais, ágeis e estilizadas (Crédito: Paris Filmes)

O resultado disso é que a violência é mais estilizada do que dramática. Os Três Mosqueteiros: Milady exalta o heroísmo dos três personagens principais e de D’Artagnan, às custas de transmitir uma sensação de risco físico ou do custo emocional – e político – da guerra em que estão envolvidos. Em outras palavras: é preciso admirar o quão espetaculares eles parecem, sem medo de que algo lhes aconteça. É divertido, sem dúvida, mas flerta muito de perto com as lacunas narrativas do cinema hollywoodiano atual.

Esse é o pé em que a adaptação em duas partes de Bourboulon manca como um todo. Embora a história seja bem conhecida (embora sempre ajude estar familiarizado com o romance de Dumas) e as mudanças sejam menores, a narrativa sofre por ser adaptada em duas partes.

D’Artagnan carrega o peso de estabelecer todos os personagens e o complexo contexto sociopolítico em que vivem, com a França envolvida em um conflito entre republicanos e monarquistas, e um complô para assassinar o rei. Embora não desprovida de ação, a balança nesse sentido se inclina claramente para Milady.

E então, Eva Green

O foco no personagem de Milady (Eva Green) é o que nos proporciona quase todo o contrapeso dramático para a ação e a intriga política da trama. E não é que ninguém neste elenco renomado faça um trabalho excelente, mas Green consegue imprimir a seu personagem a complexidade suficiente para tornar sua trágica espiã um personagem interessante, com o qual é possível simpatizar ainda mais do que com os heróis.

Eva Green é de longe o melhor elemento de Os Três Mosqueteiros: Milady (Crédito: Paris Filmes)
Eva Green é de longe o melhor elemento de Os Três Mosqueteiros: Milady (Crédito: Paris Filmes)

O desfecho da história, mesmo com suas mudanças, é bem conhecido, mas tanto Green quanto Civil conseguem carregar o peso dramático de seus personagens e de sua complicada relação, dois lados de uma moeda que compra os destinos de seus aliados e inimigos. Os eventos são previsíveis, mas não menos impactantes por isso.

E ambos os atores conseguem brilhar em suas performances com as cenas de ação, embora seja Green quem destaque sua experiência nos grandes filmes de Hollywood. Ela consegue equilibrar a complexidade do combate com a confusão psicológica dos personagens no momento.

No geral, Os Três Mosqueteiros: Milady contribuirá pouco para quem já conhece bem o romance ou outras adaptações cinematográficas do mesmo, embora seu foco na ação pareça fresco. Nesse sentido, é um experimento bem-sucedido que nos mostra que outras cinematografias do mundo não ficam atrás do que Hollywood tem a oferecer em suas – questionáveis – propostas de época.

Os Três Mosqueteiros: Milady já está em cartaz nos cinemas. Clique aqui para comprar ingressos.

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Lalo Ortega
Lalo Ortega

Lalo Ortega é um crítico mexicano de cinema. Já escreveu para publicações como EMPIRE em español, Cine PREMIERE, La Estatuilla e mais. Hoje, é editor-chefe do Filmelier.

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